Daqui, em minha janela, no oitavo andar de um prédio cuja rua fica em bairro nobre da cidade do Rio de Janeiro, consigo avistar a outra cara da moeda, a cara baixa; apesar d¢ela estar num pequeno monte e na mesma altura que a minha cara alta, a visão continua sendo de cima para baixo, evidenciando, assim, a desigualdade instalada em tempos ainda coloniais.
São 23:30hs do dia vinte e quatro de dezembro e as luzes, do outro lado, continuam mais acesas do que nunca, até parecem que piscam para mim, dá vontade de cometer adultério social e ir até lá, deixar de lado minha vida de um padrão sócio-econômico respeitável, cheio de regras enfadonhas, e repicar sons agudos nos seus fundos de quintais.
Essas luzes que me piscam ao longe também seduzem meu lado sentimental e orientam minhas emoções às boas obras; não como os jesuítas impondo suas convicções austeras aos nativos que eram tidos outrora inferiores, porém, sim, como o nobre asiático que, ignorando as diferenças entre realeza e plebe, originou o sentimento natalino, quando desde criança recebendo muitos presentes, distribuía-os a pequenos pobres deveras necessitados. É este tipo de convite, de aparência cintilante, a que me deparo debruçado sobre a janela, chamo isso de espírito de natal, o sentimento encubado na razão o ano inteiro, à alma retorna através de um desejo coletivo, claro que alterado geneticamente por impulsos de compra, mas quem disse que somos perfeitos, quem disse ser só o dinheiro a mover a máquina e quem disse não existir uma finalidade maior em tudo a nos rodear. É, exatamente, por ver essa luz, que me veio à idéia de acordar, no dia de Natal, bem cedinho, e ir até o hipermercado comprar dezenas de cestas básicas e alguns presentes de grande utilidade, colocá-los no meu carro e seguir em direção ao conglomerado.
Depois de dar assistência a largos sorrisos, finalmente livres de quaisquer impedimentos e de compartilhar emoções altruísticas, decidi fazer disso um exemplo para mim mesmo e espalhar esses compromissos para diversas datas do ano, desvencilhando a confraternização dos dias comemorativos, só assim conseguiria suprir a falta do glorioso Noel e trazer à favela um pouco do tão longínquo Céu.
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