Muita coisa pode ser dita sobre a importância de Machado de Assis um século depois de sua morte. Hodiernamente, porém, a racionalização do espaço midiático nos impõe a complexa tarefa de buscar a palavra mais precisa para a expressão mais fiel ao significado real da representatividade do escritor e cidadão Joaquim Maria Machado de Assis.
Refletindo-se a respeito da imprescindibilidade da palavra mais precisa, entra-se em contato imediato com a estética machadiana a iluminar o caminho do pensamento na busca dessa palavra-síntese. Neste sentido, é o próprio Machado, como precursor da linguagem precisa na arte literária brasileira, a avivar o nosso consciente sobre sua presença permanente na memória coletiva, como espectro velador da língua lusófona.
Assim, de todos os aspectos da influência exercida pelo escritor, especialmente, na construção do ideal de sociedade brasileira, é a linguagem o que assume relevância essencial em todos os tempos. Linguagem essa entendida como fenômeno metalingüístico, considerando que a linguagem machadiana não pode ser confinada nos lindes da ciência lingüística, que tem por objeto a palavra enquanto mero signo lexical.
O fazer literário de Machado de Assis consiste no emprego das palavras vivas, impregnadas dos significados da vida concreta (quotidiana), hauridos das interações dialógicas entre os indivíduos das múltiplas estratificações da sociedade.
Em seu estilo dialógico, na linha de Dostoievski, Flaubert e Eça de Queiroz, dentre outros realistas, Machado de Assis especula a alma humana, levando suas personagens a uma reflexão que resulta na tomada de consciência de si própria e de seu universo circundante. Por outro lado, os diálogos refratam a visão de mundo do autor, num processo de chamamento do leitor a uma cumplicidade no ato criativo (co-autoria), influenciando-o a uma reflexão social e existencial: “A minha idéia, depois de tantas cabriolas, constituíra-se idéia fixa. Deus te livre, leitor, de uma idéia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho”. Neste trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, vê-se a idéia colocada em relevo, como a heroína de um enredo que visa à representação da autoconsciência a reger os atos volitivos do homem.
É relevante salientar, que Machado de Assis tem influenciado o pensamento artístico-literário brasileiro ao longo de sua existência. Existência que se prolonga no tempo através do espírito de sua escrita. Entretanto, tal influência não se dá apenas pelo conteúdo de suas obras, mas pela estética, através da qual o homem, Machado de Assis, imiscuindo-se em diversas de suas personagens, faz emergir nos traços autobiográficos a imagem do cidadão repleta de brasilidade. È nesse projeto de afirmação de uma identidade pessoal, implícito na obra e explícito na vida, que se reflete a ambição maior do escritor pela evolução do pensamento humano, universal e particularmente no contexto da nacionalidade, através da literatura.
Fundindo-se a vida na arte, resulta a sublimação do artista no consciente nacional e universal. Em outras palavras, Machado de Assis vive hoje, há cem anos de sua morte física, na estética de sua linguagem. Neste ponto reside a importância crucial do escritor e cidadão em nosso tempo, como espírito guardião desse precioso instrumento de evolução, de liberdade e de soberania política e social, que é a língua pátria.
Em síntese, tomando-se por referência, especialmente, a arte literária, enumeram-se alguns aspectos que tornam palpável a importância de Machado de Assis neste centenário de sua morte e, porque não dizer, para os séculos vindouros. Tais aspectos são: a consolidação da identidade cultural e da história da literatura brasileira, como fontes de conhecimento e elementos de revitalização da língua vernácula; a afirmação da arte literária como paradigma estético de função pedagógica para as novas escrituras; a educação pelo texto, tecido nas experiências dramáticas dos indivíduos, como metodologia para a formação de um pensamento humanitário; e a leitura por diletantismo, como processo de desenvolvimento cultural e ideológico. Estes, dentre tantos outros aspectos do legado de Machado, são esteios basilares que asseguram ao processo de civilização a estabilidade necessária à absorção de novas formas de comportamento e de comunicação social, advindas com o progresso da ciência e da tecnologia.
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