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Brasileiro
Cláudio Thomás Bornstein


Ao fazer a manutenção anual da minha máquina de lavar, quebrei o filtro da válvula de entrada d’água. É uma pecinha pequena, toda de plástico, aproximadamente dois centímetros de diâmetro por dois de profundidade. Peça pequena, não se dá nada por ela, mas é de fundamental importância, porque sem ela a válvula estraga e, sem a válvula, a máquina não funciona.

Procurei em vão nos bazares e em lojas de material de construção das redondezas. Só no centro, só em autorizada, foi a informação que me deram.

"Gozado", pensei, "é uma peça ruim de tirar, ruim de limpar e que deve quebrar frequentemente, ou será que sou só eu que limpo o filtro da máquina de lavar? Será que todos os outros chamam o técnico? Será que só eu sou desajeitado?"

Não tendo encontrado a peça nas redondezas, resolvi procurar na internet. Encontrei algo parecido, mas havia que importar da China e levava dois meses para chegar.

Com as alternativas se esgotando resolvi ir ao centro. Na autorizada eu não encontrei, mas me indicaram uma loja especializada em peças de reposição de máquina de lavar. Lá tinha, mas não vendiam o filtro avulso. Somente com a válvula completa e esta custava quarenta reais. Ou seja, uma pecinha que podia custar talvez dois reais ia-me custar quarenta e eu ainda ia ter que retirar o filtro da dentro da válvula, com o risco de danificá-lo novamente, ou então instalar a válvula completa, o que eu não sei se seria capaz de fazer.

Fiz cara de missa de sétimo dia, e o vendedor, olhando o filtro velho que estava na minha mão, perguntou: "Para que é que o senhor quer filtro novo, se o seu está bom?"

"Acredita em mim. Este aí está quebrado. É que eu encaixei a parte quebrada tão perfeitamente que não se vê. Mas que está quebrado, está", foi o que eu respondi.

O vendedor insistiu: "Este aí está perfeito. Pode botar no lugar que vai funcionar. Eu garanto."

Ele insistiu, eu insisti: "Este aí está quebrado. Vai por mim. Vai dar problema." Claro que eu podia colar a parte quebrada, mas colado é remendado, é gatilho, e a minha prática diz que este tipo de solução não funciona por muito tempo.

Pedi para ver a válvula nova, a completa. Ele trouxe. Virei e revirei a peça, de frente, de trás e de todos os lados. Demoradamente. Tristemente. Era uma peça grande, de uns dez centímetros de comprimento, dez de largura e dez de profundidade. Tudo isto eu ia ter que levar, por causa de uns dois centímetros de plástico. Minha cara refletia meu pensamento. Meu pensamento refletia meu coração. Coração acabrunhado.

Tanto fiz que o vendedor se apiedou de mim: "peraí". E sumiu nos fundos da loja. Demorou bastante, mas acabou ressurgindo, vitorioso, com o filtro de plástico na mão.

Agradeci reiteradamente e perguntei: "quanto é que eu lhe devo?"

"Não é nada não." Voltei a agradecer e saí da loja exultante.

Pensei. Eu que sou filho de pais estrangeiros, já andei pelo mundo todo, passei muitos anos no exterior e me considero cidadão do mundo, sou é mesmo brasileiro. A nacionalidade não é falar a língua. É fácil aprender uma outra língua. A nacionalidade não é ter passaporte. É fácil conseguir um passaporte. A nacionalidade é conseguir mover-se dentro do país. Mover-se é isto, é saber resolver os pequenos problemas do dia a dia, é sentir-se à vontade dentro da cultura, dentro do jeito de ser de cada nação. Nacionalidade é identidade cultural.


Biografia:
Para mais informações visite o blog CAUSOS em www.ctbornst.blogspot.com.br. Querendo fazer comentários, mande e-mail para ctbornst@cos.ufrj.br
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