❖ INTRODUÇÃO:
• Principal ferramenta para atuar com o direito - interpretação (linguagem)
• Doxa (opinião comum) e episteme (reflexão, questionamento, verificação dos pressupostos)
• Importância da localização histórica para a interpretação
• Escrita (antes: oralidade), evoluções tecnológicas - roda, fogo e agricultura
• Direito enquanto tecnologia no campo social
• Marco importante: Estado (regulado por relações societais, leis, normas sociais, vida em sociedade, organização da família) • Estado contemporâneo organizado em 3 poderes: o Judiciário exige formação em direito, enquanto que no executivo e no legislativo não é necessário. Estrutura-se pelas normas, pelo direito, sendo o Estado a maior tecnologia, uma ideia sofisticada
• Regulação dos meios de comunicação
• Direito é técnica, decisão e dominação
❖ UMA LEGIÃO DE IMBECIS - HIPERINFORMAÇÃO, ALIENAÇÃO E O FETICHISMO DA TECNOLOGIA LIBERTÁRIA (SYLVIA MORTEZSOHN):
• A tecnologia, por si só, não tem o condão de alterar as relações sociais e o ambiente virtual, não é uma realidade autônoma ou independente, ela se vincula ao real
• Fetiche da tecnologia: crença de que é possível apagar as diferenças sociais no mundo concreto
• É um erro: homem x máquina, humanismo x tecnologia
• Semiologização do real, paradigma da produção-trabalho (velocidade, excesso de informação) - importante retornar à dimensão histórica dos fenômenos
• A estupidez coletiva e a formação de bolhas: cria-se senso comum no ciberespaço sobre questões sérias que demandam maior reflexão, com um nivelamento de saberes que levam à ignorância e à desqualificação do argumento
• O mundo virtual não cria uma realidade à parte, mas reproduz as relações de força do mundo presencial, inclusive as disputas políticas
• O risco do rebanho seguro de si: necessárias articulações presenciais e virtuais em ação coletiva, aliando a luta política às condições tecnológicas do presente
• O perigo não é a falta de informações (elas estão presentes até em excesso), mas sim a ausência de uma esfera comum para compartilhar ideias além das fronteiras das crenças
• A pós-modernidade é responsável pela diminuição da capacidade do pensamento e de interpretação do mundo, inclusive no pensamento jurídico
❖ IMPORTÂNCIA E DESAFIOS DA INTERPRETAÇÃO:
• A interpretação é inerente à condição humana
• Horizonte de sentido - é uma visão de mundo, uma perspectiva (Michel Lèvy), e o desafio de se olhar para trás em face do poderio
• Principais desafios: plurivocidade da linguagem jurídica + ficção da neutralidade axiológica (não é possível ser totalmente imparcial, há sempre uma carga valorativa que o intérprete carrega, há uma distorção das normas convergindo para uma perspectiva que melhor convier ao julgador)
• Peter Häberle: todos interpretam o direito, há uma sociedade aberta de intérpretes
❖ CONTEXTO HISTÓRICO:
• Interpretação do direito penal (pré-modernidade): o ônus da prova cabia ao acusado, havia processos contra animais (respondiam penalmente e comumente eram excomungados), era comum a punição sem respeito ao contraditório e reinava o misticismo
• Revolução Industrial (Inglaterra) - paradigma que mudou nossa forma de se relacionar com o mundo, deu-se no plano econômico.
• Capitalista (detentor dos meios de produção) X do proprietário de até então - revolução que mudou os donos do poder. A aristocracia fundiária (terras) foi substituída pelo capital (burguesia), a terra deixa de ser o foco e passa-se a haver maior preocupação com o acúmulo de capital. Vassalagem substituída pelo proletariado. A terra era o principal instrumento de produção, as famílias ricas possuíam título de nobreza e havia relação jurídica de aluguel (alugavam-se terras para o plantio - enfiteuse)
• A modernidade se inicia com a cisão entre o Estado e a propriedade, deixando o Estado de ser o proprietário de tudo - implica novas formas de ver e de pensar
• Marco para o direito moderno: Código Civil napoleônico
• Estar em um sistema capitalista não significa que somos capitalistas, somos vítimas de uma forma de pensar colocada pela classe dominante
• Mudança no plano político- revolução francesa (1789)
• O Estado passa a ser um instrumento de dominação por meio do direito, mantendo-se o status quo vigente e a burguesia, e a terra passa a ser vista como mercadoria, não mais como meio de produção (reforma agrária)
• Portanto, pode-se dizer que a capacidade interpretativa se dá a partir das mudanças do mundo
• A modernidade perdurou até cerca de 1950
• Antes da dupla revolução: pré-modernidade. Posteriormente (1789)- início da modernidade, logo em seguida (1804)- Código Civil Napoleônico
• Para Bauman, a pós-modernidade tem a ver com a publicização dos aspectos pessoais e da vida
• Pós-modernidade (modernidade líquida): desreferencialização do pensamento, perdem-se os referenciais da modernidade - problemas na interpretação do direito
❖ PONTOS TEÓRICOS:
• Relação cognitiva: sujeito cognoscente (o que conhece) e objeto cognoscível (o que está sendo conhecido)
• Não há confiabilidade científica no uso dos sentidos, eles nos enganam, mas tornam possível a existência
❖ ESCOLAS CIENTÍFICAS:
1- Empirismo: experimentação, chega-se à verdade por meio da repetição, há um conhecimento prático para se chegar à essência, emprego dos sentidos
2- Racionalismo: reconheceu a fragilidade da experimentação empírica, porque os sentidos nos enganam. Descartes afastou-se do pensamento da época - “cogito ergo sum” - é uma condição de existência, conhece-se a verdade por meio da razão
✱ Lógica formal: preocupa-se com a forma
Princípios da lógica formal:
- Princípio da identidade: a proposição é verdadeira quando se refere a si mesma - o que é, é
- Princípio da não contradição na lógica formal: uma proposição verdadeira não pode ser falsa, e uma proposição falsa não pode ser verdadeira
- Princípio do terceiro excluído: ou a proposição é verdadeira ou é falsa, não há uma terceira possibilidade
- Princípio da razão suficiente: tudo o que acontece ou existe tem uma razão, funda a lógica científica - causalidade, determinismo natural e princípio da finalidade
✱ Lógica material: preocupa-se com o conteúdo, é a lógica mais importante para o direito, e a forma existe em razão do conteúdo
• Crítica: as decisões judiciais não obedecem à lógica formal, irracionais - embargos
•Crise no pensamento racional: a razão pura, por si só, não é suficiente
3- Dialética: tese, antítese e síntese
•A síntese é uma tese, pode ser levantado um contra-argumento e gerar uma nova síntese
• Exemplo de procedimento dialético: contraditório
4- Fenomenologia: O que pensamos é a representação de um fenômeno, tudo é representacional, e a verdade provisória da dialética é ficcional
• Luís Alberto Warat: o direito é ficcional
• Direito intertemporal: coisa julgada, ato jurídico perfeito e direito adquirido (ficções criadas)
• O intérprete deve ter uma visão comedida, uma posição recuada (as coisas não são o que parecem)
• Na modernidade, predominam explicações racionais, referências (construção) com causa e efeito que permitem uma interpretação razoável, plausível, há uma existência referencial a partir do indivíduo
• Na pós-modernidade, rompeu-se com os referenciais construídos (modernidade líquida, transmodernidade), há uma queda da modernidade. Marco inicial da pós-modernidade: após a Segunda Guerra Mundial, com a demonstração da capacidade destrutiva das bombas atômicas
• Guattari e Deleuze: desterritorialização (problema do processo cognitivo em face da perda de referência - obliteração cognitiva)
• O direito não existe, ele é criado a partir da linguagem. Para a fenomenologia, os objetos são conhecidos através da representação
❖ DIREITO E LINGUAGEM:
• Distinções entre hermenêutica e interpretação: a hermenêutica é a ciência que se preocupa com a interpretação, discutindo seus pressupostos e fornecendo elementos, métodos e procedimentos para interpretar. Já a interpretação possui aspecto mais estrito e prático
• Conceito de hermenêutica (Carlos Maximiliano): A hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis do direito, para determinar o sentido e o alcance das expressões de direito
• Interpretação em sentido latíssimo: visão de mundo, horizonte de sentido / em sentido lato: hermenêutica, compreensão de uma linguagem, procedimentos interpretativos / em sentido estrito: interpretação mais direta, extração do conteúdo normativo
• O Direito é linguagem, a Lei é linguagem (o Direito só existe se puder ser explicado pela linguagem)
• Letras - signos (é a coisa), é natural. E símbolos linguísticos (é àquilo a que se refere a coisa), é artificial e veiculam a norma
O signo/símbolo é um elemento cognitivo e fenomênico que aponta para algo distante de si (se não apontasse para algo distante, seria a coisa, não o símbolo), é àquilo que se refere a coisa. É o meio dos signos que a linguagem se manifesta, e por sua vez, o direito
❖ PLANOS DA LINGUAGEM:
1- Sintática: diz respeito à estrutura entre os signos e à relação entre as palavras, é a primeira análise a ser feita pelo jurista
• No plano sintático, a norma é um conjunto de relações entre as palavras
• No plano sintático não é necessário ter relação com a realidade, não precisam estar “corretas” ou ter correspondência com o mundo exterior
2- Semântica: relação entre o signo e o objeto, guarda relação com o significado/conteúdo com o objeto no mundo real
• É feito um acordo semântico, geralmente no parágrafo único de cada artigo da lei, que esclarece, trata-se de pegar uma palavra que pode compreender diversos significados e definir/explicar o significado daquela palavra
3- Pragmática: contexto em que os signos se inserem, é o campo da complexidade discursiva (Tércio Sampaio)
• Para uma interpretação adequada, é necessário contemplar os 3 planos da linguagem em seu conjunto
• Os planos da linguagem podem apontar para direções opostas
• Meta-linguagem/para-linguagem
• Linguagem: primeiro nível
• Meta-linguagem: segundo nível
• Quando há uma ruptura com a cadeia de linguagem, desviando-se o assunto, cria-se uma meta-linguagem acima da linguagem de primeiro nível (estratégia comum entre advogados para deslocar o discurso)
❖ TIPOS DE LINGUAGEM:
1- Natural: linguagem do cotidiano, mais simples, maior plurivocidade, interpretação mais abrangente
2- Técnica: linguagem utilizada em um campo específico do saber, reduz um pouco a plurivocidade
3- Simbólica: “linguagem artificial”, alto grau de precisão e certeza, com o predomínio da univocidade
• Quanto mais próxima da linguagem natural - plurivocidade (múltiplos sentidos, polissemia)
• Quanto mais próxima da linguagem simbólica - univocidade (não há muita margem para interpretação)
• O contexto de uso define o seu significado (pragmática)
• Direito - linguagem técnica para reduzir a plurivocidade linguística da linguagem natural, mas quem interpreta o direito é o destinatário da norma jurídica (o cidadão)
• Bourdieu: violência simbólica - o uso da linguagem técnica oculta uma violência
❖ SENSO COMUM TEÓRICO DO JURISTA:
• Interpretamos o direito segundo os ideais da pós-modernidade (automatismo), o que interfere na prática jurídica
• A linguagem jurídica e o direito possuem textura aberta
• Desafio/dificuldade em interpretar o direito - linguagem plurívoca
• Neutralidade/imparcialidade do juiz é uma ficção
• Conteúdo axiológico (valores) - horizonte de sentido
• Ideologia é um conjunto de ideias, impressões e saberes sobre algo, pode ser entendida de forma negativa (Napoleão, Marx)
• Bobbio: ideologia em sentido negativo é forte, e em sentido positivo é fraco
• Senso comum: ideias compartilhadas no cotidiano
• Ciência: maior rigor, refutabilidade
•Não há hierarquia entre senso comum e ciência, há especificidades cognitivas
• O senso comum é o local mais propício à alienação, e pode se encontrar na ideologia
• A ciência verifica o senso comum, provoca sua desideologização
• Senso comum teórico dos juristas - expressão criada pelo Warat, é um conhecimento técnico em direito que pode ser desideologizado pela ciência
• Teorias descritivas e normativas da interpretação, essa última determina como se deve interpretar, fornecendo diretrizes
• Os valores exercem papel na atividade interpretativa
• Tipologias da interpretação jurídica: autêntica, legal e operativa
• Ideologias da interpretação: ideologia estática e dinâmica
❖ JERZY WRÓBLEWSKI - INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
• 3 modalidades de interpretação: latíssimo sensu (sinônimo de entendimento nas ciências humanas ou da cultura), lato sensu (compreensão de uma expressão linguística ou de um ato de linguagem, devendo-se interpretar cada sinal) e em sentido estrito (situações em que há dúvida sobre o sentido das expressões da língua em alguns de seus usos)
• Situações de isomorfia: o entendimento imediato/direto basta para compreender o texto, em outras situações o sentido é indeterminado
• Língua semanticamente vaga: o sentido das expressões depende do contexto em que são empregadas - há relação estreita entre a semântica e a pragmática, de forma que os contextos são importantes para a determinação
• A interpretação jurídica pode ser tratada do ponto de vista descritivo e do normativo
• Teorias descritivas da interpretação: descrição psicológica, psicossociológica e lógico-semiótica
• Ocorre a desconstrução dos modelos descritivos da interpretação em detrimento da perspectiva normativa
• A perspectiva normativa determina como se deve interpretar, fornece as diretrizes de interpretação e possui função heurística ou justificatória
• Sem os valores, não se pode interpretar o texto jurídico nem justificar a decisão interpretativa
• Contextos linguístico, sistêmico e funcional
• Tipologias da interpretação jurídica: quanto às diretrizes de interpretação (sistêmica, funcional e teleológica), quanto à validade em função da posição dos intérpretes (autêntica, legal e operativa), quanto às fontes, métodos e autoridades (histórica, legal, teleológica, gramatical e sistêmica)
• As ideologias da interpretação do direito são reconstruídas a partir dos textos jurídicos em vigor, das justificações das decisões e dos tratados de interpretação
• Ideologia estática e dinâmica
❖ SENSO COMUM TEÓRICO DOS JURISTAS - LUÍS ALBERTO WARAT
• É o conjunto de representações, crenças e ficções que influenciam os juristas sem que eles tomem ciência de tal influência
• Fala-se em um novo senso comum jurídico - pós-modernidade
• O conceito “senso comum teórico” foi elaborado com base na recusa às teorias linguísticas dominantes, com uma dicotomia entre linguagem e realidade
• Crítica à ideia de “real” - é um conjunto complexo de significados
• O significado é um instrumento de poder à medida em que assegura a sua conservação, sendo o direito uma técnica de controle social
• As representações que o senso comum teórico integra aniquilam nossa compreensão sobre as verdades jurídicas
• A ordem epistemológica (restrita a um círculo pequeno), foi substituída por uma ordem ideológica, sendo a verdade submetida a um processo de persuasão
• Na pós-modernidade, o saber científico regrediu para o senso comum
• O conhecimento científico só ocorre se ele pode se converter em senso comum
• Novo senso comum jurídico: é o pensamento do direito além da dicotomia Estado-sociedade civil
❖ A REDEFINIÇÃO DAS PALAVRAS DA LEI - LUIS ALBERTO WARAT
• Semiologia: não é um método de interpretação, mas sim uma metodologia crítica de seus próprios métodos interpretativos, colocando os métodos de interpretação como códigos ideológicos para produzir significados normativos - os métodos são meios de produção de redefinições indiretas das palavras da lei, servindo a semiologia como forma de compreensão das regras redefinitórias, e portanto, um mecanismo desideologizador
• Definir é realizar um processo de classificação considerando as características em comum (critérios de classificação). É oferecer uma regra de relevância de critérios através da qual determinados objetos ou coisas integram uma classe de objetos, fazendo parte de uma teoria, explicativa da realidade.
• Vagueza e polissemia: as propriedades dadas pelo critério de definição podem apresentar diferentes graus e nem sempre sabemos quais características considerar relevantes. Assim, para a eliminação da vagueza, são necessárias definições explicativas, enquanto que para a eliminação da ambiguidade/polissemia, são necessárias definições persuasivas
• Definições persuasivas: são definições eticamente comprometidas, nelas há critérios de relevância que visam a convencer o receptor a compartilhar o juízo valorativo postulado pelo emissor para o caso. Não se busca produzir um critério de uso, mas sim um acordo ético sobre o conteúdo. É válido destacar que o procedimento probatório é um lugar privilegiado para as definições persuasivas. Muitas vezes obtém-se o efeito persuasivo mediante a redefinição direta ou indireta de um termo que oculta ou revela uma débil carga valorativa, ou, ainda, através da redefinição de uma expressão técnica ou legal
• A definição persuasiva - acréscimos e recapitulações: os critérios de relevância se dão em contextos de comunicação.
• Pode-se dizer que a definição persuasiva é uma armadilha verbal dirigida ao receptor da mensagem, com a finalidade de um desacordo valorativo. Quando se formula uma definição persuasiva, muda-se o significado descritivo de uma palavra sem mudar seu significado emotivo. Os estereótipos (de alta carga emotiva) são as expressões que proporcionam as melhores definições persuasivas (re-enfáticos), e são facilmente redefinidos em razão de interesses. Na interpretação da lei, algumas definições explicativas consideram-se persuasivas, de modo que poderia se dizer que todas as decisões judiciais são persuasivas.
• Projeção das definições explicativas e persuasivas na ação de interpretação: ideia de injustiça (ideologizada) cria vagueza ao abrir brecha para a não aplicação da lei. A vagueza dos termos jurídicos é, mais que uma incerteza denotativa, uma incerteza valorativa, de modo que as variáveis axiológicas contêm uma carga emotiva.
• Nas definições persuasivas: “no caso das definições persuasivas, logra-se uma solução de equidade sem que a norma receba uma carga de sentido que possa transferir-se às outras aplicações jurídicas cotidianas dessas expressões. Geralmente os códigos não definem a determinação das características relevantes, que podem ser consideradas como paradigmáticas: as "centrais de inclusão" são sempre fruto do trabalho dos doutrinários, dos professores e dos juízes”.
• Nas definições explicativas: "quando um juiz proporciona uma definição explicativa, pelo peso do precedente a característica de relevância introduzida fica cristalizada e surge uma nova aplicação mais ou menos aceita”.
• O processo redefinitório: é alterar as características de relevância de um termo, permitindo ou provocando uma mudança em sua denotação. Mais precisamente, é alterar o significado de um termo possibilitando sua aplicação a situações antes não consideradas. Quando o critério utilizado para tal mudança é axiológico a redefinição constitui-se em uma definição persuasiva. Na interpretação da lei, o processo definitório. está sempre determinado por fatores axiológicos, sendo que as imprecisões significativas da linguagem permitem o processo direto de redefinição. Toda vez que no uso contextual de um termo são alterados os critérios de relevância regularmente explicitados, isto é, a significação de base do aludido termo, ocorre uma redefinição. Portanto, atendendo a razões circunstanciais e ideológicas transmuda-se, muitas vezes, o significado das palavras da lei mantendo-se inalterados seus grafismos ou significantes. Tal mecanismo facilita a adequação da jurisprudência, às exigências, reais ou supostas, de um dado momento histórico.
• Os modos diretos de redefinir: atividades definitórias dos juízes que explicitamente propõem nas sentenças mudanças dos critérios de relevância de certas palavras chaves contidas nas normas gerais. As normas se inscrevem na linguagem natural, mas o caráter impreciso das expressões legais nem sempre é manifesto. E nas decisões jurídicas, toda característica definitória também é uma característica decisória.
• Vagueza: é necessário estabelecer definições esclarecedoras/aclaratórias, que redefinam os termos, explicando-se o grau
• Ambiguidade: quando a palavra expressa mais de um significado ou possui um campo referencial múltiplo
• A definição explicativa como processo de redefinição: quando se decide mudar os critérios de relevância para a formação de uma classe, a definição explicativa produz um verdadeiro processo de redefinição do termo
• Os modos indiretos de redefinir: argumentos retóricos, recurso às teorias, adjetivação desqualificadora, apreciação axiológica dos fatos, alterações sintáticas das normas ou emprego de variáveis axiológicas (essas últimas impõem-se nos contextos onde as propostas de novas significações são consideradas arbitrárias ou linguisticamente impossíveis)
• Variáveis axiológicas (estereótipos): quando no discurso judicial faz-se necessária a significação paradigmática de uma norma. A variável axiológica proporciona uma lacuna valorativa para um deslocamento de significação das palavras da lei, neutralizando notas esclarecedoras. São variáveis que não apresentam uma clara significação descritiva, mas sim proporcionam um esquema formal sem necessária constância significativa, que depende de processos contextuais de redefinição. O processo definitório é simultaneamente indireto e manifesto, sendo que as variáveis axiológicas obscurecem a circunstância de instaurar nova linha decisória ao caso
• O recurso às teorias: as teorias encerram propostas de mudança dos critérios de relevância das palavras da lei, sendo que as teorias dogmáticas são unívocas
• Adjetivação desqualificadora: adjetivos que cumprem a função de anular propriedades ordinariamente emprestadas a um substantivo comum, ou termo de classe. Altera os efeitos jurídicos de um ato e instaura uma nova cadeia de definições sobre o mesmo
• Análise retórica dos fatos: é um juízo de valor, uma comprovação empírica (juízos de valor são afirmações sobre os fatos em face de desacordos valorativos)
• Alterações sintáticas: é uma modalidade de redefinição indireta na qual problemas sintáticos que se relacionam com a interpretação das normas ensejam uma alteração de seu sentido
• Conclusão: inutilidade da busca da natureza jurídica ou da essência dos termos definidos persuasivamente, são significados dependentes de uma tentativa argumental. A pretensão de dar uma definição real assume sempre a forma de uma definição persuasiva, de forma que procurar essências é tentar persuadir. Sobre coisas com características incomuns, quando se decide incluí-las em uma classe, faz-se uma operação analógica. Definir é fazer uma analogia e interpretar é definir
❖ PROCEDIMENTOS DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA - LUIZ FERNANDO COELHO
1- Classificação dos métodos de interpretação jurídica:
• Procedimentos interpretativos são meios técnicos de que se serve o jurista para realizar a interpretação, desentranhando o sentido das expressões do direito.
• Na hermenêutica jurídica, o problema crítico prepondera sobre o metodológico
• Certos procedimentos podem ser enfatizados como mais adequados ou menos, conforme os objetivos que determinado critério define.
• A filosofia da interpretação é o ponto de referência da hermenêutica
• Perguntas que o jurista interpreta: qual o significado da norma e a quem ela se aplica?
• Primeira operação da tarefa interpretativa é conduzir ao conteúdo intencional das expressões, e a segunda é a aplicação, tem a ver com o alcance da norma
• Critérios de classificação dos métodos interpretativos: compreensão (elementos significativos que formam a norma) e extensão (número de objetos aos quais a norma se aplica)
• Lógica de Port-Royal: define a compreensão de um termo geral como o conjunto de atributos que esse termo encerra
• Um conceito pobre em conteúdo se aplica a uma infinidade de objetos
• Regra lógica da proporcionalidade inversa da compreensão e da extensão: quanto mais pobre o significado intrínseco de um conceito, mais ampla é a sua extensão (exceptiones sunt stricitissimae interpretatione) - as leis gerais interpretam-se extensivamente, as especiais/excepcionais, restritivamente
• A compreensão da regra jurídica é o primeiro critério de classificação. Há ainda outros critérios, o do fundamento e o da extensão (interpretação declarativa, extensiva e restritiva)
• Os procedimentos hermenêuticos organizam-se em 3 orientações: dogmática, zetética e crítica
• Sujeito da interpretação (público ou privado): órgão público ou pessoa física
• Interpretação pública: autêntica, legislativa, judicial e administrativa / interpretação privada: própria ou imprópria / doutrinária ou casuística
2- A compreensão da lei
2.1- Interpretação filológica/gramatical/literal:
• Procedimento que visa estabelecer o sentido jurídico da norma com base nas próprias palavras que a lei expressa.
• Objetivo de estabelecer a coerência entre o sentido da lei e os usos linguísticos
• Consideram-se os elementos gramaticais, semânticos e lógicos (Bolonha - sec. XI, glosadores)
• Importância relativa: necessário considerar outros elementos, vale-se da semiologia e da pragmática
2.2- Interpretação lógica:
• Procura o pensamento da lei para além da palavra (Ihering)
• Busca ir ao pensamento do legislador, adaptando a lei aos fatos
• A interpretação lógica se distingue do elemento lógico da interpretação, visto que a interpretação é mais abrangente, enquanto que o elemento lógico apenas dá relevância ao aspecto sintático
• Em suma, é um procedimento interpretativo que busca o sentido da lei pelos princípios científicos e lógicos
• Lógica material e formal (princípios da identidade, da não contradição, do terceiro excluído e da razão científica) - fundamentam os princípios da metodologia científica: princípio da causalidade (toda mudança pressupõe uma causa), princípio do determinismo natural (sob as mesmas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos) e o princípio da finalidade (toda atividade tem um fim) - esses princípios da lógica formal configuram a base da interpretação realizada por meio dos argumentos lógicos a fortiori, a maiori, a minori, a simili e a contrario
• O conteúdo das regras jurídicas situa-se no plano da lógica material
• O sistema jurídico é formado por axiomas
• Os princípios da interpretação fundamentam a interpretação lógica no plano da lógica material
• Elementos do procedimento lógico-material: ratio legis (razão de ser da norma, motivo que justifica o preceito), vis legis (eficácia objetiva da norma) e occasio legis (circunstância histórica que determinou a criação do preceito)
• A dogmática tradicional fixa critérios lógico-formais, enquanto que a teoria crítica enfatiza os fatos e a equidade
2.2.1 - Argumentos apodíticos/lógico-formais:
• Argumento a fortiori ratione: as coisas menos importantes estão implícitas nas coisas mais importantes (qui potest plus, potest minus) - é limitado pelo princípio da legalidade, e consiste em interpretar aquilo que é reputado menos importante para o intérprete
• Argumento a contrario sensu: é restritivo, utiliza a expressão “somente” (inclusius unius, exclusius alterius)
• Argumento a simili: raciocínio analógico, similitude
2.2.2 - Outros argumentos:
• Argumento a rubrica: descoberta do sentido da lei a partir do título/súmula
• Argumento ab autorictate: jurisconsulto, atividade da jurisprudência
• Argumento pro subjecta matria: descoberta da intenção do legislador (mens legislatoris)
• Argumento ratione legis stricta: em razão da lei exclusivamente (dogmático)
• Argumento a generali sensu: amplia a extensão da lei
2.3 - Interpretação sistemática:
• Considera o preceito jurídico como parte do sistema normativo mais amplo que o envolve, analisa a norma no todo
• É considerada uma derivação da interpretação lógica
• Sistema como interdisciplinaridade
• Do ponto de vista crítico, o sistema em que a lei se insere não é de ordem lógica, mas sim real, caracterizada por uma estrutura política de poder
• Carlos Maximiliano: consiste o processo sistemático em comparar o dispositivo sujeito à exegese com outros da mesma lei ou de lei diversas, mas referentes ao mesmo objeto, podendo-se conhecer algumas normas pelo espírito de outras
2.4 - Interpretação histórica:
• Busca esclarecer o sentido da lei por um trabalho de reconstituição de seu conteúdo original
• Reconstitui fontes históricas, que podem ser internas (instituições) e externas (marcas da evolução do direito - lei), na tentativa de descobrir a intenção real do legislador, mas não se restringe à mens legislatoris - teoria crítica
• Presença da occasio legis, é uma reconstrução, ideologia
• A experiência do passado só tem sentido como reveladora da ideologia que condiciona o presente
3- A extensão da lei:
• Interpretação declarativa, restritiva e extensiva (ampliativa)
• Critérios: mens legislatores (vontade originária do legislador reconstituída) e mens legis (o preceito é independente da vontade do legislador, e a interpretação histórica tem importância secundária)
• Interpretação declarativa: revelação do conteúdo normativo reconstruído historicamente, os efeitos coincidem com o sentido aparente que suas expressões denotam
• A realização de interpretação restritiva ou ampliativa depende do tipo de norma interpretada
• Direito administrativo - interpretação extensiva (princípio da discricionariedade)
4- O agente da interpretação jurídica
• Interpretação pública: autêntica/legislativa (o intérprete é o autor da norma), judiciária (o agente da interpretação possui poder jurisdicional) e administrativa (dia a dia da autoridade que opera a interpretação). Há ainda outra espécie - costumeira (público e privado simultaneamente, tertium genus)
• Interpretação privada: é própria, realizada pelo jurista não como representante do poder público, mas na sua condição de pessoa privada. A interpretação privada pode ser doutrinária/científica ou casuística: atividade profissional dos operadores do direito - contexto jurídico
❖ OUTROS TÓPICOS EM HERMENÊUTICA JURÍDICA:
• “In claris cessat interpretatio”: norma clara não precisa ser interpretada (mas não existe uma norma exata que não exija interpretação) - a jurisprudência oferece vários caminhos interpretativos, dada a linguagem plurívoca do direito aplicada à prática, não há neutralidade axiológica
• Plano persuasivo: é tornar possível a comunicação e o diálogo mediante argumentos plausíveis
• Definir é esclarecer, caracterizar, atribuindo-se critérios de relevância - na lei, a definição ocorre nos parágrafos
• Processo redefinitório: quando se altera o critério de relevância - importante verificar o critério de relevância na lei
• Warat tratou dos procedimentos de redefinição por meio do recurso às teorias dogmáticas, das adjetivações que redefinem o campo de alcance das palavras (qualificadoras ou desqualificadoras), do recurso às variáveis axiológicas, da reanálise retórica dos fatos (interpretações diferentes, comportamentos diferentes) e alterações sintáticas
• Kelsen separou a pré-modernidade para a modernidade no direito e propôs uma hierarquia dos atos normativos, estando, fora da norma hipotética, a Constituição Federal. Hoje, a hierarquia depende, visto que se dá pelo fundamento de validade (em um conflito entre normas, busca-se o fundamento de validade, que, na lei, encontra-se na autoridade (quem autorizou a fazer a lei)
• Além disso, Kelsen também afastou a metafísica no direito, prezando pela racionalidade
• Toda norma jurídica tem âmbitos de validade: pessoal (quem), material (qual), espacial (onde) e temporal (quando). A lei regulamenta o comportamento humano nesses 4 âmbitos
• Constituição Federal: norma hierarquicamente superior com dupla dimensão (política e jurídica)
• Perspectiva jurídica: perspectiva axiomática-dedutiva
• Perspectiva política: perspectiva axiológica-teleológica (valores e finalidade). Há fins e valores, não é formalizada, se desprende da vontade do legislador (voluntas legis), e o intérprete atribui sentido, conteúdo e alcance
• A norma mais bem elaborada não é a mais detalhada, necessariamente
• A aplicação do direito é contextual
• Ratio legis: razão da feitura da lei formal, é a busca do sentido, do conteúdo e do alcance da lei pelo intérprete, em uma interpretação estritamente jurídica
• Jurisprudência é fonte do direito, mas súmula não, ela organiza e uniformiza as decisões judiciais
• Jurisprudência não obriga os magistrados a interpretarem ou aplicarem a lei da forma recorrente como veiculam, mas a súmula vinculante sim (problema: atenta contra o equilíbrio entre os poderes)
• Dogmática como possibilidade de estabelecer parâmetros
• Perspectiva jurídica - formal / perspectiva política - material
Subsunção:
• Primeira tarefa: compreensão do significado da lei (histórica, gramatical, lógica e sistemática)
• Segunda tarefa: os procedimentos interpretativos levam à compreensão da norma e à aplicação no caso concreto - extensão - interpretação declarativa (o fato se encaixa perfeitamente à norma, interpretação especificadora/estrita), extensiva (a lei não alcança a situação fática - “dixit minus quom voluit” - a lei diz menos do que queria ter dito) e restritiva (“dixit plus quom voluit” - a lei diz mais do que queria ter dito)
• Terceira tarefa: fundamento - questão dogmática (interna corporis, é o campo das respostas) e zetética (elementos externos, é o campo das perguntas)
• Compreensão X extensão: regra lógica inversamente proporcional - quanto menos se compreende os procedimentos interpretativos, mais amplo/extensível fica. Quanto mais se compreende, menor é a extensão
• O direito no Estado Moderno tem pretensão de completude e coerência (promessas)
O problema da incompletude no ordenamento jurídico:
• As lacunas ocorrem quando da falta de lei/ausência de disposição geral, visto que não há previsão normativa para todos os casos
• Lacunas são passíveis de colmatação (preenchimento) - por previsão na própria lei sobre como proceder na falta de previsão expressa ou por outros meios (analogia, costumes, princípio e equidade)
• O juiz não pode se escusar de julgar, sob pena de perda do monopólio do Estado. Ele é obrigado a decidir mesmo na ausência de lei
• Analogia: quando há um caso completamente diferente e se estabelecem alguns vínculos análogos (quanto mais específica a lei, mais coisas nos fogem, e menos “analogizável” é a situação)
• Princípios: viés axiológico, conjunto de valores
• Equidade: tratamento unânime, justo com todos, é uma questão de justiça - razão de ser do direito
• Costumes: secundum legem (segundo a lei), contra legem (contra a lei) - nestes não há lacuna, há previsão legal. Outra classificação de costume - praeter legem (não está previsto) - é o mais adequado para a colmatação de lacunas. Sobre a lei em desuso (Kelsen), a lei não é mais vigente se não tiver eficácia
O problema da coerência no ordenamento jurídico:
• Ante a incoerência do direito, apresentam-se as antinomias como colisão de normas
• Antinomias são passíveis de resolução
Antinomia própria: irresolúvel, não há como resolver, porque aplicando-se uma lei, descumpre-se outra
Antinomias impróprias/aparentes:
• Critério da hierarquia: há uma norma hierarquicamente superior que prepondera em contraste com a inferior, sabe-se qual é a superior por seu fundamento de validade, estando uma em razão da outra
• Critério da cronologia: norma anterior no tempo x norma posterior no tempo - prepondera a mais atual, a posterior
• Critério da especialidade: norma especial (prepondera) x geral
• São critérios de primeiro nível, quando cruzados, formam meta-critérios (segundo nível), solúveis
• Norma hierarquicamente superior x norma cronologicamente inferior: prepondera a hierarquia
• Especialidade x cronologia: prepondera, quase sempre, a especialidade
• Norma hierarquicamente superior x norma especial inferior: depende conforme o caso, visto que a hierarquia baseia-se no príncipio de ordem, previsibilidade, sendo formal, já a especialidade tem a ver com a justiça (material), mas a ordem também tem um conteúdo
Disciplina: Hermenêutica Jurídica
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