Se um anjo de olhos claros, cabelos dourados e encaracolados, com um olhar meigo e lábios úmidos de infância, descesse a Terra e me concedesse um único e derradeiro pedido, para que eu possa viver que por medo não vivi ou para que eu possa corrigir o que por mim foi vivido.
Se um anjo descesse a Terra nos meus momentos finais e no meu instante derradeiro uma última oportunidade me fosse concedida, para poder reviver o que um dia eu vivi, não escolheria rever teus olhos de mulher me amando, nem teu sorriso de mulher gozando, nem teu perfume de cidade que um dia embriagado conheci.
Se uma última oportunidade me fosse dada, não iria quer a alegria da adolescência e nem a rubra face do primeiro beijo dados em uma tarde de verão, no calor dos meus dezoito anos, na porta de um prédio do tamanho de uma cidade ainda não reconhecida.
Se uma última oportunidade me fosse dada, não iria querer sentir de novo o gosto delicado do morango e nem o doce sabor da manga chupada e nem provar as jabuticabas, como bolas de gudes negras, espalhadas no chão da floresta mal assombrada, repleta de colibris e vaga-lumes, onde me perdia nos sonhos infantis, em uma fazenda, repleto de desejos, medos e anseios refletidos no olhar de uma criança.
Se em meus momentos finais, uma última oportunidade me fosse oferecida, não iria querer sentir de novo o vento em meu rosto naquela tarde quando ainda jovem, tive o meu primeiro dia de férias, após um ano árduo de trabalho, ouvindo o cantar do Natal em vozes de corais de anjos.
Se uma última oportunidade me fosse dada, não iria deseja reviver o que vivi e nem dar um novo rumo ao caminho por mim percorrido, se uma última chance me fosse dada por esse anjo que possui o olhar de quem indaga e a boca de quem não responde, se uma última chance me fosse dada, eu não iria desejar não morrer, iria apenas desejar não ter nascido, para nunca em momento algum sentir falta do que já passou ou muito menos sentir falta do que nunca existiu.
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