Quem me conhece para além do anonimato sabe que nem só de poesia vivo, embora só de poesia eu bem poderia viver. Peço a gentileza de que não me busquem, porque não posso oferecer-lhes tanto mais daquilo que Flora já lhes escreve. Peço escusas poéticas. Este, porém, é apenas um adendo explicativo para que quem esteja me lendo possa melhor entender sobre os receios que frequentemente me acometem há tempo.
Divido o mundo da poesia com a sobriedade do mundo jurídico, e ainda que a literatura seja um caminho natural pelo qual muitos juristas deste país se enveredam, dada a pinta intelectual do estilo, a pompa das academias de letras e a arte necessária para suprir a monotonia dos processos e a podridão da realidade humana, meu receio mais nobre é a substituição de meu olhar poético pela escrita técnico-jurídica que as petições, os recursos, e os ofícios nos exigem. Em síntese, não temo que o “juridiquês” me alcance, mas sim que ele derrua a minha capacidade de traduzir a vida em poesia.
Francamente, sempre fui exímia admiradora da norma, não unicamente dessas que nos enchem a cabeça nos cursos de Direito com memorizações que fogem de um verdadeiro raciocínio jurídico e somente servem para exercícios antiquados que de nada adiantarão com as novidades da lei a cada tropeço de ano. Aprecio, sobretudo, a norma culta da língua portuguesa, a escrita correta, a clareza textual, a objetividade da comunicação oral e escrita. Imagino que isso seja mais que observável por quem lê meus textos, mas não custa reiterar meu respeito pela minha língua materna, que me acolheu em pensamento e em voz. Aliás, eu se fosse a língua portuguesa estaria precisando de maiores demonstrações de amor, diante dessas tendências passageiras e modas duvidosas de quem não tem mais onde militar em prol da tão sonhada igualdade. Meus queridos, vos apoio no combate, mas não é na língua portuguesa que vocês farão revoluções balbuciantes contra o alicerce de Camões.
Retornando à minha aflição inicial, temo perder o tom da paixão, o sentimento embutido das frases, a melodia de uma poesia ardente. Para tanto, sei o remédio, que não é de natureza constitucional, mas que me constitui e do qual tenho ciência: retornar à pátria-mãe poesia sempre que possível, não deixá-la morrer na rotina conturbada de um outro estilo de escrita que também desafia o pensamento, apesar de ser muito mais adquirível por quem queira entender e usar. Coloco a linguagem artística das letras em um pedestal, mas retorno ao seu culto sempre que eu encontro inspirações sagradas que me põem na atividade mística de expressar o apocalipse da mente.
Não permitirei que a linguagem jurídica profane a fortaleza que a poesia construiu em mim e de mim faz parte, como tijolo e cimento em uma construção fortificada, em halo contra a internalização do pragmatismo exterior. Pelo contrário, manterei viva a chama poética de um dom em meu coração e nada será capaz de apagá-la, somente complementá-la para a diversificação da atenção dada em cada aspecto da vida, tal como Freud descreveu o Ego e o Id, tal como a astrologia vê o signo e o ascendente, tal como há um jardim interno a ser preservado e um restante de vida que nos é facultado espalhar aos quatro ventos.
É certo ao meu entendimento que os termos específicos da língua falada pelos advogados e magistrados me será mais útil em termos mercantis, mas jamais poderia preencher o vazio de meu ser sem a virtude poética. Sei que estou fadada a comunicar-me pela linguagem do direito, longe de ser um problema para mim, que não resisto à tentação das formalidades até nos ambientes mais descontraídos. Mas o que busco é aprender a velejar por vários estilos, manejando-os conforme minhas regularidades e arrebatações, porque equilíbrio é sinônimo de versatilidade e porque ligeiro é o labor, mas eterna é a poesia.
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