A ordem jurídica medieval se estabelece a partir da queda do Império Romano do ocidente em um contexto de fragilidade política que se insere no modelo feudal. A ideia de Ius enquanto instituição característica da antiguidade romana passa a se fragmentar em unidades autônomas de domínio. Em minha compreensão, a noção de indivíduo, rechaçada pela vida comunitária é uma lógica importante para se entender a aplicação do Directum na sociedade do medievo, considerada uma sociedade de sociedades, posto que as diversas classes que compõem a coletividade estavam muito bem definidas hierarquicamente.
Se verifica ainda, os vínculos humanos, como os laços de dependência entre suseranos e vassalos, por exemplo, que se configuravam definidores das relações jurídicas. Nessa conjuntura, imperava o direito canônico sob o arbítrio da Igreja Católica e uma prevalência factual dos costumes. É durante a baixa idade média que se observará uma retomada dos textos cristãos aliada ao entendimento de sua contribuição para o conhecimento da época, o que em minha perspectiva, representa os traços iniciais de uma recuperação cultural que culminará mais adiante no Renascimento.
Com o propósito de embasar o conhecimento do estudo do direito no período em questão, a leitura de “O direito entre poder e ordenamento”, de Paolo Grossi, foi bastante agregadora de conceitos que indicam a necessidade de situar o direito em uma dimensão civilizacional, o que reitera o papel do historiador. O autor também versa sobre a função desse estudioso da história no contexto do surgimento das universidades, em razão de fomentar o senso crítico sem o cometimento de anacronismos ou simplismos. Outra leitura, “O Direito comum”, de Paolo Capellini, evidencia o caráter íntegro do direito enquanto um sistema que possibilita o pluralismo, sendo definido como um sistema vivo. Todavia, o ponto central é a diferenciação entre o direito singular, de cunho particular, e o direito comum, que nas palavras do autor, diz respeito à soma de normas jurídicas que têm aplicabilidade para todos.
O Manual do Inquisidor, de Nicolau Eymerich, é uma fonte histórica que analisa os tipos de heresia e a respectiva classificação dos indivíduos subversivos, bem como indica como cada elemento do Tribunal do Santo Ofício deve proceder em uma condenação, além de detalhar as etapas do interrogatório e do julgamento, atentando-se para a abjuração, ou seja, a confissão, como um objetivo dos representantes da cristandade. Sob minha ótica, esse manual dialogou com o Tratado sobre o tirano, de Bártolo de Sassoferrato, que conta com uma escrita semelhante ao delinear o fenômeno da tirania, suas motivações e sua manifestação contrária ao bem comum nas instâncias de poder.
Adiante, foi estabelecida a diferenciação entre o direito divino, considerado superior ao definir os critérios para o direito dos homens, o direito natural, relacionado à consciência de justiça que incorporou os valores religiosos, e por fim, o direito humano, relacionado à instauração de normas civis. Outra distinção que se faz presente é entre o Ius commune, de aspecto geral e o Iura propria, admitido como o direito que vigora em um império específico.
O tema da caça às bruxas desperta muitas curiosidades, e para mim, é bastante instigante no sentido de conduzir à reflexão sobre o poder da Igreja ao instituir punições severas àqueles que contrariavam o sistema. Assim, pude retirar muitas considerações válidas sobre a justiça secular e a justiça inquisitorial no que diz respeito aos crimes de feitiçaria e as motivações do que seria configurado como heresia. É perceptível que a eficiência da secularidade no julgamento dos crimes aprimora-se com o passar do tempo, a partir das reformas pombalinas, o que garante à justiça inquisitorial o monopólio inicial do aparato jurídico. Diferentemente da igualdade que rege o direito atual, o estatuto social era decisivo na aplicação das penas, refletindo os rígidos estamentos e a parcialidade dos magistrados diante dos delitos.
Em suma, é alegável que o direito na Idade Média constitui uma complexa rede de relações, com a permanência de heranças da Antiguidade e com legados elaborados para a modernidade, cuja principal diferença é o surgimento do Estado. A compreensão do medievo possibilita desmistificar as ideias de que o período se resume às obscuridades, e desconstruir estereótipos advindos de uma noção iluminista que rejeita os progressos do conhecimento elaborados na época medieval. São apropriados os questionamentos referentes ao período, porém o estudo da Idade Média ensina que para além dos preconceitos a ela pertinentes, é possível e necessário o seu estudo sólido, com o intuito de entender a tradição jurídica.
Disciplina: História do Direito
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