Há um momento sutil entre o adeus da tarde e o cair da noite, em que o tempo pára e tudo se torna estático, em uma estável flutuação de sons e cores. Os últimos raios de sol saúdam a lua, a musa das noites. É nesse instante de crepúsculo das melancolias, de nostalgias salgadas de um olhar que beija o mar enquanto os olhos vislumbram o antípoda da aurora em uma profusão sinestésica que aguça os sentidos na hora mais propícia. Tal hora que pouco se demora para os apaixonados, cujo ardor de amar se esvai e é logo substituído pela mansidão de um mundo às escuras. E que tanto se alonga para o poeta dos poentes, que eterniza o momento em seus versos. Sempre existiu uma curiosidade pela transição, entre a vida e a morte, entre o despertar e o sonho, entre o dia e a noite. Não sabemos coexistir com o indefinido, precisamos do espelho de certezas sólidas que nos inspirem o desfragmentar-se. A intensidade protagoniza o arrebol, o viver é maior, e o ciclo é nítido, como o orvalho cristalino que logo presenteará a sombra serena. Em outro recanto da Terra, simultaneamente o dia nasce enquanto as trevas se dissipam aos gorjeios das aves da manhã, que acordam o clarão, que alvorecem e entardecem a cada dia. Nesse instante, o tempo também se encarrega de parar. Mas é ao ocaso, quando o sol se põe, quando o mestre do céu descansa, que surge a excitação da saudade e o arroubo da lembrança. O findar da estação resplandecente avigora o que há de mais íntimo na essência dos seres, permitindo a manifestação do que não pode acontecer enquanto o sol testemunhar. Mas as noites que intrigam, são as mesmas que instigam a naturalidade do que é real e belo, as noites tudo podem, pois tudo se pode nelas. O mistério do anoitecer é o segredo intermitente da vida, o símbolo periódico de que a noite sempre virá para apagar as moléstias do dia, e o dia sempre renascerá para acender a chama da esperança após a lúgubre madrugada. Almas que tremem pelo pôr do sol, sinos que badalam ao fim do dia, eternidades que se cruzam no breve átimo da passagem, uma janela que se fecha, outras que se abrem para o véu escuro sem luar. Muitos sempres se imortalizam no teatro em que a noite avança e rouba a cena do rei flamejante solar. Um simples toque, o som das folhas, o vento que acorrenta um eco, o fim da lida, o lar, um suspiro de ternura em que os céus se aconchegam. Põe-se o sol, e nele, põe-se a faísca do sentimento.
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