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O acesso à universidade pública
Flora Fernweh

Quando se fala em ensino público superior no Brasil, a primeira imagem que costuma vir à mente remete a condições extremas. Se por um lado, o jovem branco conseguiu vencer a concorrência estudantil de vestibulandos e alunos de longo prazo, foi somente porque seus pais puderam pagar um bom colégio e um bom cursinho pré-vestibular. Mas será que é assim mesmo, por via de regra? Por outro lado, se o jovem negro da periferia conseguiu entrar de forma gratuita, foi porque o sistema de cotas raciais o beneficiou. Mas é sempre assim? Não, não é sempre assim, em nenhum dos dois casos citados. Não são apenas casos extremos que conseguem adentrar o antro acadêmico da faculdade pública. Ainda que as circunstâncias sejam importantes definidoras do percurso até a aprovação, o grande diferencial que ressoa para muito além da condição socioeconômica, é o esforço. De nada adianta dispor de todas as ferramentas necessárias e ter uma flexibilidade invejável de horários caso não exista a disciplina e a motivação diária de construir a aprovação, visto que a mesma não é obra do acaso nem da sorte, mas sim do empenho aliado ao planejamento. Conheço muitos estudantes que têm o privilégio de dedicar todas as horas de seu dia ao objetivo único de em algum momento, ter o prazer de conferir seu nome na lista de aprovados em uma universidade pública, gratuita e de qualidade superior a muitas outras universidades. Tal vitória é aparentemente inalcançável por parte dos considerados marginalizados socialmente, que em muitos casos, ao ter plena ciência de que o estudo é um meio seguro de modificar a longo prazo, sua realidade para melhor, apostam todas as suas fichas no esforço, ainda que se sinta constantemente derrotado antes mesmo de prestar a prova, pois compreende que não se pode comparar seu nível com o daqueles cuja preocupação única se restringe ao estudo.

É inadmissível que um candidato a estudante da universidade pública, pertencente à categoria geral, atribua sua desaprovação a um estudante cotista, seja por grupo étnico, racial ou condição financeira. O pensamento tão difundido entre muitos é o de que cotas são um privilégio, quando na verdade, tal modo de pensar denuncia um equívoco imensurável por parte de quem não compreende que os privilegiados na verdade são os brancos capazes de bancar seus estudos. Já está ultrapassado afirmar que negros, indígenas, deficientes e pessoas com baixa renda consolidam-se como minorias. Perto de todas as singularidades e desdobramentos do povo brasileiro, os brancos poderiam ser considerados os menos expressivos, em critério de quantidade e proporcionalidade distributiva. Nesse sentido, a concorrência entre os próprios candidatos que têm o direito de recorrer às cotas, torna-se no fim, muito mais difícil e acirrada. Sem contar com o fato de que para muitos, a faculdade pública é a única opção, pois nem nos seus melhores sonhos, poderia cogitar a possibilidade de pagar mensalidades absurdas em uma universidade particular. O sistema de cotas é uma medida contra as desigualdades que tanto assolam o Brasil, a tentativa de atenuar as disparidade em nível local, municipal, estadual e principalmente federal, visa não somente equiparar, mas também democratizar o ensino, que apesar de se apresentar como força motriz nacional e repleto de um potencial intelectual, infelizmente se configura como um setor pouco valorizado no país. A correção de distorções e especialmente sua característica de reparação histórica esclarecem muito acerca da compreensão coletiva de que já subjugamos povos cuja dívida a ser paga por um extermínio de mentalidade colonizadora jamais poderá ser quitada com a simples destinação de vagas àqueles que ainda hoje carregam consigo sua mágoa ancestral. Isso é só o mínimo a ser feito.

A faculdade pública tem um papel comunitário e uma voz social muito ativa, que tem o poder de ecoar desde as esferas mais superiores da organização nacional, buscando assegurar sua autonomia científica quanto instituição de ensino, pesquisa e de forte caráter cidadão, até as instâncias mais cotidianas e próximas do povo, atuando na tarefa de propor melhorias em seu meio ao traduzir o saber acadêmico em uma linguagem prática conforme as especificidades da população à qual intelectualmente e voluntariamente serve. Participar de uma universidade pública engloba um verdadeiro universo que não se limita a estar matriculado, assistir às aulas e estagiar. Fazer parte de uma universidade pública é assumir um nobre compromisso com o conhecimento, e utilizá-lo da maneira adequada, digladiando abertamente contra a tirania e contra o negacionismo. O caráter questionador da faculdade pública visa repensar o mundo e a sociedade no qual se insere, buscando abranger de forma interseccional e respeitando as diversidades em tom de incentivo. O orgulho de ser parte integrante da universidade pública corre para além de uma identificação ideológica com os ideais e interesses que norteiam a faculdade e são indissociáveis a ela. Cabe a todos que a constroem, representar o exemplo de país que tanto se sonha, em um ímpeto de esperança naquilo que ela é: um microcosmo da sociedade, que reflete seus anseios, seus desafios e suas lutas.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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