O inimigo do tempo não é a pressa. Não é contra o vazio que Chronos duela, mas sim contra Kairós, que se autointitula o aspecto qualitativo da noção de tempo, o vir a ser intransponível do momento proveitoso. Não pertence à natureza do passar das horas, a possibilidade de carregar o tempo em mãos e tal qual a areia fugidia entre os dedos, aprisioná-lo. Aliás, a relativização do tempo no sentido físico-poético da análise, pressupõe a existência de vários tempos em um só. O tempo que regula as atividades humanas, aquele ao qual nos submetemos dia após dia, contra o qual corremos diante de nossos compromissos, e que simultaneamente passa de modo cronológico, cirúrgico e retilíneo seria o macrotempo? O tempo principal no qual todos os fenômenos ocorrem, aquele que serve de parâmetro para tudo que é findo e infindo seria obediente à insistência em quantificar a tela em branco de duração contada que nos é presenteada? Eu tenho minhas dúvidas quanto a essa hipótese, visto que a validade do que passou e do que ainda virá é imensa para ser obra passível de imperfeições. A passagem mental do tempo, de forte arroubo psicológico, carga circular e alinhado ao tiquetaque da consciência de si e aos badalos roucos da introspecção atenta, parece-me um modo universal de se perceber o tempo. Tempo este que se confunde com as singularidades do ser, e assim, torna-se universal por compartilhar da mesma fonte de contagem: as emoções e estados de espírito. Se a tristeza e a melancolia destinam ao tempo o atributo de torturador, já a alegria e o entusiasmo definem o tempo como um amigo justo, o terreno de relativização do entendimento de tempo mostra-se de uma subjetividade inesgotável, capaz de ampliar a perspectiva de tempo para além da marcação de um relógio diáfano. A vultosa questão, é que o não aproveitamento do tempo, não é uma das peculiaridades sombrias do tempo das horas e minutos incessantes, tempo hábil de que dispomos, mas sim uma noção de outro tempo, de um tempo diferente, criado a partir de outro tipo de matéria abstrata. Tal prerrogativa interroga fortemente o ideal de passagem de tempo ao qual somos acostumados a pensar. Disso, decorre Kairós, que ousa instituir uma perspectiva outra de tempo, um tempo sustentado pela sabedoria do bom proveito e pela possibilidade de transcendência que o tempo evoca, no terreno sagrado que o alto valor do momento presente proporciona. Há uma relação de oposição entre Chronos e Kairós. Enquanto o primeiro avança em solidez de precisão, o segundo manifesta-se no terreno humano de reconciliação com o tempo que fatalmente passará. Mas a reconciliação entre Kairós e Chronos é possível na medida em que Ser humano e Tempo também passarem por semelhante desafio de anulação das grandes contradições essenciais.E quanto a isso, também tenho minhas dúvidas.
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Biografia: Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. |