FOME ZERO DE SABER
- do refeitório à sala de aula -
Hilma Ranauro
A escola passou a preocupar-se (e tem mais é que se preocupar) com a fome de comida, mas vem sendo muitas vezes desviada da sua responsabilidade com a fome de saber, como se cuidar de uma implicasse deixar de cuidar da outra. Sob a desculpa de que as crianças são carentes e não têm condições de aprender, por vezes se deixa de oferecer-lhes adequadamente o prato do saber
Desde quando ser desvalido social e financeiramente implica obrigatoriamente sê-lo mental e intelectualmente? Os carentes são também querentes, inquieta e sofregamente, no mais das vezes. Uma vez alimentados, cabe trabalhar com eles, motivá-los, aguçar-lhes a mente, inquietá-los intelectualmente, como não? Não há tempo a perder e sim, muito a recuperar, do refeitório à sala de aula.
Para isso, é verdade, há de haver o prédio escolar, e este está caindo aos pedaços muitas vezes. Mas há os que não estão, ou que estão de pé, apesar de tudo. Há muita coisa boa sendo feita, há muita gente série trabalhando, há professores se esforçando para que seu aluno aprenda. Há crianças de todos os níveis e condições sociais sendo alfabetizadas, num trabalho solitário e pouco valorizado de excelentes e abnegados professores (professoras, no mais das vezes). Muitos, porém, vêm a se afastar do Magistério para buscar “coisa melhor” apesar de saberem que aquele é o trabalho para o qual se sentem motivados e preparados. E a escola acaba por perdê-los.
Verificou-se no Magistério, de uns tempos para cá, o desespero dos mais inquietos e conscientes, o afastamento de muita gente capaz, a invasão de muitos que nada têm a ver com o ensino, a revolta de outros, a alienação de muitos, o pouco caso de um bom número.
Há professores do lado dos que passam fome, é bom frisar. Sua desnutrição se processa na fome de alimentos e na fome de saber, posto que, se há falta recursos para as necessidades básicas, que dizer das necessidades de aperfeiçoamento e atualização.
Esqueceu-se – ou se fez esquecer – que de nada adiantam teorias sendo implantadas, ou impostas, sem que a peça-chave do processo, o professor, esteja bem. Ele só estará bem se a escola como um todo mudar, se o investimento em educação sair do discurso de campanha eleitoral para a prática, e se o professor, em lugar de gorjetas, receber um salário digno de sua missão de formar e informar.
A luta pela escola passa obrigatoriamente pelo professor, mas tem de ser deflagrada e sustentada por toda a sociedade. E ela está, a nosso juízo, diretamente ligada à luta contra a fome, e vice-versa. Não há como desvincular a erradicação do analfabetismo da erradicação da fome. São faces da mesma moeda sem lastro desse país que cabe tornar País.
E que se lembre que ambas as fomes não cessam de existir. Ficam mais seletivas e exigentes no paladar quando experimentam os vários pratos. Por isso assustam aqueles a quem interessa mantê-las, na ausência da alimentação mínima necessária à vida com qualidade, na inanição, que leva à morte, física e mental. Uma vez satisfeita uma delas, a luta pela satisfação da outra é incontrolável, no tão propalado, e nem sempre bem compreendido, exercício da cidadania.
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