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QUARENTENA
Flora Fernweh

Quem ousaria me despir do direito de ser livre? É a primeira vez que sinto minhas asas doerem por terem desaprendido a voar. Posso estar em um mesmo lugar a todo instante, mas meu coração não se contenta com uma paisagem apenas. Sinto crescer em mim a ânsia de querer ser neste momento aquela que sempre deixei para depois. Estou debaixo de um teto, entre paredes, observando os detalhes que antes me eram despercebidos, cansei-me da monotonia certa de tudo aqui dentro, estamos em meio a um caos, lá fora se instalou o perigo, o mundo revirou-se em um intervalo entre duas tosses secas. Sou um pássaro de alma aprisionada mas que cresceu livre, hoje encerro-me aqui, em um ninho que me refugia e isola da revoada, ouço os gorjeios sinceros de ajuda e esperança ou então os imagino, todas as vezes em que miro uma janela aberta e iluminada de um ninho. Vejo escolas e escritórios fragmentados, remotamente tristes pela ausência, comodamente satisfeitos pelo conforto que o lar proporciona. O que é o lar senão um igual refúgio, um abraço certeiro ao final de um dia escuro? Ninguém ousa pisar lá fora ou deixar um rastro de penas, o mal que vaga por aí tomou conta da vila, da aldeia e do mundo. Se me distancio de outras aves vívidas ou daquelas que há muito não voam, perco-me de um eu que as encara como semelhantes, mas encontro nas adversidades que se pintam, um outro eu, que sempre se curva em direção à essência mais íntima que preenche meu fundo oco. O sol ainda brilha lá fora, os dias vêm e são livres para alçar vôo, as noites logo anunciam mais um dia cárcere, as flores desabrocham e o tempo passa, tudo segue a ordem e a harmonia da vida. É tempo de relacionar-se consigo mesmo e de aprender a lidar com os medos, angústias e paixões que nos parasitam. As ventanias sempre anunciaram tudo isso, mas talvez, nunca havíamos percebido antes, nem nos dado conta de quão valiosos eram esses ares.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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