Trás de Casa Passa Um Rio
Trás de casa passa um rio, da parede vem tão junto
que se encrassa um bafio, fartum rançoso e defunto.
Trás de casa passa um rio, nunca fica, só se vai
é um rio um tanto esguio, qual um bravo samurai.
Até lhe quis um desvio, antes dele desviar-me o pai
num triste e chuvoso março, arrastou-o em suas gorduras
sem dele deixar nenhum traço, apenas suas águas escuras.
Trás de casa passa um rio...
Trás de casa passa um rio, escuro, torto e fedorento
e no passar de suas águas, as mágoas, dores e a fez
eu percebo o desafio, em seu troar lento e frio:
"Não me sejas fugidio, um dia, um dia será tua vez."
E transpiro, e choro e lamurio, mas é a vida esse rio
com águas revoltosas tais, amáveis e inexoráveis, tornam jamais.
Trás de casa passa um rio...
E nesse passar doloroso e lento, de águas, meses e ais
vejo o rio sonolento, serpeando seus cais, barrancos, quintais
arrastando toda a gente vivente, samurai, filho, mãe e pai
e compreendo finalmente: não é o rio que passa, sou eu quem se vai.
Trás de casa fica o rio e sou eu quem se vai.
J. Miguel 03mar08.
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