Comecei a ler com mais frequência sobre a história da arte e seus grandes expoentes de uns dois anos para cá muito motivado pela anarquia e a loucura presente no tema. Não, é isso mesmo que você leu! A história da arte me fascina pelo que ela tem de louco, de visionário, de anárquico, principalmente no desejo de certos artistas de romperem barreiras. A cada nova informação que consigo a respeito de Goya, Picasso, Miró, Salvador Dalí, Monet, Toulouse Lautrec e tantos outros, me dou conta de que a loucura e o inconformismo regem a arte com unhas e dentes (e isso não é um aspecto negativo nessa discussão, pelo contrário...). O mundo certamente seria bem pior não fosse a intolerância e o desespero desses mestres.
Dentre os que mais chamaram a minha atenção até hoje há um capítulo especial todo dedicado a Vincent Van Gogh. Seja pela traumática história pessoal ou pela trajetória subversiva com que conduziu sua obra, ele sempre foi um homem à frente do seu tempo. Homem? Que bom seria se fosse fácil assim traduzir o pintor. Van Gogh foi um sobrevivente de uma época turbulenta, mas ao mesmo tempo febril em termos de nuances e debates políticos. E quando assisti ao filme Sonhos, do diretor Akira Kurosawa, que possui um módulo todo dedicado ao pintor (interpretado no longa pelo cineasta Martin Scorsese), fiquei com um sentimento preso na garganta de que sua história ainda seria contada com todo o garbo que merecia.
Pois bem: esse filme é No portal da eternidade, do diretor Julian Schnabel (que é mestre em retratar figuras polêmicas do mundo artístico; são dele os longametragens Basquiat - traços de uma vida, Antes do anoitecer - cinebiografia sobre o escritor Reinaldo Arenas - e O escafandro e a borboleta).
No portal da eternidade não é uma cinebiografia no sentido clássico do gênero. Ela pega, na verdade, um fragmento da vida deste magnífico artista e se debruça sobre ele, para fazer com que nós, espectadores, entendamos o que se passava em sua cabeça e como construía seu processo criativo.
Van Gogh é vivido aqui nesta versão pelo ator Willem Dafoe (de quem sou fã desde os tempos de Mississippi em chamas), que mostra um domínio total de seu personagem, conseguindo fazer o o público entender de forma simples e direta os conflitos internos que assombravam esse artista fabuloso. À parte as telas que o consagraram mundo afora e a relação tumultuada com o irmão Theo (que o bancou durante muitos anos), o que está em jogo realmente aqui é a mentalidade tempestuosa de Van Gogh. O pintor não era um homem de gênio fácil. Pelo contrário... Era capaz de perder a paciência com a maior facilidade e não gostava de ser minimamente interrompido, sob pena de agredir àqueles que destruíram sua concentração. Foi malvisto por muitos políticos e habitantes de cidades por onde passou à procura de ideias para suas telas mais memoráveis.
Entretanto, quando paro para analisar sua gênese com mais calma, acredito que isto também faça parte de seu legado artístico. Homens de moral simples e pacata não criam, sob hipótese alguma, uma obra tão vasta e apta a tantos debates. Se existe uma coisa que eu aprendi lendo sobre arte e entretenimento nesses anos todos, é que o criador de fato - seja musical, cinematográfico, literário, etc - nunca será um ser ordinário, desses que você encontra passeando pelas ruas a todo instante. Faz parte da alma artística um pouco de incredulidade e, porque não dizer, irracionalidade perante o mundo (principalmente esse mundo louco em que vivemos atualmente).
E Van Gogh tinha isso, essa insatisfação plena, transpirando pelos poros.
Willem Dafoe certamente merecia o Oscar de melhor ator deste ano bem mais do que Rami Malek interpretando o astro do rock Freddie Mercury. Que me perdoem os fãs do Queen e das cinebiografias musicais - que andam em voga atualmente em hollywood -, mas isso é um fato facilmente identificável. Infelizmente a academia parou de reconhecer grandes nomes da história há alguns anos e preferiu cometer mais essa bola fora.
Contudo, se por um lado não há mais tanto espaço para artes visuais do passado e grandes nomes da pintura clássica, por outro é ótimo poder assistir um filme sobre Van Gogh com o nível de tecnologia proposto pela sétima arte de hoje. Se eu já era curioso acerca da vida desse gênio, agora vou sair correndo pelos sebos e livrarias atrás de mais informações sobre sua vida e intelecto. "O cara era foda. Ponto", foi a primeira frase que veio à minha mente ao sair do cinema ao final da sessão.
E quem perdeu com isso? Os nerds e alienados da contemporaneidade. De novo. Mas isso, vocês que acompanham meus textos há tempos, já sabem de cor e salteado.
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