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O fim da literatura?
(não podemos nos tornar reféns de livros fake)
Roberto Queiroz

Não é de hoje que presto atenção nas prateleiras de lançamentos das grandes livrarias e vejo produtos de baixo calão, de quinta categoria, que não merecem sequer receber a alcunha de livro. E digo mais: a situação piorou - e muito! - depois da ascensão da chamada literatura de auto-ajuda. Livros fofinhos, extremamente chapa brancas, com dizeres positivos em excesso, regras para seguirmos nossas vidas da maneira mais aprazível (e hipócrita) possível. Isso quando não têm capas emborrachadas e mais ilustrações do que texto. Enfim, dirão alguns, a nova "literatura".

Essa semana me deparei com um desses "livros", que me fez pensar no futuro do mercado editorial e também na possibilidade da literatura de fato estar distinta.

Eu sei, eu sei... Alguns dirão: "você está exagerando!". Mas algo dentro de mim me faz pensar que grandes nomes da nobre arte literária (entre os meus favoritos: Umberto Eco, Dostoiévski, Nelson Rodrigues, Charles Baudelaire, Jack Kerouac, etc) retorceriam na cova caso de deparassem com um exemplar de Múltipla escolha, de Alejandro Zambra. Há muito tempo uma obra "literária" não me incomodava tanto quanto esta aqui.

Múltipla escolha é inspirado - segundo palavras do próprio autor - numa prova de aptidão acadêmica (algo correspondente ao nosso vestibular) usada no Chile durante os anos de 1966 e 2002. E o resultado prático dessa "inspiração" é um livro que mais parece um questionário do que qualquer outra coisa.

Quando moleque e estudante deficitário de matemática (que sempre fui) havia um livro que elegi como meu pai dos burros na matéria. Ele se chamava Questões de matemática. Importante que se diga: ele me salvou da reprovação na disciplina algumas vezes. Pois bem... Durante toda a leitura de Múltipla escolha me peguei pensando naquele velho pai do burros, tamanho o didatismo de sua narrativa. Isso deveria ser um bom sinal, não é mesmo? Infelizmente, para os amantes da boa literatura nacional ou estrangeira, não é.

O livro de Alejandro Zambra (não consigo classificá-lo em nenhuma categoria: conto, romance, crônica, nada) é uma sucessão de questões sobre gramática, chegando a se confundir com aquelas apostilas que os estudantes de concursos volta e meia encontram nas bancas de jornal. Desde plano de redação até compreensão de texto, passando pelo uso de conjunções, há perguntas para todos os gostos. Me senti, de verdade, fazendo uma prova do ENEM aos quarenta e tantos anos.

O problema: o que faz um livro desses em meio a grandes autores como João Gilbert Noll, o falecido Amos Oz, Tom Wolfe, Férrez e outros nomes de peso, enfurnado numa prateleira de lançamentos, com direito a destaque no PDV?

O primeiro pensamento a vir à minha cabeça foi: é o fim da literatura como nós a conhecemos. E ficou fácil para mim naquele momento entender a crise pela qual passam as livrarias, com vendas baixíssimas e fechamento de lojas.

O mercado editorial rendeu-se de vez à mediocridades, excentricidades em fim, autores sem noção e narrativas que parecem tudo, menos ficção. Difícil saber o que sobrará para nós, leitores de fato e não unica e exclusivamente de blockbusters de temporada, livros de colorir e exemplares escritos por "autores" que não possuem sequer experiência de vida, que dirá boas ideias. Meus amigos leitores que leem meus artigos e desabafos aqui neste canal, estamos fodidos e realmente mal pagos!

Talvez tenha chegado àquele momento da minha vida em que reler os clássicos tornou-se a única opção viável. Ou talvez (e talvez é algo que não falta no discurso da atual sociedade em que vivemos) seja melhor procurar outras opções não-literárias. Caso a segunda opção seja mais interessante, resta saber também onde encontrá-las, tendo em vista que o atual cenário cultural anda também um tanto confuso e perdido.

Chego ao fim deste (o quê? Artigo? Resenha? Desabafo? Estou tão perdido quanto o livro Múltipla escolha) pensando no que a sociedade se tornou como um todo e o que chamamos de relevante atualmente. Certamente não o livro de Alejandro Zambra. E muito menos o que vem sendo classificado como literatura nos últimos anos.

Então, qual o próximo passo? Haverá um próximo passo? Aceito respostas sinceras e soluções possíveis na caixa de comentários...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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