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Os donos do hit parade
(A música sertaneja dita as regras do mercado)
Roberto Queiroz

Eu lembro do programa do Bolinha na rede Bandeirantes trazendo Sérgio Reis (cantando "pinga ni mim" e "panela velha é que faz comida boa!"), Tonico e Tinoco, as irmãs Galvão. Lembro de Rolando Boldrim no hoje cult Som Brasil, mostrando o melhor da música caipira (aliás, foi no programa dele que fiquei sabendo quem era Inezita Barroso). Do meu primo - eu era moleque nessa época - comprando no Carrefour o primeiro álbum do Leandro e Leonardo. E ainda tinha Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano, Milionário e José Rico, João Paulo e Daniel, Rick e Renner, Chrystian e Ralf.... Pois é: a lista era imensa. Já naquela época (falo do início dos anos 90).

E não é que cresceu ainda mais a hoje toda poderosa música sertaneja? E ainda ganhou um subgênero para chamar de seu: o sertanejo universitário (confesso: essa expressão até hoje me deixa confuso; ainda não consigo dissociar o rock da cabeça dos universitários, por considerar essa época um tempo de rebeldia, talvez o último antes de encarar a vida dura, o mercado de trabalho, a paternidade/maternidade, etc etc etc). Cresceu tanto que se eu tivesse que colocar todos os expoentes dessa nova geração que tomou as rádios e os programas de auditório de assalto, não deixando espaço para praticamente mais ninguém, eu ficaria aqui o resto da semana, do mês, do ano...

Enfim: o que interessa mesmo é saber qual o segredo desses moços e moças que traduzem a vertente "sertaneja" do país (digo assim, entre aspas, porque tem muita música pop sendo chamado irrefletida e apressadamente de sertaneja, caipira. É preciso separar o joio do trigo!). O que faz de nomes como Luan Santana, Naiara Azevedo, César Menotti & Fabiano, Simone e Simaria, Marília Mendonça, Gusttavo Lima, Paula Fernandes, Victor & Leo, Maiara e Maraisa, Marcos & Belutti e companhia limitada os donos da parada?

Simples: eles cantam o momento do país, o que o povo quer ouvir, o que deseja de mais íntimo. Mesmo que, à primeira vista, parece tudo um tanto artificial, vulgar, excessivo (querem saber mais? Vá ao site vagalume, procure pelas letras destes artistas e corrija-me se eu estiver enganado). Sim, meus caros leitores! Esta geração que aí se apresenta não prima pela mesma qualidade artística no quesito boas letras de outras vertentes da MPB do passado. Difícil colocar qualquer dupla ou cantor/cantora desses no mesmo patamar de um Caetano Veloso, Milton Nascimento, Chico Buarque, Renato Russo, Gonzaguinha, só para ficar nos panteões.

Não, não e não. O que a música sertaneja deseja traduzir é o dia-a-dia, por vezes pobre, da atual população brasileira. Outro dia desses vi um apresentador de talk show - me foge à memória o nome dele especificamente - dizendo que "ninguém faz música sobre pegação e balada melhor do que os sertanejos universitários". E ele está coberto de razão.

Já foi tempo em que MPB era sinônimo de denúncias, protestos, lirismo, poesia. Esqueçam isso! São outros tempos e o Brasil, há anos, figura entre os povos mais desinteressados por aprender no mundo (quem é bom entendedor e não baseia suas opiniões apenas em relatórios deturpados do Ministério da Educação sabe do que eu estou falando!). Portanto, essa galera do sertanejo canta o que vê diante de seus olhos: as noitadas, azarações, o desejo de encontrar alguém para amar pelo tempo que durar, uma casa legal, um carrinho, uma viagem para algum lugar à beira-mar, uma realização pessoal. Nada muito grandioso. Apenas ser feliz (de preferência, com algum no bolso).

Eu nunca fui um grande fã do gênero, mas é fácil de compreender porque esses moços e moças lideram a hit parade das principais rádios do país e casas de show. Eles estão com a bola toda porque representam o espelho de uma sociedade que não consegue enxergar além do imediatismo urbano, cotidiano, ululante. Uma geração marcado pelo desejo de ser "classe média", mesmo que vivendo nas aparências, com dinheiro contado, fingindo-se de importantes. O Brasil é um país onde a expressão "tô quase chegando lá" virou modus operandi de um setor social que não consegue enxergar o próprio umbigo e por isso finge, senão por vergonha de admitir suas limitações, por vaidade, por querer jogar na cara dos demais ter algo que não tem.

E eis que o sertanejo universitário oferece todos os sonhos e desejos que essa mesma classe sempre quis embalados segundo os moldes de um McDonald's, de um Burger King, ou de qualquer outra megacorporação capaz de transformar tudo num enorme (e insignificante) fast food. Em outras palavras: eles entregam aquilo que prometem.

À quilômetros de distância de metáforas, ironias, melodias rebuscadas, letras melindrosas, frases de duplo sentido, os sertanejos são rasteiros, óbvios, querem comprar a sua devoção o mais rápido possível. E conseguem. E deixam fulos artistas de outros segmentos musicais, que reclamam por verem o mercado fonográfico voltado à apenas uma vertente da MPB. Sorry, my friends! Business is business! Houve o tempo em que o samba mandou, a bossa nova mandou, a jovem guarda mandou, o tropicalismo mandou, o rock mandou, o funk mandou. E agora, José? Agora: é a vez dos roçeiros, caipiras, capiaus (e, claro, dos que fingem ser isso).

Há muita jaqueta de couro, calça jeans, camisas e vestidos importados nesse universo. Há também muito sexismo travestido de empoderamento, muita coisa gratuita e excesso num gênero que - que eu saiba -, nos primórdios, passava uma ideia de brejeiro, de inocente, de ingênuo. Hoje não mais. Hoje é possível ver as mulheres do sertanejo em roupas para lá de sensuais com direito à corpetes e cinta-ligas. Como mudou o tal de sertanejo!!!

Críticas à parte (já imagino os apaixonados pelo gênero me ameaçando de morte nas redes sociais), pergunto-me o que esperar dessa galera - e da que ainda virá por aí, pois não conhecemos seus nomes, estão surgindo do nada, efeito viral de plataformas como facebook e you tube - nas próximas décadas. Será que virão fusões com o gospel, com o hip-hop, com o samba? Será que já estão acontecendo e eu estou é por fora, desatualizado? (Eu disse lá em cima que não sou fã ardoroso do gênero, portanto não o acompanho regularmente como outros segmentos da MPB). Resta-me, sem outro recurso, dizer: o tempo dirá.

Até lá, uma pergunta para os leitores deste artigo: quem serão os heróis que irão desbancar os donos do hit parade e propor uma nova estética musical? Sim, porque cá entre nós já está na hora de novas propostas, fórmulas, ideias, conceitos ou como você quiser chamar. Digo: pelo bem da tal diversidade cultural...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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