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VELHO! Velho é a mãe
José Pedreira da Cruz

Resumo:
“Uma singela homenagem aos queridos idosos”
               Do autor, aos 59 anos.
               São Paulo, junho/2007

Meus cabelos esbranquiçados me conduziram ao topo de uma situação dantes inimaginável. Inesperadamente passei a ser um velho, um velhote prematuro.
        Tinha saído de uma consulta cardiológica e acabado de ouvir garbosos elogios, tais como: você está em forma, rapaz! Seu coração é de criança, sua pressão arterial é invejável e... etc., etc., etc. Pra que melhor? – disse-me o doutor entregando um envelope, enquanto sorria sinceramente confiante.
Fiquei radiante. De alto astral e de moral elevada, e foi correndo ao ponto do ônibus abarrotado de felicidade, com um envelope não mãos. Entrei no primeiro que parou, e não tendo onde sentar fiquei de pé.
        – Senhor, por favor, sente-se aqui no meu lugar – disse um jovem abordando-me, enquanto, com certa dificuldade, tentava levantar-se de um banco onde um aviso explicitava:

                  “RESERVADO PARA IDOSOS, GESTANTES E DEFICIENTES”

        Espantado com aquele tipo de cordialidade, que pela primeira vez recebia, preferi agradecer, assim respondendo:
        – Muito obrigado meu jovem. Estou bem. Desço logo.
        O ônibus corria macio, e meus cabelos se alvoroçavam na brisa suave que adentrava pela janela e, assim como eu, todos a bordo miravam pela vidraça a cidade que parecia se deslocar frenética e enlouquecida.

        Cinco minutos depois.

        – Senhor – alguém me cutucou nas costas –, sente-se aqui.
        Virei a cabeça e me deparei com uma bela adolescente que, já comovida, levantava-se do banco na fileira do outro lado e lhe devolvi com a mesma cordialidade de antes:
        – Muito obrigado, querida. Já vou descer.
        Fiquei ranzinza, exclamando-me no consciente: caramba! Que está acontecendo comigo? Eu nem pulei a fronteira da segunda idade e já pensam que sou um octogenário. Ainda falta quase um ano para eu ser civilmente considerado velho e já me vêem como tal. Achei prematura a idéia de me olharem como se olhava a um vovozinho de outrora. Só me faltava ter uma careca, uma bengala, um gorro, um cachecol e as famosas meias grossas. Velho é a mãe – gritei pensativo –. Ou será que já pareço com um deles? – duvidei – Vou pintar esses benditos cabelos.
        Desci do ônibus e adentrei num vagão do metrô que de tão cheio quase não me coube. Fiquei ali espremido entre uma multidão silenciosa e cabisbaixa. Apenas o trem barulhava no túnel. Na minha frente duas crianças brincavam com um bicho de pelúcia enquanto devoravam balas e pipocas e, ao lado delas, sua mãe, cheia de sacolas, se espaçava folgadamente em dois assentos.
        – Fulano e beltrano, deixem esse senhor sentar ai. Não estão vendo que ele é mais velho e mais cansado que você dois juntos?
        Tais palavras me soaram como dinamites, mas, soletrando em pensamentos, devolvi furioso:
        – Ve-lho - é - a – puta – que - pariu.
        Fim de trajeto.
        Alívio total.
        Mas teria que embarcar em mais um ônibus, ou melhor, entrar num purgatório e pagar mais um pecado. Só não via, mesmo, era hora de chegar em casa e contar a grande novidade dita pelo doutor: que tudo estava bem: que clinicamente eu era um menino, etc. e tal. Nesse ínterim uma alegria desconhecida se apossava de mim, e meu sorriso radiava em direção ao nada, pois não tinha nem mesmo pra quem sorri: sorria para os estranhos como que sorrindo pra mim mesmo.

        Cheguei! - disse murmurante.

        – Meu bem, você nem sabe da maior!
        – O que é, Godofredo?
        – O doutor disse que cardiologicamente sou jovem. Que ainda sou praticamente um garoto. Que tenho muita lenha pra queimar. Mas, apesar de tudo isso, eu estou tinindo de raiva.
        – Por quê, Godofredo?
        – Porque na condução umas pessoas me taxaram de velho antes do tempo. Fiquei uma fera. Eu mato um. Tô puto da vida
        – E o que é que você é, Godofredo? Você é um velho! Veja seus cabelos! Olhe-se no espelho: um velho. Nada mais que um velho.
        Fiquei incrédulo com a revelação. Logo ela, dizer assim? Corri ao banheiro e, no espelho, pela primeira vez fui minucioso. Fiz uma retrospectiva de trinta, quarenta anos, tentando me ver sem as rugas. Corri as mãos ásperas pela face cabeluda, e monologuei em desabafos entre as quatro paredes:
        – Veeelho! Veeelho! Não! Posso ser tudo na vida: usado, temporão, remendado, desbotado, passado, etcétera, etcétera, mas... Velho? Velho não! Velho é a mãe.








Biografia:
Nasceu no dia 5 de janeiro de 1948 na cidade de Sátiro Dias-BA, onde estudou o curso primário. Prosseguir com os estudos em Alagoinhas-BA, onde foi comerciário e petroleiro. Depois migrou para Duque de Caxias -RJ e lá concluiu o Curso Técnico de Contabilidade no Colégio Técnico Comercial "Ana Maria Gomes". Em 1975, com esposa e filho, modou-se para São Paulo onde ingressou na indústria metalúrgica e nela adquiriu razoável conhecimento administrativo. Depois, concursado, empossou-se na Secretaria de Estado da Educação onde atua no serviço administrativo. Faz da boa música e da boa leitura o seu melhor passatempo e tem o hábito salutar de tocar violão, compor canções, ler e escrever Poesias, Contos e Crônicas. Possui dezenas de textos publicados em Jornais e revistas literárias (on-line)e tem participação especial no livro “Junco – crônica de sua existência” de Ronaldo Torres, além de inúmeras colaborações no jornal “Gazeta Voz Ativa” da cidade de Sátiro Dias-Ba. Vem neste espaço dedicar letra por letra de seus escritos a sua esposa Marly, a seus filhos e netos, amigos e admiradores.
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Publicações de número 1 até 6 de um total de 6.


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