“Era dobrar a esquina para desdobrar
o passado...”
(Carlos Pessoa Rosa)
Quando revejo a cidade da minha infância, a ternura me envolve e tenho a noção dos anos passados e dos encontros nas esquinas. É o passado que retorna em lembranças, como o livro, a cadeira, o poema não declamado, o quadro do pintor desconhecido, o disco de Chico Buarque e o vento que escancarava as portas.
Sinto que é importante valorizar a lembrança – a esquina – para cada vez mais entender que a vida é o recolher histórias e, por essa razão, sinto-me feliz. Segundo Álvaro de Souza Gomes Neto, “Em cada esquina desse Porto / As vezes triste e muitas vezes tão alegre / Descubro em passos um compasso de viver / Que sempre sonho que jamais vou esquecer / De procurar uma razão pro meu andar...”
Quando parti da pequena cidade, levei comigo a lembrança da esquina em que havia um jardim, que ladeava a casa onde floresciam jasmins perfumados, que tomavam conta de mim. Nas palavras de Cora Laus Simas, “E hoje, aqui, eu, só, gozando esta fragrância, / vi-me galgando, distante da infância, /os degraus da vida inteira”.
Na incerteza do que vivi postada à janela, tenho a consciência de existir. Com as lembranças caminho a passos lentos, enquanto há a possibilidade de retorno, das quais não tenho vontade de me afastar, porque as tenho como os bons tempos. Fui feliz, por isso não choro. Carmen Presotto revela, “...Até um dobrar de esquina / sentir um parar perdido e / esquecer o caminho...”
Nas lembranças da minha cidade, se destaca o combinar com a turma nos encontrarmos na esquina. E lá deixamos nossas marcas, sejam inspiradas nas posturas de liderança ou com as histórias contadas. De uma forma ou de outra, foi a prova inequívoca do poder transformador da juventude, com a garra de estabelecer conexões afetivas por nossas raízes. A satisfação se encontrava na raiz de qualquer mudança que almejávamos. E isso era a nossa verdade, porque as vantagens de nossas novas atitudes tiveram significado especial: emoções, pensamentos ou apenas as palavras soltas; razões e sentimentos que nos impulsionavam a praticar o velho hábito: encontrar-nos na esquina para conversar. Isto nos obrigava a ter atenção e reflexão para com os amigos, algo que não dependia da opinião alheia. Ou seja, seguíamos nossas intuições e comportamentos como se fosse a realização do novo. Nas palavras de João Carlos Meirelles Filho, “...Todo ruído desviava / meus olhos da angústia / procurando você nas esquinas...”
Retiro da realidade o tempo e contemplo naquela esquina nossas descobertas em inundadas sombras. Reconheço o barulho e as sombras; regresso aos dias para escutar a vida que repousa na memória, como em Pedro Du Bois, “Rarefeito em esperas / apresso o fato: pelas esquinas / ...avanço o instante / e me deparo em retorno”.
O tempo se encarrega de demonstrar os limites da flexibilização dos encontros nas esquinas, trocados pelos encontros em shoppings. Espanto-me, hoje, com as pessoas que falam mal e tem preconceito em relação as esquinas. As opiniões vão além do que sou capaz de imaginar; Carmen Presotto retrata essa realidade no poema Sombras da Esquina, “...Homem da esquina / Ligeira sombra / Sem tua presença / Dobrei meus sonhos / Assombro-me / E não lapido qualquer / falso cristal.”
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