(Obs.: a Carta na íntegra está disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000283.pdf)
FRAGMENTOS DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA A D. MANUEL I
Senhor,
[...] A partida de Belém foi, como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março.
[...] E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira
das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra.
[...] E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.
Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! a saber,
primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais
baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o
capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!
[...] E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo
disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
[...] Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam
arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel.
[...] O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma
alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço.
[...] E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de
falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e
começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como
se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de
prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá
também houvesse prata!
[...] E logo que a resolução foi tomada,
perguntou mais, se seria bem tomar aqui por força um par destes homens para os
mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar deles outros dois destes
degredados.
E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque
costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de
tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra
dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam
se os levassem por ser gente que ninguém entende. Nem eles cedo aprenderiam a
falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando
cá Vossa Alteza mandar.
E que portanto não cuidássemos de aqui por força tomar ninguém, nem fazer
escândalo; mas sim, para os de todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar
aqui os dois degredados quando daqui partíssemos.
E assim ficou determinado por parecer melhor a todos.
[...] Ninguém não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles querem — para os bem amansarmos!
[...] E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra
qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem
servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São
Tomé a Jorge de Osório, meu genro — o que d'ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
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