Todo mundo sonhou, um dia, em ter um grande amor e com ele envelhecer. Aí descobrimos que é preciso muito amor e com muitos tentáculos para dar conta de tudo: carinho, zelo, atenção, provisão.
Lembro-me da minha mãe sendo fiel ao meu pai até 20 anos depois de ele ter morrido. Após, com o devido respeito, ela pirou o cabeção e ficou doida pra casar-se novamente. Em algum momento ela decidiu que não mais ficaria sozinha. Nunca entendi isso, afinal, a experiência familiar não fora tão positiva assim. Enfim, ela queria e teve o nosso apoio.
Eu creio na instituição da família... não mais do mesmo modo, mas creio. O sonho dela, lembro-me bem, depois que eu fiz 15 anos e fui chantageada para ter uma festa, era o de me ver entrando na Igreja para casar. Não rolou essa última parte. E não falo com tristeza, afinal, eu sou o que escolhi ser.
Entretanto e apesar de meus acertos (ou desacertos) acho ótimo quem encontra alguém que tenha a empatia necessária para amar e viver a dois. Sejam felizes, é sempre o meu desejo.
Esse desejo de que as pessoas sejam felizes a dois é honesto. Afinal, não é por ser irritantemente seca (sem piadas sobre meu peso por favor!) e fria, que não torço pelo bem do amor. Tenho lá minha dose de pragmatismo. Mas também sou romântica, choro nos filmes, e leio poemas e poesias que falam de amor, de saudade, quadrinhas sentimentalóides. Sou intensa. Só tenho minhas formas de controle, o que prefiro manter, quase sempre, até que algo especial aconteça.
E como todo ser intenso precisa extravasar, uma das formas favoritas, para mim, é escrever. Na maioria impressões do que li, vi, ouvi, gostei, curti, amei, adorei, detestei.
Estou dizendo tudo isso porque nesta semana tive a grata satisfação de ler um poema maravilhoso de Adélia Prado. Já sabia que ela era incrível, mas não tinha lido algo tão intenso quanto o “Para o Zé” (sugiro ler o poema antes de prosseguir com este texto).
De uma ternura e amorosidade extraordinárias, ele discorre sobre a convivência a dois de modo simples e poeticamente belo. Quase consigo enxergá-los no dia a dia, sobreviventes da dispersão do tempo e da rotina.
Amor. Simples motivação para o bem querer a si e ao outro. Motivação maior para quem ousa não se sujeitar de modo subserviente, mas que traz em sua essência o prazer em servir e, de modo especial, a quem se ama, com e apesar das manias, e com um alento digno de seus amplos significados, a fim de inspirar, acalentar, animar, encorajar.
Amor. Que depois do abstrato, ainda tem tempo para o concreto. Depois de lavar, passar, cozinhar, arrumar a casa, tem o prazer em ouvir a matéria: o respirar, o coração, sendo consciente de que ela é perecível e que, amar, é deixar na memória tudo o que não o é... o vívido... o audível... o toque... os olores... os sabores...
Esse homem é o amor que instiga nela a beleza por dentro, por fora, e que se desdobra, cobrindo naturalmente o ambiente, fazendo dele algo aprazível.
Uma vida a dois. Nenhuma restrição. Um incircunstancial bem-viver, parece-me, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, tatuando na memória as peripécias, os prazeres e as angústias. Sim. Na angústia também se ama.
E o lava-pés... Que linda descrição. Alusão bíblica à lavagem dos pés dos discípulos ou dos pés de Jesus? Não importa. O que importa é a ação. O servir. O desejo de servir. O prazer em servir como mulher, esposa, mãe.
O homem: José de Freitas. A mulher: Adélia. Os sinais: os sentidos. O resultado: um grande amor.
O mais marcante para mim: "Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória, imperecível."
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