Finalmente, por onde anda esta maldita mulher que todos procuram alucinadamente desde que o mundo é mundo? Estará perdida? Terá simplesmente se escondido? O que faz da vida? É casada, tem filhos? É divorciada, apanhava do marido? É viúva, frustrada, melancólica? Será que existiu realmente esta mulher? Falam tanto dela que às vezes parece até uma ilusão de ótica. Mas meu vizinho do andar de cima jura de pé junto que ela anda por aí, sim, mas que está tão fora de moda que acaba não dando as caras. Pergunto-lhe se ela é morena, loira, ruiva, asiática, muçulmana, mas ele faz um gesto vago e depois me diz que ela é meio andrógina, sei lá... Acho que foi essa a palavra que usou: andrógina. Por que se esconde tanto, então? Será que já não é hora de ela dar as caras? Do que tem tanto medo? Meu pai me paga falando sozinho e diz que nesse mundo louco em que nós vivemos se ele estivesse no lugar dela também não daria as caras com tanta facilidade. "Tem muita gente ruim no mundo, meu filho!", ele completa e vai embora, para o trabalho. Será que um dia eu vou vê-la ou será que tudo não passa de um sonho e eu vou acordar a qualquer momento, num estalar de dedos, com minha mãe me gritando que eu já estou atrasado para ir à escola? Meu Deus! Que mulher é essa que tanto foge, que desapareceu e não deixou recado? E justo agora que o mundo precisa tanto dela. Nunca se falou tanto da falta dela no mundo e quanto mais tempo ela fica longe, mas minha mãe fica preocupada. Na semana passada, minha mãe me disse que se ela não aparecer logo o mundo vai acabar entrando em guerra de novo. A tal da terceira guerra mundial que eu comecei a ouvir na sala de casa quando minha avó nos visitava. Ela me disse que a segunda havia sido horrível, que teve gente sendo executada a sangue frio, gente morrendo nos chuveiros, gente que sumiu e nunca mais foi vista. "Um horror, meu filho! Um horror!". Eu perguntei se a mulher não apareceu um minuto sequer e ela disse que não. E disse que foram sete anos de inferno 24 horas por dias. Eu fiquei mais de duas semanas tendo pesadelos com a história que ela contou. Aliás, já faz mais de um mês que ela não vem aqui em casa, a minha avó. Será que aconteceu alguma coisa? O jornal volta e meia noticia a ausência da mulher. Diz que sua presença é imprescindível para esfriar os ânimos. E olha que a barra anda pesada nos últimos tempos: terrorismo, refugiados, o novo presidente ditador dos EUA, uma porrada nova todo dia. Meus pais andam preocupados. Dizem que do jeito que está e se ela não aparecer rápido, não sabem não. "Vai feder!", disse o meu professor de história. Eu acho que ele foi amante da tal mulher, porque vivia falando nela com tanto carinho que eu chego a desconfiar. "Mas ela volta, meu jovem! Pode acreditar. Uma hora ela volta e você vai ver só o que acontece com esses facínoras, esses fascistas de merda! Ela vai dar jeito nisso tudo aí de uma vez por todas". Ele esbraveja, sai de si, assusta os aluno, preocupa a diretora, que já anda pensando em contratar um professor substituto. Alguém menos "eufórico", diz ela. E a mulher que é bom, nada.
Volta, Ética!
Volta, pelo amor de Deus! Ninguém aguenta mais a sua ausência. Qualquer hora dessas o mundo explode. Não esquece da gente, não!
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