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Bourbon
Pedro Alexandre

Era só mais um dia qualquer em que acordei com duas ressacas, a primeira de Bourbon, a segunda moral.
Acendi um cigarro enquanto olhava para o ventilador de teto naquela manhã ensolarada de verão. Mas ainda era manhã? Mesmo com as cortinas fechadas, o quarto estava tão quente que tive a impressão de estar na praia. Realmente não era mais uma manhã, pois o relógio marcava mais de 2 horas da tarde.
O celular sem bateria no chão, ao lado das roupas amassadas e meias sujas, era só mais um sinal de que a noite tinha sido conturbada. A preguiça não era maior do que a dor de cabeça, mas ainda assim era grande o suficiente para me fazer querer ficar deitado aproveitando cada trago como se fosse o ultimo. O que deveria ser, pois havia prometido largar o cigarro. Grandes promessas que nunca se cumprem.
A garrafa de Jim Beam ainda estava sob o criado-mudo tão seca quanto o agreste. Essa era parte da primeira ressaca, porém era apenas a solução, ou o mais próximo possível disso, ou quem sabe isso era o que eu queria acreditar.
Uma ressaca de Bourbon só é problema quando acompanhada por uma ressaca moral, e essa sim tem o poder de deixar um homem acabado. A cada gole dado, tinha uma lembrança diferente, de dias diferentes, com amores diferentes, e principalmente com sonhos diferentes. A velha questão do tempo ainda consumia muito do meu velho Bourbon. Em meio as doses de cowboy e cigarros, ouvia um pouco de honky tonk e deixava que o relógio consumisse as horas pela frente.
O que faz um homem perder horas sentado numa poltrona desconfortável devido aos longos anos de uso, fumando filtro vermelho, apreciando um Bourbon e ouvindo uma trilha sonora de foras-da-lei? O amor.
Ah o amor. Amores de verão, de inverno, de uma noite, de adolescência, de trabalho, platônicos, problemáticos e os eternos. Cada qual com suas lembranças e suas essências, suas historias e suas feridas.
Era um momento perigoso, de guarda baixa, copo cheio e peito aberto. Havia tirado toda armadura sentimental que um dia construí para desfrutar de uma noite de autoflagelação, me sentia como um Opus Dei em suas obrigações.
Tinha certeza de que esse novo vendaval causaria problemas, não era só mais um amor de verão que terminaria no final da tarde com risadas em um luau. Dessa vez ele veio com tudo, perfurando a armadura, pronto pra me fazer repensar em todas aquelas verdades convictas que havia criado durante os anos de cafajestagem. Pois nada melhor do que um cafajeste para conhecer sobre o amor, esse que respira, vive, incita o tal do amor, mas que nunca toma dessa dose mortal. E naquela noite de lua minguante, de céu escuro e muito calor, meu Bourbon se misturava com esse novo amor.
Nem o som de banjos e gaitas acalmou esse pobre coração que escolhia arriscar ganhar novas cicatrizes. No fundo do copo ecoava aquele ditado de uma velha senhora que havia conhecido anos antes, que dizia “que as cicatrizes são medalhas da vida”.
Dessa vez não tinha nada para dar certo, com exceção a vontade de estar junto. Erámos dois contra o mundo. Erámos Bonnie e Clyde em nossas aventuras particulares, roubando mutuamente nossos corações e arriscando sair com mais feridas do que poderíamos imaginar.
A segunda parte da ressaca era essa, por que ainda não havia conhecido aquela mulher? No final do meu velho Bourbon encontrei a resposta, porque aquele era o momento certo de aproveitar essa oportunidade da vida de ser feliz.
Mas isso ficou para depois, pois ela, que havia dormido em meus braços, estava acordando e decidimos curtir um pouco aquelas ressacas juntos.

Pedro Alexandre


Biografia:
Só mais um cara qualquer que brinca de juntar palavras.
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