É uma noite particularmente melancólica. Tênues nuvens perambulavam o céu, enquanto vestiam, com ternura, nosso satélite natural. Uma tragada: a fumaça agora se junta às nuvens em uma valsa nupcial. Lembro da infância: época em que bruxas habitavam a lua e voavam por aí, pulando de cratera em cratera, em suas vassouras – isso foi antes de São Jorge e seu dragão chegarem por lá, é lógico.
A fina garoa agora vem e me beija, delicada. Penso que, em algum canto da cidade deve haver uma prostituta, um velho judeu, um adolescente drogado, um anão... todos eles beijados pela garoa.
Um senhor se aproxima. Ele tinha aparência de um mendigo, mas aspirava a sábio. Andava com o auxílio de duas muletas e, por baixo do óculos embaçado, ostentava um tapa olho. “Certamente, um sábio”, pensei.
“Tem fogo aí?”
Entreguei a caixa de fósforos. “Pode ficar”.
(Aqui vai um leve devaneio sobre caixas de fósforos: São melhores que os isqueiros: filme noir dos anos 40. Humphrey Bogart acende um cigarro. Ele usa um palito de fósforo, e não um isqueiro. Humphrei Bogart é agora o rei do mundo).
O senhor sorri banguela, fala um breve “deus te abençoe” seguido por um “até breve”.
Aproveito o resto da garoa. Há alguma prostituta por aí e ela, talvez, se sinta feliz.
Hoje as bruxas não habitam mais a lua. Agora é São Jorge que está lá, na eterna batalha contra seu dragão.
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