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OS CAATINGUEIRA
PEGADA DO
JOAO BOSCO DE SOUSA RODRIGUES

Resumo:
TEXTO DO LIVRO OS CAATINGUEIRA, QUE LOGO SERÁ PUBLICADO, MOSTRANDO COMO OS VAQUEIROS DO SERTÃO CORRIAM ATRÁS DO BOI PERDIDO PARA ENCARETÁ-LO.

E, por saber da notícia de que nenhum vaqueiro pegara o marruá, um dos filhos de João Caatingueira, o mais novo deles – Edílson Caatingueira –, também um excelente montador de cavalos, como são todos desta família, resolveu conferir. Sim, o bovino bravo, que corria as matas do sertão na frente do cavalo com o montador ainda continuava solto. E Edílson Caatingueira foi até Quixará a passeio, ou ver qual boi não lhe temesse. Pois, quando um boi das fazendas de João Caatingueira fugia, o cavalo Vinagre ia atrás sem demora. Mas, o que poderia ser daquele encontrável animal, um búfalo do sertão, de quem ninguém chegava tão perto. Nem mesmo vê-lo cara a cara. Apenas se ouvia a distância o mugido que ecoava esporadicamente nos cerrados, quando se sentia solitário o boi que ainda não fora visto por todos os vaqueiros que já foram à busca. Mas alguns deles já lhe deram carreira dentro da espessa manga, tanto que se ouvia o estalar do mato e a poeira cobrindo. Era o boi apartando o mato para correr longe do cavaleiro. Mas os dois: cavalo e vaqueiro fatigavam-se da perseguição ao touro indomável. Este, já quase selvagem, estrondava nas matas e pelas vazantes, e, de pouco em pouco, parava o quebrado do mato, e ficava entre as moitas, confundindo o vaqueiro que o seguia. É comum uma rês se entocar no toco de uma árvore sombria, que lhe sirva de esconderijo. Um animal, mesmo de chocalho, fica inerte, sem pingar o badalo; o vaqueiro, procurando-o passa bem próximo e não o vê. Assim, sem acompanhar as pegadas ou quando elas desencontram-se, torna-se difícil saber onde está o animal, que complementa a fazenda. Sem uma pequena manada, não existe vaqueiro nem patrão. O gado é, portanto, a vida da fazenda. O mugido do boi, o relinchar do cavalo e o aboiar do vaqueiro fazem do sertão a natureza viva, uma igualdade sublime que deixa, nos anos atuais, a lembrança inesquecível no homem civilizado que ali nascera. Onde o boiadeiro, de goela afinada, canta:
“Ôo... Gaada! Hê boi! Ôo gaada manso! Toca pra frente menino”.

E no sertão de Quixará faltava um boi. Há dias que o boi mais valente não tinha quem o pegasse. E o jovem Caatingueira, mesmo com a fadiga da viagem, não se descansava com seu cavalo. Ia de fazenda em fazenda saber notícias do touro desaparecido. Os vaqueiros comentavam que o boi era encantado. E, no outro dia, ao chegar de Santana do Cariri, ele e um vaqueiro amigo, que lhe acompanhou da viagem do Sítio Latão, e que andavam sempre juntos, entraram na manga onde provavelmente poderia estar o encantado. Andaram a cavalo pelas veredas; seguiram o rastro que diziam ser do touro. Com o tempo, depois de muito cavalgarem, bateram com o boi, que, de repente, saiu de arranco, desencantando-se de uma moita, e correu, correu... Desabando para o pico do cerrado. E os cavaleiros o acompanharam atrás, quebrando o mato, recebendo varadas nas costas e por todos os lados do corpo, que estrondavam a manga toda. Cavalo, vaqueiro e o boi abriam caminho de mata adentro... Horas e horas corriam sem se encostarem ao boi. Os cavalos fungavam; de suas narinas saíam espirros como águas fervendo. O boi e os cavalos fumigavam ferozes. O boi, porque sabia que os vaqueiros o pegavam. Os cavalos, porque se esticavam como cobras para que os montadores segurassem a cauda do bicho para a derrubada ou o “valeu boi”. Mas nada. A corrida entre as brenhas da serra continuava. E assim desapareciam cada vez mais na espessa manga esses monstruosos do sertão. Da casa grande da fazenda, os moradores escutavam o estampido e o aboiar dos vaqueiros, que rasgavam as goelas como latidos de cães à caça do veado, para que o boi se assustasse mais e corresse, e cansasse logo, e parasse. Mas nada. Cada vez mais o temível animal afastava-se dos vaqueiros, cada vez mais longe, para dentro da serra. No entanto, persistiam os cavaleiros e corriam com desespero. Esporeavam os cavalos, fazendo-os se esticarem cada vez mais. O cavalo Vinagre (montado pelo jovem Edilson Caatingueira, que o tomou emprestado a Antônio Caatingueira, seu irmão) compreendeu que essa corrida não era ao ar livre, como nos jóqueis. Ao contrário. Pois, era no pleno sertão da caatinga, dentro da manga desabitada, onde os galhos das árvores secas fechavam o caminho, e os cipós, que cortam como navalhas, arrastavam tudo que vinha pela frente, sem respeitar suas molduras. Mas Edílson Caatingueira era um dos experientes jovem vaqueiro, que corria nas serras de Santana do Cariri, no Logradouro, onde a manga constituía-se de cidreiras bravas, uma mata muito fechada, de veredas em caracóis, por onde não é qualquer vaqueiro que corre atrás de um animal, sem saber verdadeiramente como entrar e sair por aquelas estreitas veredas. Mas Edilson Caatingueira sabia disso. E para correr nos cerrados de Quixará, onde, nesse momento corria em busca do espantalho, era preciso travar uma batalha semelhante às das matas de Santana do Cariri, e era como ele vinha correndo. Vaqueiro e cavalo tornavam-se um só. Para se livrar das chibatadas dos cipós, Edílson Caatingueira baixava-se entre as ancas do Vinagre, e, quando não podia ficar deitado na sela, virava para direita ou para esquerda, conforme o caso. Assim, chegavam ao boi, já para pegar a cauda do bicho-foguete; os dois vaqueiros emendavam-se com o animal, e, ao aproximarem-se ainda mais, como uma bala de canhão... Corriam, corriam, corriam esticando-se com tenacidade... E já chegando à cauda do boi, os vaqueiros embrenhavam-se com coragem e desespero, com a imensa vontade de segurar o trovão pelo rabo e derrubá-lo de uma vez para encaretá-lo. Mas ainda continuavam correndo... O boi furioso não cansava nem queira se entregar. A mata era cada vez mais densa e fechada; no alto, escurecendo, e o boi sumindo com o sol no horizonte. Todavia, em poucos minutos, os cavaleiros se preparavam para o iminente bote final: a derrubada do boi. Vinagre encolheu-se todo num segundo e Edilson Caatingueira sentiu esse propósito e compreendeu o significado. Aí gritou com voz de estrondo que abalou toda a serra, para o seu companheiro, que também se desesperava com o touro, avisando o perigo que iam enfrentar entre a vida e a morte nesse instante. Então, ouviu-se um grande grito de alerta em frações de segundos:
– Buraaaco!
Aí, Edílson Caatingueira soltou as rédeas do seu animal, permitindo-o que voasse como uma águia até a outra extremidade do cerrado. E pulou um profundo abismo que havia no meio do mato. Mas, o seu companheiro não percebeu o perigo iminente e caiu dentro do abismo junto com o touro. Caíram embolando-se de escada abaixo com o cavalo e tudo. E morreram nesse buraco os três elementos que se constituem a forma mais elevada e sublime do sertão. Boi, cavalo e vaqueiro. Três seres vivos que a natureza permite viverem em conjunto, na harmonia e diferenças, onde o perigo está na coragem, no desafio do risco de vida. Como nesse momento, em que infelizmente morreram o boi, cavalo e o vaqueiro amigo de Edilson Caatingueira. Este sobreviveu com a esperteza do seu cavalo Vinagre. Foi triste o sumiço daqueles, quando chegavam em desespero a um buraco existente em cima da serra, que nem o boi conhecia. Ou se conhecia, por não querer se entregar aos vaqueiros; preferiu morrer como fazem as baleias para fugirem do seu maior predador no oceano (o homem): encalham-se nas praias. E lá, na serra, se foi boi, cavalo e vaqueiro caindo naquele grande buraco. Mas Edilson Caatingueira livrou-se do perigo, com o pulo olímpico do seu cavalo como se pulasse para chegar à reta final das corridas nos clubes hípicos. Tudo graças ao cavalo Vinagre.
Assim contaram aqueles vaqueiros que ainda estão vivos e outros que ouviram essa história. Assim escrevi para o leitor sentir-se como um bom vaqueiro. Se for do sertão ou tem origens. Para contentar-se com o que não vemos hoje. Se não moramos mais no vasto sertão, para presenciarmos uma corrida como esta. Pois, fatos assim contavam como verídicos, e ficaram na lembrança dos nossos avós. E os poetas do sertão escreveram e cantaram nas vaquejadas, nas festas do nosso Ceará. É, leitor, com certeza, uma história pela qual se deva dar crédito aos heróis sertanejos. Não é uma lenda ou um conto da Grécia. Mas uma história do sertão do Ceará, aonde os deuses de lá, vindo aqui não fazem milagres como os nossos vaqueiros. Por que não dizer que o vaqueiro é um deus do sertão? O domador do animal mais sagrado da terra, conhecedor das brenhas das campinas e dos cerrados, o homem que sabe compreender a natureza e viver no meio dela, mostrando-se pacífico, atento e defendendo-se ligeiro do perigo e vivendo na paz que reina no seu mundo.
Edilson Caatingueira viu o fim do seu companheiro, sumindo-se na grota. E por pouco não desceu também. Percebeu o perigo que se aproximava. E, após o longo salto do Vinagre ao passar pelo abismo, segurou as rédeas, brecou o corcel e, desmontou-se logo para ver de perto onde havia caído o vaqueiro amigo. Mas era no entardecer. O Sol de igual morria no horizonte. E já começava a aparecer as primeiras estrelas da noite. Olhou para os céus depois de um bom tempo, lamentando-se do falecimento dos três, e lá em cima viu o Cruzeiro do Sul ao lado da grota, que representou o sinal de enterro do amigo, de um vaqueiro do sertão. Mais um desaparecido das fazendas dos sertões do Ceará. Porém outros continuam em busca do boi que some nas mangas das fazendas. E depois outros surgirão, os meninos que nascem, e logo andam de cavalos-de-pau no terreiro de suas casas e vão depois montar nos jumentos, muares e no cavalo. Já adultos, começam a campear com os vaqueiros mais velhos. Então, tornam-se vaqueiros, que não é uma profissão, mas um ser filho da natureza, que vive contíguo a ela e sabe tirar dela lições que nos ensinam a respeitar o Criador, que é o Proprietário da maior fazenda de todas elas, a Terra.
Assim, vaqueiro amigo, continue na leitura, como se montasse num cavalo alazão e galopasse com o gosto de conquistar o universo do homem do campo, que como sertanejo, é também vaqueiro. Como faziam os Caatingueira que nasceram aqui e viveram aprendendo nos cerrados as convivências com as caatingas do sertão. Assim são eles chamados. Por viverem tão dignamente com a natureza e saberem colher bons frutos dela.
Correspondência:
joaoboscaa@bol.com.br/joao-bosco.rodrigues@receita.fazenda.gov.br


Biografia:
João Bosco de S. Rodrigues, nasceu na cidade do Crato/CE. Servidor Público Federal, autor de três livros publicados. Formado em Biologia. Já tem três livros para publicação, O AMOR INOCENTE, OS CAATINGUEIRA e V.II,III,IV e V do DIÁRIO DE UM SERVIDOR PÚBLICO.
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