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Carta ao poeta do rock
(Ou: Renato Russo estará sempre vivo)
Roberto Queiroz

Renato,


Cazuza disse em um de seus maiores sucessos que seus heróis morreram de overdose. O meu morreu de AIDS e você não faz ideia do quanto dói! Quase 20 anos, meu camarada. 20 ANOS!!! Como o tempo voa. E pensar que eu te ouvi a primeira vez de forma displicente. Era o álbum Dois e eu gostei logo de cara (mas o meu preferido ainda é o As Quatro Estações, tá!). Eu tenho no peito uma coisa, sei lá, parece delirium tremens. "É a dor da solidão, ou da melancolia", diria minha mãe se estivesse aqui agora. Mas ela também não está. Quem sabe você a encontre aí em cima. Ela também era sua fã, poeta! Te chamam hoje, as novas gerações (ou seja: quem não te conhece, quem não te ouve) de poeta atormentado e eu brigo por ti, brigo mesmo, de sair na porrada, de descer o pau, não quero nem saber. Não sou gay e não faria a menor diferença se fosse. Não é disso que se trata quando o assunto é a tua poesia, as tuas músicas. Sou fã 24 horas por dia de uma banda que, fisicamente, já acabou. Teve um show aí, o Wagner Moura cantou no teu lugar, casa cheia, gente gritando, os maiores sucessos, eu fui, mas não foi a mesma coisa. O poeta está morto e não há nada que nós possamos fazer para mudar essa situação. Agora eu preciso lidar com a minha rebeldia que na verdade é a sua rebeldia retrabalhada dentro de mim. Eu lembro que na época que você nos deixou rolou um papo de que você tinha medo que houvesse um suicídio coletivo de fãs por sua causa. Eu não sei se chegaria a tal extremo, mas conheço muita gente que se combinasse entre si, topava na hora. Muito louco isso, Renato! Esse mundo de hoje, contemporâneo, que não é o mundo que você pregou. De jeito nenhum. Você pregou o amor. "É só o amor, é só o amor, que conhece o que é verdade". Foi você que disse. "Monte castelo". Eu toco ela praticamente de três em três dias no meu cd player. Aliás, eu procuro tudo sobre você na internet. Tem muita coisa falaciosa, muita invenção, mas também tem muita gente bacana, fã pacas da tua pessoa, que te admira como eu, que veste a camisa, que guarda os volantes dos ingressos dos shows, que te imita, que tem banda cover do legião e até do Aborto Elétrico. Conheço gente que fez curtametragem de "Pais e filhos", transformou em contos muitas canções tuas (teve uma que eu li de "Teatro dos vmpiros", de um cara de Curitiba, que eu achei foda demais!), teve filme do Faroeste Caboclo, que eu não gostei da dupla de atores que fez o João do Santo Cristo e a Maria Lúcia, teve até história em quadrinhos tipo mangá de "Eduardo e Mônica" feita por um colega meu da faculdade de economia. Acho que você foi o artista da MPB mais homenageado que eu vi até hoje. Sério, cara! Não tô querendo te fazer de Jesus Cristo, não. É a mais pura verdade. Acredito que as pessoas, mesmo passadas quase duas décadas, ainda não conseguiram imaginar a dimensão do que foi a tua música, o teu legado. Mas deixa estar... Ainda tá em tempo. Eu sei, dentro de mim eu sei, que a sua história ainda pode ir mais longe. Pode confiar. É questão de tempo. Até lá, guardo com todo o carinho a minha coleção de vinis e posteres e registros (o último item da coleção foi o teu livro, esse que o teu livro liberou para a editora com outros trabalhos teus que ainda serão editados) da sua passagem pela terra. Tem gente que acha a minha devoção à você um tanto messiânica, me chamam até de bobo da corte, mas não tô nem aí... Eu curto e pronto! Eles falam isso porque não têm ninguém para idolatrar hoje em dia. Só essa baboseira de funk, axé e o tal de sertanejo universitário. E pensar que na nossa época universitário ouvia Rádio Fluminense e curtia Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Titãs, Plebe Rude, Engenheiros do Havaí, Capital Inicial... E Legião, é claro! Coitada dessa gente enganada que não faz esforço pra não ser ninguém...

Do cara que vai morrer teu fã, não importa quantas décadas passem (e eu espero viver bastante ainda),


Amaral
(12-setembro-2015)


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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