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A Sereia de Meaípe. Onde nascem as lendas!
Capítulo II
Vincent Ronan

Resumo:
Olá meus queridos amigos, um novo capítulo fresquinho.
Espero que gostem, foi feito com muito carinho.
Boa leitura!

ALGUMAS PESSOAS SÃO CONSTANTEMENTE PUNIDAS POR serem diferentes. Se você tem a pele um pouco mais escura ou branca, se é baixo ou alto, se fala diferente ou tem outras crenças, não importa qual motivo seja, será alvo das outras pessoas que na maioria são demasiadamente iguais. O diferente sempre foi considerado uma coisa ruim por significar que quanto mais seja bizarra sua aparência, ou lunáticos seus pensamentos, seguirá sempre seus ideais. Mas em nenhum lugar está escrito que perseverar seus desejos ou ambições é errado, pelo contrário, conseguir manter-se firme por um sonho, quer dizer que se destaca das outras pessoas, que pode até levar a uma aventura incrível.

Meu nome é Atlas. Quando tinha dez anos minha vida era assombrada por fantasmas que não compreendia, cercada por boatos maldosos e sempre apontado pelos dedos das outras pessoas. Na mente das crianças o que dizem sobre elas ou suas famílias pode causar um efeito destrutivo na forma que iram encarar a vida. Ainda mais quando essas pessoas latem como cães que sua bisavó era uma feiticeira índia que devorava crianças; o seu avô matou a esposa e jogou o corpo para os tubarões; que seu pai guarda segredos macabros, que vendeu a alma para o diabo para conseguir fazer coisas incríveis. Em meio a esse redemoinho de injúrias e ódio, eu não me considerava tão diferente de todos; minha altura é média e de boa aparência, sei conversar como uma pessoa normal e apesar da situação financeira humilde, tentava me vestir como todo mundo – não entrava na minha cabeça o porquê de ser o alvo da raiva deles. Bem, na verdade eu sei! As ofensas nunca foram direcionadas diretamente para minha pessoa. Eles gostavam de usar minha família para me atingir, isso nutre uma aversão dentro do meu coração que lacerava a distinção da minha vida, um tumor que cresce como uma fera que constantemente tenho que controlar.

Já faz duas horas deste o fim das aulas do turno da manhã desta sexta-feira. Estou na sala dos professores esperando minha mãe que conversa com a diretora do colégio sobre meus atos impróprios de hoje – assim foi definido por eu socar um garoto até seu sangue jorrar pelo seu nariz como um chafariz, durante o recreio pelo maldito te mandado eu e toda minha família sumir, que éramos estranhos de mais para continuar nessa cidade. Típico é o outro garoto ser liberado com os outros alunos normalmente, apenas eu que teve que ficar após as aulas, afinal sou a laranja podre que estraga as outras.

- Espero sinceramente que a senhora repreenda seu filho de forma dura e que isso não volte a se repetir, se não vou ser obrigada a tomar atitudes mais drásticas! – Disse a diretora ao fim da conversa.

- Desculpa por tudo! – Minha mãe saiu da sala da diretora. – Vamos para casa Atlas! – Ela passa a mão sobre minha cabeça, seu nome é Susana, é uma mulher linda e gentil. Tudo que ela escutou dentro daquela sala fechada eu não sei – posso imaginar já que a diretora a média com olhos cerrados e fixos do canto da porta – na verdade ela não me falou sobre a conversa, nem sobre todas as outras conversas que teve com a diretora ou qualquer outra pessoa quando teve que vir me socorrer quando aprontava. Como também nunca perguntou o que eu tinha feito ou me censurou. Apenas sorria de forma branda para mim como se entendesse por tudo que eu passo, isso por um momento acalma a fera raivosa dentro de mim – parecia até que ela sentia culpa sobre tudo.

Não consigo deixar de pesar os motivos por passar tantas dificuldades, de certa forma por não entender, isso me faz uma vítima – pelo menos pensava assim. No caminho de volta para casa, que é uma distância considerável, algo que no meu ver já é incompreensível, conviver tão distante de tudo, numa casa isolada e emblemática. Pensando bem, todos os boatos sobre a minha família não são totalmente sem fundamento comparado ao estilo de vida excêntrico que tínhamos. Meu pai se chama Fernando, ele trabalha no barco de pesca da família, dezoito pés de madeira e ferro movido por uma grande vela sustentada por um avantajado mastro central. De dois em dois dias ele vai para o mar, permanece um dia inteiro e volta sempre carregado de peixes; seria algo normal, se não fosse o caso dele trabalhar sozinho. Quero dizer, como só um homem consegue manejar um barco grande e ainda pescar? E ainda é como se soubesse sempre onde encontrar os grandes cardumes, guiá-los a sua rede e sem empecilhos puxar tudo para dentro do barco. Várias vezes meu pai recusou bons pescadores em suas viagens – claro que na maioria só queriam ir uma única vez para decifrar seu segredo – no entanto, independente dos motivos de cada um, meu pai rejeitou a todos dizendo que se saia melhor sozinho.

Inácio é o nome do meu avô! Antes, o companheiro de pesca do meu pai era meu avô, também o mesmo quem o ensinou o ofício. Mas ele adoeceu devido à idade e uma vida dura, não tinha mais forças para continuar. Meu avô sempre foi um homem reservado e taciturno em seus hábitos, ele nunca gostou de conversas, trocava algumas dúzias de palavras com todos da família quando era necessário. Quando teve que parar de pescar contristou como uma uva passa e se fechou num mundo só dele, passa seus dias num silêncio total sentado numa cadeira no quintal olhando o mar. As vezes ele me olha nos olhos, não diz nada, apenas me olha – não sei se ele ainda consegue me reconhecer, mas tudo que vejo na sua face é uma dolorosa espera pela morte. Minha mãe é uma zelosa dona de casa, cuida de mim e do meu avô, sempre carinhosa e paciente, ela também tricota a imagem de lindos filhotinhos em panos de pratos os quais vende na vila por algumas moedas, ama o marido de corpo e alma. Em outras palavras essa é minha família na qual na maioria das vezes defendo como um leão, outras vezes me sentia estranho entre eles como um pintinho numa toca de ratos.

Quando enfim cheguei à nossa casa, meu coração está apertado. – Fernando meu amor, chegamos! – Gritou mamãe para meu pai que estava longe trabalhando em suas redes. Ele acenou com uma das mãos. Depois ela levou-me para a varanda e entrou em casa. Quando voltara trazia um pano e um litro de álcool. Segurou pelo meu braço e com o pano molhado da gelada substância começou a limpar um corte na boca – a única marca da briga de hoje.

- Mãe...
- O quê? – Ela continua a cuidar do meu corte na boca.

- Sabe... Eu estava pensando que a gente podia ir morar na vila, não precisaríamos mais andar tanto para ir e voltar da escola ou fazer compras. Ficaríamos mais próximos do lugar onde papai recosta o barco, na praia junto dos barcos dos outros pescadores.

- Você sabe o quanto essa casa é importante para seu pai e avô. Também não faz sentido abandonar algo que é nosso por outro qualquer. Pensa assim, andar bastante vai deixar suas pernas musculosas, nunca se sabe quando vai precisar fugir de um grupo de garotos furiosos. – Mamãe deu algumas risadas contidas.

- Não é você que tem que enfrentar tudo aquilo todos os dias, Se a gente fosse morar na vila os outros garotos iam pegar menos no meu pé! – O álcool penetrou fundo no corte. – Ai! Tá ardendo!

Meu avô está próximo da varanda sentado na sua cadeira feita de troncos de árvores como sempre, escura e com figuras de animais talhados na madeira. Ele é um homem calorento, passa boa parte do tempo sem camisa, mesmo nos dias frios. Acima da grande cicatriz que corta seu peito de uma ponta a outra, permanece pendurado um grande dente branco e pontiagudo, sustentado por uma corda que circula o pescoço, ele cuida desse dente como se fosse seu tesouro e nunca o tira. Meu avô é magro e tem a pele enrugada de uma vida sobre o sol, barba e cabelos grisalhos. Olhou-me. Nos seus olhos não vi a habituada espera pela morte, consegui ver uma forte faísca de vida. – Escute sua sardinha desnutrida, pare de choramingar, faz meus ouvidos doer! Não importa a merda de vida que tem e nem as brigas que irá enfrentar, você só pode ser forte e a força de um homem é medida por suas ações... Porque em algum dia quando tiver algo importante para proteger, não vai poder correr ou discutir, tudo que vai te restar é ser forte! – Como um vento raivoso que sopra intenso e cessa, ele voltou a sua vista para o mar. Meu avô rígido como sempre, mas já fazia tempo que não escutava a voz dele, fiquei feliz, pois ele ainda estava lá severo como sempre.

- Meu filho! – Mamãe terminou de cuidar da minha ferida na boca. – Seu prato do almoço estar pronto encima do fogão. Hoje eu fiz moqueca de Sarda. Vá e coma tudo, depois seu pai quer conversar com você. – Ela passou a mão em minha cabeça e bateu de leve o pano nas minhas costa. – Vai logo!

Eu encontrei o prato encima do fogão, cuidadosamente embrulhado num pano de prato, provavelmente minha mãe preparou as presas quando percebeu que eu não ia voltar até que fosse me buscar na escola – na verdade, devido inúmeras vezes que teve que me socorrer das minhas confusões, ela já tinha um tempo limite que ao ser ultrapassado, parava tudo que estava fazendo e ia atrás de mim, não tem ninguém que a avisasse e pelo tradição da escola segurar o aluno até que um responsável aparecesse, não era difícil deduzir que eu estava com problemas. A comida está fria, mas ainda sim saborosa, minha mãe é uma habilidosa cozinheira, comi todo o almoço e depois de um corpo grande de suco de acerola, já posso ir encontrar meu pai.

Meu pai orgulhava-se por ser um homem forte e rústico nos seus gostos, da forma que se veste ou das poucas habituais atividades que se podem considerar formas de lazer – como talhar madeira no formato de peixes com o afiado canivete. Ele nunca fugiu das brigas da vida, aquelas que constantemente perseguem a todos; mãos longas e ásperas capazes de esmagar facilmente o crânio de um garoto levado. Porém, saber que me espera para conversar, não me deixa assustado e nem preocupado, nunca vi meu pai ser violento com nada, apesar da sua aparência é uma pessoa serena e educada, sabe resolver qualquer situação no diálogo. Quando meu pai não estava no mar, em casa, depois do almoço gosta de reparar as suas redes de pesca. No quintal estica uma ponta da rede e a amarra num pé de coco, a outra ponta leva até um pé de acerola á vinte metros de distância e amarra, depois vai costurando os buracos com um carretel de náilon e um agulhão de madeira. Meu pai no quintal trabalhando na sua rede como de costume. Eu me aproximo cauteloso.

- Olá filho! – Ele sabe que estou perto dele. – Seus passos são muito desajeitados. Se quiser surpreender alguém tem que aprender a caminhar mais suave. Você brigou outra vez na escola?

- Sim! Aqueles malditos não param de ofender nossa família, pai.

- Eles nos ofendem porque sabem que você vai se importar. Já te expliquei várias vezes que insultos e ofensas são apenas palavras, tudo que tem que fazer é ignorar. – Meu pai respirou fundo, sorriu. – Como você está?

- Estou bem, só cortei o canto da boca...

- Sua mãe cuidou com álcool? – Ele riu. – Não sei de onde ela tirou essa ideia que tudo se resolve com um pouco de álcool. Uma vez tive um corte fundo na perna, isso antes de você nascer, ela despejou meio litro de álcool na ferida, essa mania dela é antiga!

- Pai... – Eu fiquei de frente para ele, segurava num galho da árvore de acerola, balançava a árvore tentando encontrar as palavras certas, toda a rede segue no ritmo do balanço. – Qual a razão do ódio de tanta gente, somos tão diferentes assim? Hoje eu briguei com o garoto depois que ele disse que era para a gente sumir. Eu estava de sangue quente, antes outro garoto disse que o vovô matou a esposa e jogou o corpo para os tubarões. Estão falando da sua mãe, estou errado?

- Como são persistentes e sem imaginação, eles ainda dizem essas coisas na vila. Essa história começou quando seu avô apareceu comigo ainda bebê em seus braços e minha mãe desapareceu, opa... Estou falando que nem eles. – Papai sorriu e se conteve. – Sua avó não desapareceu, apenas teve que voltar para casa. A história de nossa família é cercada por acontecimentos suspeitos e inexplicáveis. Mas não quer dizer que ele a matou, pelo contrário, ela está viva! Na verdade foi ela que me entregou para seu avô. Quando você nasceu ela veio vê-lo, seu nome foi escolha dela. – Ele parou de trançar fios de náilon na rede. – Nossa família é diferente, não temos como negar isso, porém, você não deve julgar o diferente como uma coisa ruim. Se as outras pessoas te maltratam por ser diferente é porque não te entendem, eles têm medo. Mas você tem que levantar a cabeça e encarar a vida como ela é!

- Eu tenho esse nome esquisito por causa da minha avó, não consigo entender! Tudo nessa minha vida é desajustado, não quero fazer parte de nada disso, só quero me sentir normal! Há tantas segredos sobre minha própria história, se a vovó realmente estiver viva por que eu ainda não á vi? E a sua persistência de pescar sozinho, e como consegue se sair melhor que qualquer outro... Boa parte do rancor dos garotos da vila comigo é por causa do rancor de seus pais pescadores contra você. Também não sei das insanidades ou dos sentimentos que se passa na cabeça do vovô, ele passa dias como um morto vivo sem trocar uma palavra comigo, do nada me lança uma frase direta de como tenho que ser forte ou sei lá, mas depois ele volta a se fechar no seu mundo.

- Durante a vida temos que abrir a mão de algumas coisas para conseguirmos ter outras. Muitas das vezes não dá para se escolher, apenas tem que ser. Seu avô teve que deixar para trás a mulher que mais amava para cuidar de mim, um recém-nascido. Ele carrega dentro de si uma saudade longa demais.

- O que teve que acontecer para ser assim? – Eu perguntei, a agonia mastigava meus sentidos.

- Existem regras antigas nesse mundo que não podem ser quebradas, independente da natureza de cada pessoa, somos o que somos, e nada que tente fazer vai mudar isso! – Meu pai colocou o carretel de náilon e o agulhão de madeira dentro de uma caixa antiga dele, lá guarda todo material que usa para trabalhos manuais. Voltou-se para mim sossegado, encarou todas as minhas dúvidas. – Cada ser vivo escolhe da forma possível como guiar a própria vida para no fim poder escolher como morrer. Isso você tem que entender meu filho, porque lamentar não muda nada. Você sabe que amanhã é um dia muito especial, seu avô vai completar sessenta anos! Em nossa veia corre o bravo sangue do povo indígena que viveu nessa região, em seus mitos há um trecho específico que diz que na vida do homem há dois momentos de mudanças, aos vinte e um, e aos sessenta anos, chamam do rito de passagem. Você deve se preparar para o que vai acontecer, para o encontro com sua avó. Agora se vai acreditar ou não, não vai fazer diferença, vai acontecer da mesma forma. São suas raízes e você precisa saber, se vai fazer você ver a vida de outra forma, será suas escolhas!

- Quero saber de tudo! – Finalmente iria descobrir o porquê das dificuldades da minha vida, sempre soube que havia histórias do passado que não conhecia, mas ninguém falava nada e eu não sabia perguntar. Meu coração palpita.

- Seu avô me contou uma única vez, não voltou a mencionar sobre o assunto e eu não voltei a perguntar, ele não gosta de relembrar. Fez o que precisou fazer e pronto! Eu acompanhei seu avô em suas jornadas, aprendi a pescar e lidar com os temperamentos do mar ainda muito novo. Somente quando encontrei a minha mãe pela primeira vez desde que ela me entregou a meu pai que toda minha vida fez sentido. Você não esconde a ansiedade, adiei muito tempo essa conversa com você meu filho, eu vou contar sem rodeios, exatamente como aconteceu... A história de vida do meu pai, seu avô!


CONTINUA...




Biografia:
Olá, todos os amantes da palavra escrita. Como todos os que visitam esse site, também sou um admirador da literatura, e bem como sabem, num exato tempo os admiradores se cansam de só admirar e precisão fazer parte do que eles tanto amam. Por isso vou me aventurar, de forma entusiasta, com muitas ideias e uma grande vontade de chegar ao máximo que minha imaginação consegue me levar, começando por postar meus textos nesse espaço dedicado as palavras. Como meu trabalho me consome fisicamente, tanto quanto meu tempo, vou me esforçar para manter um nível razoável de publicações. Á todos que dedicarão um pouco de tempo para lerem meus textos, já deixe um grande e redondo OBRIGADO! Boa leitura!
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