"Professora, me desculpe, mas eu vou falar, esse ano na escola muitas coisas vão mudar, nada contra ti, não me leve a mal, quem descobriu o Brasil não foi Cabral" (Não foi Cabral, MC Carol).
Nos meados da civilização brasileira, quem diria que a obra musical de uma funkeira questionaria com relevância um acontecimento de valor histórico: o descobrimento do Brasil.
Desde o nosso auto-reconhecimento como cidadão brasileiro, algo que acontece quando ainda somos crianças, nos é cuspido um nome mais grudento que chiclete: Pedro Álvares Cabra. Os livros e os professores de história personificam a imagem de um velho barbudo ao alto de um navio, e transmitem a este a ilusória façanha de ter descobrido o Brasil, lá pelas curvas de 1500. A partir de então, passamos a admirá-lo, respeitá-lo, inocentemente, como quem ainda tem fé na boa vontade de Princesa Isabel.
No entanto, quando a maturidade vem chegando, quando o conhecimento não mais se restringe apenas aos ensinamentos governamentais, a surpresa vem à tona, o espírito cansado de um navegador português nos faz uma visita; trata-se da alma injustiçada de Duarte Pacheco Pereira.
O mesmo é invocado por historiadores portugueses, espanhóis e até franceses; ressurge das profundezas de Lisboa para reivindicar sua conquista; para isso, toma posse de sua mais famosa obra que encontrava-se sob teias de aranha na biblioteca de Portugal - esteve perdida por mais de quatro séculos - O "Esmeraldo De Situ Orbis".
O conteúdo dessa obra é de altíssima importância, pois nela Duarte Pacheco pisoteia na barba branca de Cabral, ao revelar indícios de que em 1498 (dois anos antes de Cabral) sua expedição secreta encontrava-se em território Sul-Americano - desembarcando num ponto localizado nas proximidades da fronteira do Maranhão com o Pará, e, por conseguinte, desmatando, a base de terçadadas, as ricas florestas da Ilha Do Marajó.
Ainda em 1498, o império Português resolveu não revelar a proeza destas descobertas, os historiadores mais otimistas suspeitam que o motivo dessa decisão que fez Duarte engolir o choro, foi o fato de que esse belo, verde e primitivo território, de acordo com o Tratado De Tordesilhas, pertencia às mãos ambiciosas dos espanhóis.
Com base nestas informações, a lágrima cai, é evidente que Duarte Pacheco foi quem realmente descobriu o Brasil, é evidente que a tia Mariazinha lá do fundamental nos enganou, é evidente que até o funk pode fazer críticas plausíveis, é evidente.
No entanto, só o que não é evidente nesta história pra inglês rir, são os motivos que levam o governo brasileiro e o governo português a se calarem perante séculos, a se manterem neutros diante desta crise moral, a neutralidade que faz o povo vangloriar um herói forjado. Mas para isso há uma solução, ou melhor, há uma vingança: assim como Duarte foi invocado por historiadores para revelar a verdade, aqui, nesta mesa, nesta cadeira, este solene escritor invoca o famoso poeta renascentista Dante Alighieri e a sua divina citação: "Os porões mais sombrios do inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral"; a maldição está jogada, os mentirosos do governo são os alvos, por terem enganado o povo durante séculos, Dante os condena ao fogo do inferno.
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