Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Bala de canhão
Jonata Monroe

Quando olhei para baixo, fiquei em dúvida quanto o que estava prestes a fazer. Imaginei que certamente cair na água não causasse tanta dor, os sete metros de queda livre até chegar ao rio eram apenas um detalhe. Corajoso ou louco, eu deveria pular, todos aguardavam ansiosamente. Havia uma razão para resistência, eu não sabia nadar, mas todos estavam pulando, mulheres, crianças, e até algumas senhoras. Um bando de loucos com certeza, mas toda aquela insanidade parecia ser incrível e a adrenalina impulsionava meus passos.
           Estávamos enfileirados aguardando o momento de saltar, eu fazia um esforço enorme para manter uma postura descontraída no intuito de não demonstrar medo, observava cada salto e impacto na água, notei que a fila diminuía e meus amigos aos poucos despencavam ponte a baixo, eram habilidosos e destemidos, e por mais que eu tentasse disfarçar a tensão, eles sabiam que a possibilidade da minha desistência era real. Nadar não deve ser tão difícil, os movimentos consistem em fazer um arco alternadamente com os braços, fazendo um côncavo com a palma da mão fechada e bater os pés sem parar, e se sentir alguma dificuldade alguém vai perceber. Sempre percebem, eu espero...
          É chegada a hora. Minhas pernas ainda trêmulas decidem romper a inércia do meu corpo. Começo a correr e me sinto como um louco, porque de fato o que estou fazendo é loucura, totalmente inconsequente, mas também é muito bom. A sensação é de liberdade, a mesma que senti quando em sonhos, aprendi a voar. Quanto mais rápido eu corro maior é meu estado de euforia. Finalmente meus pés afastaram-se do chão. Vi as pessoas lá em baixo. Vi a água e só então me dei conta que não me preparei corretamente para este momento, mais uma vez tive medo. Caso eu caia de barriga na água, serei motivo de piada, se cair de cabeça posso bater em alguma pedra ou mesmo no chão, não sei qual a profundidade dessa parte do rio. Como vou chegar lá em baixo sem quebrar uma costela? Nesse momento tenho uma ideia genial.
          Bala de canhão. O plano é flexionar as pernas e abraça-las até os joelhos encostarem ou estiverem o mais próximo possível da sua testa. É o salto que escolhi para minha consagração. Uma posição nada charmosa, quase que fetal, mas naquele momento já não pensava em como seria lembrado, tinha que preservar minha integridade física. Ouvi muitas risadas, nem pude conter as minhas próprias. O choque na água foi estrondoso, de fato parecia que alguém havia disparado tiros de canhão em direção ao rio. O problema número um estava resolvido. Consegui pular. A profundidade era maior do que havia previsto. Comecei a pensar em como solucionar o problema número dois. A superfície estava ao meu alcance, mas como chegar até ela sem saber nadar? E isto me fez lembrar que havia também o problema número três: chegar até a margem. Meus braços e pernas começam a se movimentar desesperadamente por extinto, sem qualquer sincronia. Alguém já deveria ter percebido que eu sumi em baixo das águas, mas algo me diz que vou ter que sair dessa sozinho.
        Ouvi alguém gritando para que ajudassem. Não estava disposto a morrer ali, no entanto, não gostaria de deixar a impressão de que não sei nadar, sou orgulhoso de mais pra isso. Felizmente havia uma rocha a menos de um metro. Quando a ajuda chegou a recusei prontamente. Fingi que tudo estava sob controle. Uma braçada, um gole d’água, outra braçada, mais um gole d’água e foi nesse ritmo que aprendi que a coragem e o medo são antônimos dependentes um do outro como combustível e fogo. Quando meus pés tocaram a rocha o alívio foi imediato. Provavelmente essa foi umas das ideias mais toscas que tive, poderia ter custado minha vida. Provavelmente essa foi uma das maiores oportunidades da minha vida, coloquei em cheque aquilo que me assombrava, a covardia. A loucura que me cabe é de ter audácia em um momento crítico, irresponsável talvez, mas nem sempre temos motivos suficientes ou satisfatórios o bastante para sermos normais. Pensando bem, o medo não é uma fatalidade, é uma questão de escolha em que você decide o grau de influência das suas limitações sobre suas ações.

Número de vezes que este texto foi lido: 52814


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Bala de canhão Jonata Monroe
Frases Viver Jonata Monroe
Crônicas A foto JONATA MONROE


Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
JASMIM - evandro baptista de araujo 68995 Visitas
ANOITECIMENTOS - Edmir Carvalho 57910 Visitas
Contraportada de la novela Obscuro sueño de Jesús - udonge 56745 Visitas
Camden: O Avivamento Que Mudou O Movimento Evangélico - Eliel dos santos silva 55820 Visitas
URBE - Darwin Ferraretto 55076 Visitas
Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls - Caliel Alves dos Santos 55008 Visitas
Caçando demónios por aí - Caliel Alves dos Santos 54884 Visitas
Sobrenatural: A Vida de William Branham - Owen Jorgensen 54872 Visitas
ENCONTRO DE ALMAS GENTIS - Eliana da Silva 54776 Visitas
O TEMPO QUE MOVE A ALMA - Leonardo de Souza Dutra 54737 Visitas

Páginas: Próxima Última