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Meu Primeiro Ano
Mrs. Invisible

Meu primeiro ano.

Sabe quando você senta numa cadeira e se desliga do mundo? Bom, isso não acontecia. Na verdade, eu sentava numa cadeira e o mundo se desligava de mim. Naquele momento, tive um dejavù. Eu estava de novo em meu sexto ano do ginásio.
Eu não era nova na escola, conhecia muitos ali. Ainda assim, não me encaixava. Fazia trabalhos escolares com quem quisesse fazer comigo. E só queriam pois sabiam que eu era inteligente, minha sorte. Nas apresentações, a maioria não me respeitava e coversava o tempo inteiro. Quem se calava, era para me encarar, como se eu fosse outro ser.
Tudo melhorou no sétimo ano. Por uma inimizade em comum, fiz uma amiga. Depois, foi uma reação em cadeia. Logo, todos sabiam quem eu era. Ainda era a quieta, mas respeitada. Ninguém tocaria um dedo em mim. Oitavo ano, ganhei mais confiança. Eu estava cada vez mais “popular”. Quando algum professor comentava que alguém havia tirado nota máxima, todos diziam juntos em coro meu nome. Já sabiam.
No nono ano, perfeição. Eu já era menos tímida. Tinha três boas amigas. Meu tempo também era gasto em minha competição particular com outra aluna, que havia chegado no ano anterior. Neste primeiro ano, ela não era muito notada, apenas a amiga da mais nova vadia. No nono, pelo contrário, ela também ganhou espaço, com um jeito de santa. Eu, muitas vezes chamada assim também, sabia que de santa ela não tinha nada. Claro, nunca falei em voz alta o fato de estar competindo com ela, apenas minhas amigas sabiam. Amigas...
Bem. Naquele ano, se o professor dizia que alguém havia tirado nota máxima, falavam o nome dela. Imagine o sorriso que eu punha no rosto quando, na verdade, eu havia tirado 10. No geral, eu não me importava se ela tirava notas maiores que eu, mas se eu tirava mais, havia certa comemoração. Eu e ela não nos falávamos muito. Certos colegas de classe chegaram a notar isso, mas eu que não confirmaria nada. Deixe-os imaginar!
Fora minha rival, houveram outros empecilhos. Professores péssimos à parte, o ano perfeito. Eu era inteligente, reconhecida, respeitada e, dependendo, incluída em brincadeiras. Preferia ficar quieta nas aulas, mas se eu reclamava, todos sabiam que era sério. Se eu me levantava e levava uma queixa ao professor, especialmente o de português – que quase sempre me atendia – eles paravam. Eu e minhas amigas – ao menos duas delas – éramos intocáveis. Mexa conosco, e talvez você não venha amanhã. Lembro-me até hoje de como um garoto meio baixinho que tinha uma paixonite não-confirmada por uma de minhas amigas, tentou mostrar o dedo do meio para ela, que sentava em minha frente. Se confundindo, acabou fazendo o sinal para mim. Como ele pediu desculpas...
Durante meu nono ano, eu costumava dizer que era o pior ano de minha vida. Após a troca de um professor, tirei algumas notas baixas. Porque eu disse acima que foi perfeito? Bem, foi. Eu só não sabia na época. Não damos valor ao que temos até perder, certo?
O ano acabou. O ensino fundamental acabou. Hora da mudança.
Segui para uma escola publica com uma de minha amigas, queríamos ingressar no sistema de cotas. A inscrição era feita por internet. A matricula, em uma certa semana. Fui em uma terça-feira, me lembro bem. Minha amiga na quarta. Uma observação foi feita: Devíamos ficar na mesma sala. Imagine nossa surpresa quando praticamente o alfabeto todo nos separava – sarcasmo incluído. Graças a uma das mais recentes membros do que eu chamo de “listinha do ódio”, a observação não foi anotada.
Ok, ótimo. Vamos apenas trocar de sala, certo? Errado. Desta vez, graças a um sistema falho nenhum aluno pode trocar de turma. Decidimos ficar. Bem, não podíamos sair mesmo.
No primeiro dia, poucos já se conheciam. Mesmo tendo duas amigas antigas na sala, sentei-me sozinha. Uma delas tinha uma nova amiga. Outra, virara simplesmente uma vaca. “Não preciso de ninguém”, eu repetia naquele primeiro dia. No segundo, ainda tranquila, eu estava num estranho bom humor para quem devia estar solitária. Neste segundo dia, uma garota inclusive falara comigo. Ótimo, eu estava fazendo uma amiga. Talvez um pouco lenta, mas parecia uma boa pessoa.
Terceiro dia. Eu só sentei lá e odiei cada pessoa naquela sala. Os professores era super legais. Mas cada célula de meu corpo odiou cada um deles. Eu só queria matá-los. Ainda comecei uma pequena contagem. Cada traço na última folha do meu caderno marcava um vez em que eu quis matar a todos. Nem me senti mal, eu nunca faria isso de verdade, claro. Até imaginei como eu sequestraria, torturaria e mataria um garoto que eu odiava em particular. Eu estava mesmo emburrada.
Cheguei em casa e tudo estava tão perfeito. Amei cada centímetro do meu lar. Após um banho e uma refeição, eu estava de bom humor de novo. Sai um pouco de casa, depois um pouco de TV. Mais tarde, assisti uma de minhas séries favoritas. Pesquisei um pouco sobre algo que me afligia a algum tempo: um bloqueio criativo. Eu já escrevia uma certa história há algumas semanas, e estava dando certo. Consegui prosseguir, um capitulo fluiu naturalmente após alguns reajustes. No final desse certo capitulo, olhei para aquelas palavras, mas não compreendia nada. Eu comecei a chorar.
Só chorei por minutos a fio. Fechei a porta do meu quarto, ninguém me veria chorar. Gosto muito de séries, sabe? Lembrei imediatamente de uma frase de uma delas: Não importa como você esteja por dentro, coloque sempre um sorriso no rosto. Seria bom seguir isso, mas eu não consegui. Tentei parar várias vezes. Nada. Outra frase me veio a cabeça, um quote que vi uma vez: Quando começo a chorar, acabou chorando por tudo que há de errado. E foi o que fiz.
Chorei e comecei a pensar que não queria aquilo. Não queria ser a estranha novamente. A frágil. A santa. A nerd. A calada. Talvez até a piada.
Enviei cada pensamento a minha amiga. No dia seguinte iríamos perguntar quando podíamos pedir tranferencia, falei. Ela não me respondeu, provavelmente havia saído. Minha mente estava em guerra.
Por um lado eu pensava que eu devia ficar lá e aguentar tudo aquilo. Aquilo podia ser algum teste cósmico, divino. Algo para me tornar mais forte. Eu devia ficar e provar ao universo que podia. “Eu vou fazer isso porque eu consigo. Eu consigo porque eu quero. Eu quero por que você disse que eu não conseguia.”, outro quote que vi.
Do outro lado, eu só pensava que queria o fácil de novo. Queria ser aquela que sentava com minhas amigas e julgava e fazia piada dos imbecis já conhecidos. Não queria ser julgada por imbecis que eu nunca vira, sobre os quais não tinha controle. Eu tive vontade de abraçar minha amiga. De bater o pé e ir para a sala dela, fazer uma cena. Que se dane, pensei. Eu não queria ser forte. Se ser fraca era desistir e ficar com o conhecido, então eu queria ser fraca.
Sorrir e não mostrar seus sentimentos... Queria fazer isso.
Foda-se os sentimentos, seja uma vadia... Quem dera eu conseguisse.
Todo mundo já assistiu Click, de Adam Sadler. Eu desejei tanto aquele maldito controle. Pular para a faculdade. É, era isso que eu queria. Estudar durante o dia, trabalhar a tarde, beber a noite e fazer tudo novamente no outro dia parecia muito bom. Cansativo, mas bom. Ao menos eu seria adulta. Se tudo ficasse difícil e eu quisesse dar pause no mundo, era só ir embora. Pegar um táxi para lugar nenhum. Quem sabe, com sorte, dirigir meu carro para lugar nenhum. Para no meio do nada, com minhas músicas no máximo, cantando junto. Ou, se ficasse muito difícil, só ir a um mercado e comprar uma boa garrafa de vodka. Beber até vomitar. O que eu não poderia fazer com 18 anos e um pouco de dinheiro?
A faculdade pareceu mesmo muito boa. Se eu tivesse um namorado? Tipo, o dos sonhos. Se ficasse muito difícil, eu podia ligar para ele. Talvez até chorando. Ele perguntaria o que houve. Eu diria que era um dos meus ataques de depressão não diagnosticada. Ele, se também estivesse na faculdade, sairia de sua aula, me colocaria nos eixos. Um namorado também pareceu muito bom.
Mas o melhor, seria minha amiga. Afinal, era por não estudar com ela que eu estava tendo a crise. A cada minuto eu olhava meu celular. Nenhuma mensagem. Mas se fosse na faculdade, se eu surtasse, eu não precisaria comprar uma garrafa de vodka. Ela faria isso. Ela me faria ouvir músicas animadas, me mostraria as melhores fotos dos melhores caras para recuperar. Talvez até fosse um pouco grossa, estilo tapa na cara, não literalmente, mas verbalmente. Você sabe, dizer que eu não devia ficar assim por causa daqueles imbecis. Daquelas vacas...
Não importava. Eu não podia avançar no tempo. Eu não tinha e nem queria um namorado naquele momento. E minha melhor amiga ESTAVA EM ALGUM LUGAR ALHEIA A MINHA CRISE EXISTENCIAL! Eu ia dar uma bronca nela. Onde ela estaria que não levou a merda do celular?
Bem, eu também não podia beber. Nem dirigir. E segundo meu cérebro, nem tomar uma decisão: Ser forte e ficar ou ser fraca e desistir.
Tudo o que podia fazer era chorar e escrever um texto de três paginas sobre toda essa merda. Texto esse que eu provavelmente não mostraria a ninguém, embora quisesse mostrar a todo mundo.
Tudo o que podia fazer, após salvar isso, sem duvida com senha, era me deitar, chorar mais no meu travesseiro, e dormir. No dia seguinte, nada disso mudaria nada. Eu teria que me levantar cedo da mesma forma. Me maquiar, graças as minha outras amigas, espinhas. Ir à escola e suportar tudo de novo. Não, minto. Talvez algo mude. Talvez eu não aguente mais um dia. Talvez eu chore lá mesmo. Não seria fabuloso? Todos iriam me amar, não é?
Após mais uma pausa, para enviar mais uma mensagem furiosa à minha amiga, eu concluo isso, seja o que for isso. Sem assinatura e sem citar nenhum nome. Isso porque eu não tenho nome. Eu sou a desconhecida, pois ninguém quer me conhecer. Eu estou em nenhum lugar, pois ninguém nota que estou lá. Não tenho face, pois ninguém procura vê-la. Não tenho voz, pois ninguém quer ouvi-la. E não mereço respeito por todas essas coisas.
Eu não quero morrer. Na verdade, quero viver. Não vou desistir da vida. Só quero desistir de tentar me encaixar. É por isso que estou chorando. Amanhã, direi a mim mesma que isso não aconteceu. Ou que foi só um momento. Ou, quem sabe, eu admita isso. Eu use isso para me fortalecer. Quem sabe, amanhã eu decido por continuar e chutar a bunda deles, eventualmente.
Se você leu isso, eu quis assim. Não sei o que pensará disso. Se achará inspiração ou perda de tempo. Mas não me importo, pois não escrevi para você. Escrevi para que a eu de agora tenha paz. E para que a eu de amanhã faça guerra.


Biografia:
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