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Dedos e o Piano.
O nosso piano.
Amanda Raimundo

Dedos, nunca reparei em meus dedos, mas ele dizia que eram dedos belos de uma pianista.
Piano, nunca toquei um piano, mas não preciso dele para escutar uma melodia, a risada dele ecoava pelo mar.
O horizonte era cinza, rosa, azul. Azul como o mar, e lá um ponto branco perturbava o beijo dos dois belos seres.
Os suspiros dele ecoavam pelo quarto dos dois, o cobertor ainda com as marcas amarrotadas de quando fizeram amor. A varanda parecia solitária, e chamava com o vento o nome dele. Ela olhava, esperava, o sol nascia mas parecia não sair do lugar. Dez horas eles falaram. Aquela vela branca ainda estava parada. Flutuava, dançava, parava. Dez horas eles falaram.
Guardava na boca o gosto do beijo, de todos os beijos que já havia recebido dele. E pensava "Eu sinto tanto a sua falta."
Sentia falta das caminhadas no parque, dos banhos de chuva, e do toque quente daqueles dedos em sua pele.
Dez horas eles falaram.
Descia as escadas, aquelas escadas que os levaram a tantos lugares. Fora naquela escada que eles brigaram, e foi nela que trocaram juras de amor.
Faltava duas horas, o casaco pesado envolta do vestido, as cartas, os livros, os beijos. Todos esperavam por ele.
Será que volta? Havia partido após uma briga, as cartas pareciam não mostrar tudo o que ele sentia, ela só queria poder abraçá-lo.
Dedos, dedos trêmulos, dedos finos e quentes. Os mesmos dedos que escreveram milhares de cartas. Faltava uma hora, o mar a convidava, se ele não voltasse, ali estava a escapatória perfeita.
Fechou os olhos, dez horas eles falaram, viu ele sentado à mesa pela manhã, o cheiro de pão quente se misturava com o perfume do amado. Um beijo na testa, um beijo no nariz, nosso beijo de bocas.
O som do piano, aquele piano sem preconceito que misturava negros e brancos. O piano. Seus dedos me tocavam como se eu fosse o seu piano, e nossa melodia era feita ali.
O barco estava perto, mas ela ainda não conseguia vê-lo.
Dez horas eles falaram. Dez horas.
Parou na frente do barco, e esperou, ele não vinha, todos pareciam descer. A cabeça dela pendeu para baixo, sentiu a lágrima que parecia querer cair.
Dedos, os mesmos dedos que tanto amava. Os dedos que secaram suas lágrimas.
Um beijo na testa, um beijo no nariz, nosso beijo de bocas. Ele estava ali. O beijou como nunca o havia beijado antes.
Piano, compramos então nosso primeiro piano. Nossos dedos andaram por aquele caminho sem preconceito.
Os suspiros voltaram, o cobertor novamente amarrotado, a varanda agora cantava, cantava a música de nossos dedos. Tocava a música de nosso piano.


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