F: Mãe, quero conversar com você.
M: Ô filha, que prazer - vamos conversar, estou pronta.
F: Sabe mãe, estou apaixonada.
M: Apaixonada? Que bom filha, quem é o felizardo? Já sei um colega de faculdade...
F: Negativo - você não vai adivinhar.
M: Será algum vizinho?
F: Nem pensar.
M: Bem, não me diga que é um homem casado?
Hum... Já vi que errei.
Então vejamos: um caso homossexual?
F: Que é isso mãe! Você está cada vez mais longe.
M: Estou quase desistindo, mas vou tentar: Seu dentista?
F: Você esqueceu que minha dentista é ela e não ele?
M: Então é alguém que você conheceu recentemente e eu não conheço... só pode ser porque você sempre me fala tudo!
F: Falo mesmo mãe; mas essa paixão é algo inusitado.
M: Inusitado?
F: Exatamente mãe. Porque não é uma paixão por uma pessoa em particular, mas precisamente, se assim posso classificar, por um ideal recém descoberto.
M: Então é mesmo uma grande surpresa. Então diga logo o que é, estou curiosa, mas muito curiosa mesmo.
F: Vou lhe contar como aconteceu. Um dia, vindo no ônibus, passei por locais com moradores de rua, e por mais incrível que pareça, me vi pensando, seriamente, o que os levava a ter aquela vida. Isso passou a me incomodar e, você mãe, me perguntava:
- Que silêncio é esse faladeira? Está tão quieta... Alguma coisa que eu possa ajudar?
M: Eu negava porque estava amadurecendo uma ideia; queria conversar com alguns deles.
Você lembra do domingo que saí meio desarrumada e disse que ia dar umas voltas por aí? Fui procura-los.
A abordagem foi muito difícil; perguntaram se eu era de jornal; creio que queriam saber se eu era jornalista. Expliquei que não, só era uma pessoa interessada em conversar. Um deles disse: "Mas, cum nós"?
É, com vocês sim. Vocês devem ter muitas estórias nessa vida-de-rua.
"É moça, a gente passa muita coisa mesmo..."
E aí a conversa foi fluindo, com muitas reticências, longos silêncios, com desconfiança...
M: Filha, que perigo! Não faça isso, é muito arriscado!
F: Mãe, você não sabe, mas, convidei três colegas da faculdade para irmos juntas, mas, ninguém topou e disseram que isso era problema do governo e não nosso.
Mas, isso é problema de todos, que como nós, tem uma vida estável, não acha?
M: Filha, isso é problema de quem tem coração e o ouve. Ele falou mais alto em você e eu, apesar dos pesares, estou feliz descobrindo mais uma de suas qualidades.
Creio que está na hora de repensar sua carreira na faculdade; não seria refletir sobre isso e depois decidir?
Será que sua vocação é mesmo arquitetura?
Sabe filha, estou vislumbrando um horizonte diferente, que pensa?
F: É verdade mãe, já tenho pensado muito nisso e estou mais para Assistente Social do que para Arquitetura.
A vida nos faz surpresas, nos revela outras opções, nos mostra a cara do outro que, as vezes, está tão próximo de nós e não vemos...
É mãe, é hora de mudar para não me arrepender mais tarde.
Obrigada. Você sempre me ajuda. Não preciso nem pensar mais, já decidi.
O coração fala mais alto!!!
DEA LOURO.
20/05/2015.
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