Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Mandinga
Cláudio Thomás Bornstein

     Eu vivia feliz e não sabia, ou melhor, até o dia em que fiquei sabendo que uma banda tinha mudado para a casa do lado. Não, não era a música! A música até que era boa! Tampouco a culpa era dos constantes ensaios, pois o som mantinha-se dentro de limites toleráveis. Festas eles davam frequentemente, em média uma por semana, mas dava para agüentar. O problema mesmo eram os papos, altos papos até altas horas da madrugada. Eles viravam a noite, varavam o dia na conversa. A certa altura, dependendo das cervejas viradas ou varadas, a conversa reduzia-se tão somente a interjeições e depois sobravam só mesmo exclamações. O pior era o volume das exclamações e, ainda por cima, bem debaixo da nossa janela. Ninguém conseguia mais dormir, quer dizer, eu não, que bato na cama e durmo, mas a coitada da minha mulher não pregava mais o olho. Tentou-se de tudo: tampão de orelha, puxar o cobertor por cima da cabeça, fechar vidros e venezianas, mudar de quarto, até mesmo isolamento acústico se tentou. Nada funcionou!
     Um dia tomei coragem e fui lá procurar o chefe da banda, o Miltão. Cheguei, todo sorrisos e comecei pedindo desculpas, ficava até sem jeito de reclamar, era natural, juventude, rapaziada, era tudo sinal de alegria, animação, et cetera e tal, mas tinha que ser debaixo da nossa janela? Miltão, muito educado, prometeu providências, aquilo não ia mais acontecer e, de fato, por duas semanas tivemos paz. Depois tudo recomeçou.
     Foi aí que eu bolei o plano. Procurei o Miltão outra vez e gaguejei nervoso. Eu estava preocupado. Não, não era o sono, nem o barulho, muito menos a conversa. Mas minha mulher tinha começado a rogar praga. Dizia que ia fazer mandinga. Quando eu chegava perto, desconversava, não queria dizer o que era. Uma vez eu tinha ouvido a palavra avião ou desastre, não me lembrava bem. Que tomassem cuidado. Se acontecesse alguma coisa, como é que a gente ia ficar?
     Depois, para garantir a integridade física da minha mulher, porque, o Miltão era gente boa, mas nunca se sabe e, seguro morreu de velho, ajuntei: “Eu aqui estou fazendo a minha parte. Comprei vitamina, levei-a ao médico e fiz exame. Porque, se ela viva é capaz do maior estrago, imagina ela morta! Lá junto da turma da pesada, o que é que eles não são capazes de aprontar?” Claro, eu amo a minha mulher e quero que ela ainda dure muitos anos!
     Passaram-se mais umas semanas e a banda se mudou. Um dia, encontrei o Miltão no ônibus e perguntei: “Como é, o que é que aconteceu?” “Fomos para Jacarepaguá” foi a resposta curta. “Tão longe?” E o Miltão, sorrindo com ar misterioso: “Olha, problemas com o aquém, tudo bem, que a gente está acostumado, mas o além...”


Biografia:
Para mais informações visite o blog CAUSOS em www.ctbornst.blogspot.com.br. Querendo fazer comentários, mande e-mail para ctbornst@cos.ufrj.br
Número de vezes que este texto foi lido: 52919


Outros títulos do mesmo autor

Frases Vontade e Inércia Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Só mais um cigarrinho... Cláudio Thomás Bornstein
Crônicas Na fila da farmácia Cláudio Thomás Bornstein
Frases Ser e poder Cláudio Thomás Bornstein
Frases Democracia e tirania Cláudio Thomás Bornstein
Frases Realidade e percepção Cláudio Thomás Bornstein
Frases Utopia Cláudio Thomás Bornstein
Frases Dialética, positivismo e autocracia Cláudio Thomás Bornstein
Humor Não volto não! Cláudio Thomás Bornstein
Ensaios Dialética, paradoxos, Koans e Zen-Budismo Cláudio Thomás Bornstein

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 31 até 40 de um total de 80.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
Viver! - Machado de Assis 53816 Visitas
FLORES E ESPINHOS - Tércio Sthal 53811 Visitas
O Movimento - Marco Mendes 53809 Visitas
eu sei quem sou - 53808 Visitas
O pseudodemocrático prêmio literário Portugal Telecom - R.Roldan-Roldan 53802 Visitas
Escuridão - Anitteli Poestista 53791 Visitas
Vivo com.. - 53790 Visitas
Mulher de Amor - José Ernesto Kappel 53773 Visitas
viramundo vai a frança - 53771 Visitas
OS ANIMAIS E A SABEDORIA POPULAR - Orlando Batista dos Santos 53757 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última