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O PERIGO DOS MITOS
DIRCEU DETROZ

Por duas semanas só se ouviu falar de Nelson Mandela. A sua morte foi um dos acontecimentos marcantes de 2013. No seu trajeto da prisão a presidente da África do Sul, Mandela transformou-se num mito. Mitos geralmente são intocáveis.

Infelizmente o mundo não pode viver de mitos. Creio que muito ainda ouviremos falar da África do Sul sem Mandela. E não serão coisas boas. A primeira delas nós já ouvimos. Antes mesmo de o morto ser enterrado, a família já brigava pelo seu espólio.

O legado de Nelson Mandela, talvez o único, foi o racial. Depois de dez dias de cantorias, a ficha devagar começa a cair, e se os sul-africanos ainda não chegaram neste estágio, o mundo já se pergunta: E agora?

Nelson Mandela sempre foi mais mito do que político. No seu governo, o país atolou-se na corrupção. E para o resto do mundo, a África do Sul sempre foi o confronto de negros contra brancos. Uma grande ilusão. Quando a realidade chegar, ela será implacável.

A segregação racial empurrou para debaixo do tapete as questões humanas da África do Sul. Na Copa do Mundo de 2010, reportagens feitas mostraram que esses problemas foram escondidos dos turistas e da mídia por tapumes.

Somos hipócritas demais quando se trata da cor das raças. Será que haveria Copa do Mundo na África do Sul sem Mandela? Mandela ganharia o prêmio Nobel da Paz se fosse branco? Sem esquecer que por muito tempo, 90% dos países apoiaram abertamente o governo de minoria branca. Muitos agora foram chorar o morto.

A União Soviética teve seus mitos. Quando eles se foram o império russo desmoronou. Na Iugoslávia aconteceu à mesma coisa. Com consequências ainda piores. Etnias inteiras foram dizimadas. As feridas da Guerra dos Bálcãs, ainda não estão totalmente cicatrizadas. A Venezuela será outro bom exemplo.

E sem Mandela veremos que as feridas da segregação racial sul-africana estão longe de cicatrizar. O Ser Humano carrega muito mais maldade do que ousamos acreditar. Essa maldade é ainda mais explícita nas diferenças.

No vácuo do mito morto, o perigo dessas cicatrizes sangrarem novamente deve ser levado em consideração. O que poderá acontecer quando os órfãos de Mandela finalmente acordarem do sonho é a grande interrogação. O grande temor.

É impossível extirpar o mal do racismo e suas variáveis. Isso tem uma explicação quase lógica. Como eu disse no poema “Reflexo Hipócrita”, ninguém pode cuspir o que está na cabeça. Tomara que a África do Sul me desminta. E Mandela seja mais que um mito.


Biografia:
Sou catarinense, natural da cidade de Rio Negrinho. Minhas colunas são publicadas as sextas-feiras, no Jornal do Povo. Uma atividade sem remuneração.Meus poemas eu publico em alguns sites. Meu e-mail para contato é: dirzz@uol.com.br.
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