Por Charles Haddon Spurgeon
“Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.” Mateus 27:24-25
A crucificação de Cristo marcou a altura do pecado cometido por nossa raça. Em Sua morte encontramos todos os pecados da humanidade unidos em uma conspiração execrável. A inveja, o orgulho e o ódio estão lá, juntamente com a ambição, a falsidade, e a blasfêmia, todos ávidos por projetar-se na crueldade, vingança e homicídio. O diabo agitou as iniquidades de todos nós em torno da semente da mulher: todas essas iniquidades circundaram ao Senhor, sim, o rodearam como abelhas. Todas as maldades dos corações humanos de todas as épocas marcaram encontro ao redor da cruz: assim como todos os rios vão para o mar, e como todas as nuvens se descarregam sobre a terra, assim se congregaram todos os crimes do homem para causar a morte do Filho de Deus. Foi como se o inferno tivesse enviado uma convocação, e todas as várias formas de pecado tivessem chegado a tropel – legião pós legião apertaram o passo à batalha. Assim como os abutres se precipitam sobre a carniça, assim correram os bandos de pecados para converter o Senhor em sua presa. E uma vez congregadas as tropas de pecados, consumaram o crime mais atroz que o sol jamais havia presenciado. Mãos iníquas crucificaram e mataram o Salvador do mundo.
Acabamos de cantar dois hinos em que assumimos nossa porção de culpa pela morte de nosso Senhor. Cantamos—
“Oh, os agudos tormentos de extrema dor
Que suportou meu amado Redentor,
Quando chicotes nodosos e grossos espinhos
Dilaceraram Seu corpo sagrado.
Mas em vão acuso
Aos chicotes nodosos e aos grossos espinhos;
Em vão culpo aos soldados romanos,
E aos mais desprezíveis judeus.
Vocês, meus pecados, meus cruéis pecados,
Foram Seus principais carrascos;
Cada um de meus crimes se converteu em um cravo,
E minha incredulidade veio a ser a lança.”
E logo, com o mesmo espírito, cheios de tristeza fizemos uma pergunta, e cantamos uma resposta penitencial—
“Meu Jesus, quem com cuspe vil
Profanou Teu santo rosto?
Oh, quem com um flagelo implacável
Fez brotar Teu precioso sangue?
Fui eu, que tenho sido muito ingrato
Mas, Jesus, tem misericórdia de mim!
Oh, Senhor meu, tem piedade de mim e
Perdoa-me,
Por Tua doce misericórdia! “
Talvez alguns de vocês não compreendam bem o que acabaram de cantar; mas alguns de nós nos declaramos culpados, de maneira sincera e consciente, da morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Nós sabemos que Ele não somente sofreu para apagar nossas transgressões, mas também por causa de nossas iniquidades. Isto não é muito claro para muitos de vocês; e não lhes peço que finjam que entenderam. Não podem entender porque têm algo a ver com a morte de Jesus, e por isso não são conduzidos ao arrependimento quando falamos desse tema; certamente imitam o exemplo de Pilatos em nosso texto, quando tomou a água e lavou suas mãos diante da multidão, dizendo:
“Inocente sou do sangue deste justo.”
O propósito do nosso sermão será despertar consciências adormecidas. Sem nos metermos em perguntas metafísicas relativas a se Pilatos teve ou não real participação na ação particular pela qual morreu Jesus, vou mostrar-lhes que de muitas maneiras, os homens cometem na prática um crime semelhante, e assim demonstrarei, que têm disposições similares àqueles antigos assassinos de Cristo. Ainda que repudiem a crucificação, a repetem, se não na forma, no espírito. Ainda que Jesus não esteja aqui em carne e osso, contudo, a causa da santidade e da verdade e de Seu divino Espírito ainda estão em nosso meio. E os homens reagem diante do reino de Cristo, que está estabelecido entre eles, da mesma maneira que os judeus e os romanos agiram contra o Deus encarnado.
É certo que nem todos os homens são igualmente Seus inimigos empedernidos, pois o Senhor falou de alguns que “maior pecado tem;” e poucos são tão culpados como Judas o traidor, esse filho da perdição; mas não importando a razão, a rejeição a Cristo é um grave pecado, e vocês serão uma grandiosa bênção evangélica se arrependem-se dele à maneira do profeta que disse: “E olharão para mim, a quem traspassaram; e pranteá-lo-ão sobre ele, como quem pranteia pelo filho unigênito; ”
Agora falarei sobre a história da apresentação de nosso Senhor diante de Pilatos, desde o momento em que foi enviado a Herodes até o tempo em que foi entregue aos judeus para que fosse crucificado, e vou tentar expor, mediante esta narração, várias formas na quais os homens matam a Cristo virtualmente, e por tanto, se tornam participantes da antiga transgressão que foi perpetrada em Jerusalém.
I. Primeiro, há alguns indivíduos (e são os que cometem o mais grave pecado) que são MANIFESTOS E DETERMINADOS OPONENTES DO SENHOR JESUS. Estes são homens que estão representados pelos principais sacerdotes e os anciãos do povo judeu, que desde muito tempo pediam o sangue do Salvador, porque não podiam suportar Seus ensinamentos. Nenhuma outra coisa os satisfaria além de sua eliminação da terra, pois Ele era um protesto vivo contra seus perversos atos. Eles o odiavam porque por causa de Sua luz, suas vidas depravadas eram censuradas. Estes foram os verdadeiros assassinos de Cristo, que se gloriavam em sua vergonha e desafiavam o castigo que mereciam, gritando: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”.
Todavia temos em nosso meio, pessoas que não podem suportar o ensino de nosso Senhor Jesus. A simples menção de Seu nome excita suas piores paixões; se enfurecem com sua simples menção. Oh, as coisas atrozes que alguns têm dito recentemente sobre o Cristo de Deus. Desconhecem a cautela quando se trata de insultá-lo. Se alguém mais houvesse sido caluniado como ele foi, a sociedade não teria tolerado essas línguas detestáveis. As acusações contra Jeová e Seu Filho pareceriam deliciosas guloseimas para os blasfemos modernos, guloseimas para comer com avidez. Minha carne se estremece quando penso nos duros comentários que os ímpios articulam contra Ele, que no dia de Sua humilhação suportou contra Si uma inarrável oposição dos pecados. Estas calúnias eram visivelmente absurdas e deveriam ter sido descartadas com o maior desprezo, se não fosse pela culpa dos homens; pois mediante estas expressões vemos que veneno de serpente há debaixo de seus lábios; sua boca está cheia de maldição e de amargura.
Não tratam da mesma maneira aos heróis de guerra, aos filósofos da antiguidade, nem sequer aos notórios flagelos da raça humana; a todos estes lhes concedem alguma benevolência, e muitas vezes lhes rendem homenagens questionáveis; mas quando se trata da pessoa e da vida de nosso bendito Senhor, a benevolência e a honestidade são descartadas; a menor intenção de entendê-lo é rejeitada, e Ele e os Seus são alvo de ridículo, de deturpação e de falsidade. Lhes concedem os mais grosseiros epítetos, dão a pior interpretação às Suas palavras, deturpam Suas ações e lhe atribuem motivos que lhe eram completamente estranhos. E esses homens se encontram no nosso meio, reclamando o direito de serem ouvidos.
Em todos os tempos sempre houve incrédulos e escarnecedores de Jesus; Mas em nossa época a humanidade usa uma linguagem mais imunda que usualmente. Antes, a incredulidade era filosófica e precavida, e encontramos grandes nomes em suas listas; mas agora seus advogados mais vociferadores, são fanfarrões à maneira de Tom Paine, homens que parecem deleitar-se ferindo os sentimentos das pessoas piedosas e esmagando qualquer coisa sagrada debaixo de seus pés. Estes são os verdadeiros seguidores dos homens cujas bocas rugiam “Crucifica-o, crucifica-o!” Não podem suportar que Jesus seja recordado e muito menos reverenciado. Eles argumentam ser “liberais”, e ter um coração aberto para todas as religiões; mas seu desprezo pela fé em Jesus, que desconhece qualquer mitigação, é manifestado em toda ocasião possível, evidenciando que o espírito de perseguição arde dentro deles. É inútil que estes indivíduos digam que não crucificariam a Cristo, pois o crucificam até onde seu poder os permite, por seus comentários blasfemos contra Ele.
Certo número deles concentra seu ataque contra a autoridade real e o poder reinante do Senhor Jesus. Exclamam contra Ele porque se atribui uma soberania universal. Eles não objetam tanto o cristianismo como um dos vários credos; mas não querem saber nada dele quando reclama ser o credo supremo. O Senado romano estava disposto a incorporar Jesus ao Panteão, em meio de outros deuses, mas quando se deram conta que o Cristo exigia uma adoração exclusiva, lhe negaram um lugar no círculo de adoração. Como o Evangelho afirma ser verdadeiro, e julga que os outros sistemas são falsos, de imediato provoca a oposição da escola liberal. Há homens hoje em nosso meio que dizem: “sim, há algo bom no cristianismo como também o há no budismo.” Ultimamente as pessoas têm se acarinhado maravilhosamente com este precioso budismo; qualquer ídolo seria aceitável para os homens contanto que lhes permitisse desfazer-se do Deus vivo. Não gostam de um Cristo que deve ser tudo ou nada para eles. Quando Ele diz que exterminará totalmente com os ídolos, e que quebrantará a Seus inimigos com vara de ferro, lhe viram as costas, pois são claramente inimigos de Jesus Cristo se Ele é entronizado como Senhor de tudo.
E temos a outros indivíduos de um molde mais brando que, apesar disso se agregam a este grupo, pois sua oposição é a Deidade de Cristo. Estes de fato afirmam: “Nós temo suma lei, e segundo nossa lei deve morrer, porque se fez a Si mesmo Filho de Deus.” Se indignam diante das doutrinas que os cristãos pregam sobre seu Deus e Salvador. Eles, quando muito, aceitarão que Cristo é o melhor dos homens, é o mais nobre dos profetas, é quase semelhante à Deidade, possivelmente um delegado de Deus, mas não se moverão de lá. Não lhes parece que “Todos honrem ao Filho como honram ao Pai”. Se Jesus é pregado como “Deus verdadeiro do Deus verdadeiro”, de imediato os escutamos gritando: “Fora, fora!” Quando proclamamos a Jesus como Rei sobre Sião, o santo monte de Deus, e dizemos dele “Teu trono, oh Deus, é eterno e para sempre,” eles se recusam a inclinar-se diante de Sua majestade divina. Na medida de suas possibilidades, destroem a divindade de Cristo e o reduzem a um simples ser humano. Como podem essas pessoas culpar aos judeus e aos romanos? Aqueles causaram a morte de Sua humanidade, mas estes quiseram destruir Sua Deidade. Por acaso sua culpa não é igualmente grave? Eu acuso a todos os que negam a Deidade de nosso Senhor, de serem seus assassinos, na medida do possível; pois eles atacam a Sua natureza mais nobre acometendo Seu poder divino e Sua Deidade. Que o Espírito de Deus nos acompanhe aqui para convencê-los de seu erro e os conduza a adorar a Jesus, que é exaltado pela destra de Deus.
Devo apresentar mui claramente a acusação em nome de Deus e da verdade. Os opositores declarados de Cristo, se estivessem vivos nos dias de Sua carne, teriam desejado que lhe tirassem a vida, pois, no que a eles concerne, Ele está morto para eles em Seu verdadeiro caráter, ou estão fazendo o mais que possam segundo sua própria consciência e influenciando na consciência de outros, para varrê-lo da existência. Se eles disseram que não haviam matado literalmente a Jesus na cruz, eu digo que o estão fazendo morrer de uma maneira que o rebaixe ainda mais, ou seja, a destruição de toda Sua influência na mente dos homens. Desprezando Sua expiação pelo meio do qual Ele reconcilia aos homens com Deus, voltando os corações dos homens contra Ele e influenciando-os para que rejeitem Sua salvação, estes homens fazem todo o possível para roubar-lhe a alegria que estava posta diante Dele, pelo qual sofreu a cruz, menosprezando o opróbrio. Por acaso isto não é nada? Matem-me se querem, pois eu viverei quando estiver morto pelas palavras que falei: mas consideraria um crime pior, que vocês tirassem das mentes dos homens tudo o que ensinei, e que jogassem fora todo o bem que procurei fazer. E se isto é assim com um simples mortal, muito mais o é tratando-se de Jesus: tirar Sua vida sobre uma cruz, é comparativamente menor que quando se declara: “não seremos influenciados por Ele, nem cremos nEle como Salvador e Deus, e na medida de nosso poder, vamos impedir que outros creiam nEle.”
Que propósito tão execrável para a vida de um homem, quão horrível fama para ser buscada por alguém: querer erradicar o Evangelho de Jesus. Terrível será o castigo deste pecado. Oh, opositor de Jesus, em lugar de ser menos culpado que os judeus do tempo de nosso Senhor, você é inclusive mais culpado. Você não está tirando a vida dEle de uma forma, mas a está tirando de outra, e o crime é com o mesmo espírito. Meu Senhor é cravado em uma cruz mística por suas cruéis palavras; vejo diante dos meus olhos um Calvário onde o Senhor Jesus é crucificado outra vez, e é exposto à vergonha pública pelos infiéis sarcasmos e céticas insinuações; O vejo escarnecido e reduzido a nada por aqueles que negam Sua Deidade e recusam-se a crer em Seu sacrifício. Basta disso!
Que a consciência esteja presente aqui, e que o Espírito de Deus esteja presente também, para que os homens não se atrevam a lavar-se as mãos em inocência, se foram antagonistas públicos de Jesus e se todavia ainda o são. Oh, que se voltassem para Ele, e se convertessem em Seus discípulos. Suas formosuras são tais que podem cativar a qualquer coração honesto: Seu ensino é tão ternamente razoável, tão cheio de doçura de luz, que é surpreendente que os homens não o recebam com alegria. Sua cruz é única: um Ser sofrendo que entrega Seu sangue, carregando com ofensas que não eram Suas, para que Seus próprios inimigos vivam! O conceito é tão estranho que nunca teria podido originar-se na mente egoísta de homem caído. Por sua própria reação, ele mesmo dá testemunho disto. Ai daqueles que lutam contra esta verdade, pois lhes custará muito caro. O que cair sobre esta pedra será quebrantado; e sobre quem ela cair, a esmiuçará. Olhem o que aconteceu ao povo judeu: eles mesmos foram crucificados por Tito em tão grande número que já não encontravam lenha suficiente para sua execução[3]. Jerusalém destruída é a consequência de Jesus crucificado. Tenham cuidado, vocês que lutam contra Ele, pois o Pai onipotente participará na rixa, e todas as forças da criação e da providência estarão debaixo de Suas ordens, para travar combate a favor da verdade e da justiça. O Nazareno triunfou e triunfará até o fim, quando ponha todos Seus inimigos debaixo de Seus pés. Oh, vocês que O odeiam, sejam sábios oportunamente, e ponham fim a esta luta sem esperanças, na que vocês lutam principalmente contra suas próprias almas.
II. Espero que não haja muitas pessoas aqui a quem se aplique esta primeira parte do sermão; vamos prosseguir com o segundo ponto. A consciência de Pilatos o remordia e desejava ansiosamente não condenar Jesus à morte. Contudo, não via como podia evitar isso, em vista de que os judeus o ameaçaram com acusá-lo de falta de lealdade a César, e esse César era a sombra do tirano Tibério, que era implacável em sua fúria. Depois de enviar seu prisioneiro a Herodes, descobre que não tem escape por essa via, portanto se aferra a uma segunda esperança. Diz à multidão que a tradição da festa requer que se solte um prisioneiro, o que eles quisessem. Pilatos espera que escolham a Jesus de Nazaré. Na verdade era uma esperança vã! Por casualidade havia outro Jesus na prisão nesse momento, digamos, Jesus Barrabás, que era um assassino, e além do mais, era culpado tanto de sedição como de roubo. Pilatos reúne os dois, e deixa que os judeus elejam. Seria um quadro impressionante se fosse assim na realidade, como sugere um autor da Vida de Cristo, que Pilatos efetivamente enfrentou os dois indivíduos diante da multidão. Vejam ali o assassino de rosto moreno e feroz, de olhar ameaçador, com todas as marcas de fúria e de ódio em sua cara, o homem surpreendido em flagrante, acostumado ao sangue, um bandido cuja específica profissão era a contenda! Ali está como um lobo, e junto a ele é colocado o manso Cordeiro de Deus. Olhem Seu rosto e verão tudo o que é bom, terno, benevolente e heróico. As encarnações do ódio e do amor estão diante deles; e Pilatos deixa que multidão decida. Sem duvidar por nenhum momento, eles gritam: “Este não, mas Barrabás. E Barrabás era ladrão.” O assassino é libertado, e Jesus, o inocente, fica para morrer.
Nisto terei que incriminar a uma segunda classe de homens: NO QUE SE RELACIONA À SUA ELEIÇÃO. Muitos de nós, pela graça divina, elegemos a Jesus para que seja nosso Salvador, Rei, e Senhor. É a base da nossa esperança eterna, e o manancial de nosso gozo presente: elegemos a Cristo para que seja o guia e o líder de nossas vidas, e não nos envergonhamos da eleição. Foi feita deliberada e solenemente, e a renovamos dia após dia—
“O alto céu que ouviu o juramento solene,
Esse voto é renovado diariamente ,
Até que nos inclinemos na última hora de vida
E abençoemos na morte um laço tão amado. “
Temo que alguns de vocês não elegeram a Cristo; mas, o que vocês têm eleito? Permitam-me mencionar dois ou três objetos da eleição humana, dignos de identificar-se com o Barrabás dos tempos antigos. Muitos têm eleito a concupiscência para que seja seu deleite: não pintarei este monstro repugnante; não tenho as cores para fazê-lo. É uma coisa asquerosa e bestial: a face da modéstia se ruboriza diante da simples menção. Contudo, pelos prazeres desenfreados, Cristo é descartado. Pela mulher estranha muitos homens desperdiçaram suas almas, e elegeram a infâmia em lugar da glória. Desculpo pela metade aos judeus que escolheram Barrabás, quando vejo um homem obedecendo às concupiscências da carne em lugar de obedecer a Cristo; contudo, provavelmente estou dirigindo-me a indivíduos que se entregam secretamente a suas paixões mais baixas, e, portanto não se animam a converterem-se em cristãos decididos. Eles sabem que não podem ser seguidores de Cristo e ainda assim se entregarem à lascívia e à fornicação, portanto, por este vil desenfreio, não se aferram a Jesus.
Frequentemente me encontro com pessoas que elegeram outro Barrabás em lugar de Jesus. Tomando emprestado um termo do paganismo, o chamarei de Baco. A bebida é o demônio que escraviza a milhões. É um vício que degrada aos homens, que deforma a imagem de Deus neles. Na realidade insultamos as bestas quando dizemos que um bêbado afunda ao nível das bestas, pois o gado nunca chega tão baixo como o bêbado. Ai, conheci homens, ai, e mulheres também, que tem escutado o Evangelho, e em certa medida tem sentido seu poder, e contudo, por este pecado tem vendido suas almas e tem renunciado a seu Salvador. Nenhum bêbado tem a vida eterna morando nele; e, falando claramente, há cristãos que professam a fé, que merecem ser designados como bêbados. Digo que preferem o demônio da bebida ao santo Senhor Jesus. Vocês condenam aos judeus por eleger a Barrabás: onde encontrarão um advogado que os defenda quando elegem a bebedeira? Se foi pecaminoso que eles elegessem a um assassino, que será para vocês que elejam a este vício maldito, que assassina a centenas de milhares de pessoas? Oh, este vício nacional nosso, o vício que converte esta nação em um refrão e um provérbio entre as nações da terra! Que direi dele? E o colocarão como rival de meu Senhor? Oh, é uma vergonha, uma cruel vergonha que à bebedeira se dê preferência sobre Aquele que nos amou e se entregou por nós!
“Bem, bem,” dirá alguém, “eu não caio nesse pecado.” Não, meu amigo, mas o que é que você escolhe em vez de Cristo? Pois, se não o senta no trono do seu coração, está elegendo algo mais. Por acaso não quer ser cristão porque quer escapar dos problemas e quer ser feliz e estar tranquilo desfrutando da vida? Não elege nenhum caminho em particular que seja ostensivamente vicioso. Prefere ser um pecador moderado e cuidar-se, e ser comedido em todo o pensamento e ansiedade sobre a morte, o céu e inferno. Pensa que por ter uma vida livre de preocupações é mais feliz que se te submetesses a Jesus. Está vivendo sob uma falsa premissa; mas uma coisa é clara: o “eu” é seu deus, e essa é uma deidade tão abjeta como qualquer outra. O idólatra que adora a um deus de ouro ou de prata, de pedra ou barro, não é tão degradado como o homem que adora a si mesmo. A adoração do ego é, em verdade, uma baixeza terrível. Quando eu sou o meu próprio deus, ou meu estômago é meu deus, pode haver um abismo mais profundo? Se vivo somente para desfrutar a vida de forma tranquila, e não me importa Deus, o Cristo, ou as coisas celestiais, que eleição estou fazendo. Pense nisso e envergonhe-se. Oh, vou repetir, em muitas eleições que os homens fazem enquanto ao objetivo de suas vidas, pecam precisamente como pecaram os que descartaram a Cristo e elegeram a Barrabás. Não digo mais. Que o Espírito Santo os faça compreender esta verdade que tristemente os condena.
III. Em terceiro lugar, Pilatos, vendo que não poda liberar a seu prisioneiro assim, o entrega nas mãos dos soldados que, imediatamente, começam a divertir-se com Ele e O tratam como objeto de escárnio. As palavras são cruéis, e são suficientes para provocar as lágrimas de todos os que as leem: “Pilatos, pois, tomou então a Jesus, e o açoitou. E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, lha puseram sobre a cabeça, e lhe vestiram roupa de púrpura.” “Eu sou inocente disso,” clama um de meus leitores. Que! Realmente tem certeza que é livre do PECADO DE DESPREZO E DE CAUSAR DOR A JESUS? Escute um momento. Quando esteve tão ocupado com os assuntos do mundo que não pudeste pensar nEle; quando esteve tão ávido de ser rico que ridicularizou as verdadeiras riquezas, não se dá conta que estava tecendo uma coroa de espinhos para colocar em Sua cabeça? Sua loucura ao desprezar sua própria alma, o fere dolorosamente. Causa-lhe pena, e não pode suportar ver que os espinhos deste mundo sejam a colheita que semeies e recolhas. Se não tivesse um coração tão amoroso e tanta ternura de espírito não importaria, mas esta crueldade para contigo mesmo é crueldade para com Ele, e virtualmente quando estiveste cheio de cuidados e ansiedades relativos ao mundo, e não tiveste cuidado e interesse sobre Ele, ou no relativo a tua própria alma, tu colocaste uma coroa de espinhos sobre Sua cabeça. Por acaso isto não é nada?
Permita-me perguntar-te: quando chegou na igreja em um domingo, como sempre o faz, e pretendeu adorá-Lo, ainda que não o ame, se dá conta do que há feito? Tu zombaste Dele quando tua adoração foi fingida e desta maneira o vestiste com um manto de púrpura. Pois esse manto de púrpura significava que o faziam rei nominal, um rei que não era de verdade, mas um simples espetáculo. Tua religião de domingo, que foi esquecida durante a semana, foi uma haste de cana, uma insígnia impotente, um simples engano. Divertiu-se e o insultou até mesmo com seus hinos e com suas orações, pois sua religião é uma pretensão, não tem coração; entregaste uma adoração que não era adoração, uma confissão que não era confissão, e uma oração que não era oração. Não é mesmo? Peço-lhes que sejam honestos com vocês mesmos. Por acaso não é assim? E logo durante a semana inteira, não preferiram qualquer pessoa em lugar de Jesus? Não preferiram qualquer livro em lugar da Bíblia? Não preferiram qualquer exercício à oração? Não preferiram qualquer diversão à comunhão com Ele? Os objetivos políticos os incitaram, mas não a glória do Senhor nem a expansão de Seu reino. Isto não é desprezar a Jesus? Não é zombar dEle?
Por acaso muitos de vocês não estão cansados do Senhor? Cansados do domingo? Cansados dos sermões sobre Jesus? Cansados do sangue da expiação? Cansados de louvar o Redentor? O que é isto senão desprezo por Ele?
Demasiadas pessoas zombam inclusive acerca das coisas mais sagradas: se não zombaram pessoalmente de Jesus, ridiculizaram Seu povo por causa Dele, e se divertiram às custas do Evangelho. Alguns fazem da religião um espantalho, e a piedade é tratada como um refrão, os escrúpulos de consciência são desprezados como coisas absurdas e fora de moda, e a devoção a Cristo é rebaixada até que se pareça com a loucura. Sabemos que é assim, inclusive entre os que ouvem o Evangelho, e creem no exterior. Há um desprezo pela vida e o poder do Evangelho: conhecem e honram seu nome, mas não valorizam a realidade da piedade vital. Algumas vezes suas consciências trovejam com força dentro deles, e então se veem forçados a desejar aquilo que outras vezes desdenharam. Menosprezam o sangue de Jesus, mas fingem ser participantes de Seu poder que perdoa.
Temo que nenhum de nós se atreverá a lavar as mãos por isto, como um pecado de nossa natureza caída. Houve um tempo quando muitos de nós que amamos a Jesus agora, e poderíamos beijar cada uma de Suas feridas, tínhamos uma opinião tão ruim a respeito Dele, que para nós qualquer coisa era melhor que Ele. A história de Seus sofrimentos era aborrecida como um conto banal; e no relativo a entregarmo-nos a Ele, o considerávamos uma expressão fanática ou um sonho cheio de entusiasmo. Bendito Salvador, Tu nos perdoaste: perdoa a outros que estão fazendo o mesmo.
IV. Tenho poucos minutos para dedicar a cada ponto; assim que devo falar agora de outro pecado do qual muitas pessoas são culpadas, ou seja, O PECADO DA INDIFERENÇA EM RELAÇÃO AOS SOFRIMENTOS DE NOSSO SENHOR. Pilatos pensou que tinha outra opção para deixar que o prisioneiro se fosse, e a ensaiou. Açoitou a Jesus. Não direi a vocês quão terríveis eram os açoites dos romanos. Não poderia igualar-se a nada com exceção do knut dos russos[4]. Era a mais terrível das torturas. Muitos morriam ao serem açoitados, e quase todas as vítimas desmaiavam depois de uns quantos açoites: em consequência deles o corpo humano era reduzido a uma massa de carne machucada, sanguinolenta e abalada. Quando o Salvador era todo uma massa de feridas e machucados, Pilatos o apresentou à multidão, dizendo: “Eis aqui o homem”, apelando a algum traço de humanidade que esperava que os principais sacerdotes e anciãos porventura tivessem. “Eis aqui o homem!”, disse. “Acaso isso não é suficiente? Está esmagado e golpeado e sangrando por todas as partes, e isso não é suficiente?”, mas eles não sentiam absolutamente nada por Ele, e só gritavam: “Morra!” Se o espetáculo de dor que apresentava nosso Senhor nesta ocasião não te comove, é uma prova lamentável da dureza de teu coração. Acaso não há muitos que leem a história de Seus sofrimentos sem emoção?
Desprezado, injuriado, coroado de espinhos e açoitado, nosso Senhor se destaca como o Varão de Dores, como o Monarca de misérias. Agonias incomparáveis! Dores únicas e inigualáveis! Acaso não derramarás lágrimas por Aquele de quem os soldados zombaram e a quem os judeus ridicularizaram? Não? Acaso é possível que respondas: “Não”? Acaso escutaste a história tantas vezes que já tem menos efeito que um conto ocioso? Que vergonha! Que vergonha! E o pior de tudo é que não afete os homens quando recordem que estas dores foram suportadas voluntariamente por amor, e não por necessidade nem por nenhum outro motivo egoísta. Suas dores foram suportadas por causa de Seus inimigos. Ele ordenou a Seus discípulos que começassem a pregar em Jerusalém para que os homens que cuspiram em Seu rosto soubessem que podiam contar com Sua compaixão, e que Ele havia provado a morte por aquele que transpassou seu coração. Ele morre orando por Seus assassinos. Como é possível que seja assim! Que um homem morra por seu amigo, é algo nobre e admirável; mas que um homem morra por aqueles que lhe tiram a vida é o espetáculo mais extraordinário que os anjos jamais podem contemplar.
Temos que considerar isto também, que toca da maneira mais terna aos crentes: nosso Senhor sofreu assim por nós. Em Sua morte está nossa esperança, pois do contrário estaríamos perdidos para sempre. Se não tivéssemos parte e porção nos méritos da agonia, então não teríamos nenhuma esperança, a não ser aguardar com terror o juízo e a feroz indignação. Acaso não nos lamentamos quando vemos Jesus agonizando? Oh sentimento, tu me abandonaste e te realizaste nas bestas, e os homens perderam a razão. Certamente nossos corações serão como a rocha em Horebe. Golpeadas pela vara da cruz, de nossas almas correrão rios de dor penitencial. Mas nisto há uma maravilhosa prova de nossa culpa: temos compaixão por qualquer pessoa exceto pelo Salvador; podemos chorar por nosso cachorrinho de estimação, e contudo podemos ouvir sobre os sofrimentos de Cristo com absoluta indiferença. Existem multidões de pessoas deste tipo, e rogo ao Espírito de Deus que toque suas consciências sobre este assunto da frieza a Jesus.
Mas devo apressar-me, ainda que quisesse deter-me um pouco mais, deixando a ampliação destas acusações para suas meditações.
V. Há outro crime do qual muitos são culpados, que foi cometido pelo próprio Pilatos, e esse foi o crime DA COVARDIA. Não menos de três vezes, Pilatos disse de nosso Senhor: “Não acho culpa alguma neste homem”, contudo não O soltou. Ele mesmo reconheceu: “Não sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar,” e, contudo, não exerceu a autoridade para soltá-lo. Por covardia não se atreveu a soltar seu prisioneiro, perfeitamente inocente. Ele sabia, mas não agiu com base em seu conhecimento. Acaso tenho pessoas diante de mim cujo conhecimento supera em muito a prática? Isto, na verdade, será um dos vermes do inferno que nunca morrem: o remorso de uma consciência instruída e negligente. Sobre a porta de sua prisão, os condenados lerão esta inscrição: você conhecia seu dever, mas não o cumpriu. O conhecimento que faz responsáveis aos homens por seus atos aumenta a responsabilidade na medida em que aumenta o conhecimento, e com ele aumenta sua culpa e seu castigo.
Além disso, Pilatos não somente conhecia seu dever, ele queria cumpri-lo à sua maneira. Podemos quase sentir pena desse covarde vacilante. Vejam como luta para soltar a Jesus de alguma maneira indireta que não lhe custe nada. Ele deseja, decide e logo volta atrás. Como um barco sacudido por ventos contrários, em um momento quase se encontra em porto seguro mas subitamente é lançado mar adentro.
Oh, a quantidade de desejos sem realizar que alguém poderia recolher neste Tabernáculo, da maneira como os homens recolhem as frutas maduras que o vento lança das árvores. Os homens desejam arrepender-se, desejam crer, querem decidir, desejam ser santos, desejam ter a paz de Deus; mas seus desejos não os levam a uma decisão prática, é assim perecem no umbral da misericórdia. Sua bondade termina em desejos vãos, que não fazem nada mais que evidenciar sua responsabilidade, e desta maneira asseguram sua condenação. Contudo, para ser justos, devemos admitir que Pilatos fez algo mais que desejar; ele falou a favor de Cristo. Mas tendo falado em favor de Jesus, não procedeu à ação, como estava obrigado a fazê-lo. É possível que um homem diga com sua língua: “não acho culpa alguma neste homem,” e que em seguida, por meio de suas ações condene a Jesus entregando-o à morte. As palavras são uma pobre homenagem para o Salvador. Ele não salva a humanidade com palavras, e não deve ser retribuído da boca para fora.
Pilatos foi suficientemente arrojado ao falar, mas em seguida se retraiu diante dos clamores da multidão; e, contudo, Pilatos podia ser firme algumas vezes. Quando Jesus foi cravado na cruz, os sacerdotes rogaram a Pilatos que mudasse a acusação que estava escrita sobre Sua cabeça, e Pilatos não cedeu, mas replicou: “O que escrevi, escrevi”. Por que não demonstrou um pouco de firmeza quando Jesus ainda estava vivo? Pilatos não era um ser completamente frágil e afeminado como para que fosse incapaz de fazer pé firme; se o fez uma vez, podia ter feito antes, e assim poderia ter se salvado de cometer tamanha transgressão. Não há Pilatos aqui, pessoas que poderiam ter sido cristãs se houvessem possuído suficiente valentia moral? Algum companheiro louco zombaria deles se houvessem se transformado em pessoas religiosas, e isto eles não podiam suportar. Pobres covardes!
Outro dia escutei a história de um jovem que não se atreveu a orar em um quarto onde dormiam mais dois ou três sujeitos; e assim, como um pusilânime, se meteu em sua cama e sucumbiu ao medo do que diriam. Meu medo é saber que há homens que preferem ser condenados a sofrer zombaria. Outra pessoa tem um companheiro perverso, e sabe que deve terminar esta amizade se converte em um seguidor de Jesus: ele gostaria de fazê-lo, mas carece de valentia. Oh, tu, que recusas tudo o que implica servir a Cristo, por medo do que dirão, por acaso não sabes qual é a porção dos medrosos? Oh, vocês que são tão temerosos, como é possível que Jesus esteja coberto de chagas e vergonhas por vocês, e que vocês tenham vergonha Dele? A morte se aproxima velozmente a Ele, e vocês, ainda escondem seu rosto Dele? Na verdade, isto é crueldade, tanto com Cristo como com vocês mesmos. Não podem separar-se de seus inimigos? “Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; E não toqueis nada imundo,” Não abraçarás Sua causa? “Se alguém me serve, siga-me.”
Mediante esta covardia faz tudo o que está a teu alcance para tirar a vida de Cristo. “Como?”, perguntarás. Bem, suponha que todo mundo agisse como você, haveria cristianismo no mundo? Se todo mundo fosse covarde, haveria alguma igreja na terra? Por acaso não está assassinando a Cristo e está enterrando a Cristo, na medida de suas possibilidades? Não está destruindo Sua influência e debilitando Sua igreja quando se recusa a reconhecê-lo? Por acaso não é assim? Pensa nisso. Está rejeitando influenciar de alguma forma ao mundo, a favor de Jesus. Ainda que haja multidões muito ativas em desprezar a Jesus e em se opor a Ele, você não estende uma mão por Ele. Por que não sai e diz: “eu estou de Seu lado”? Por sua suposta neutralidade age como inimigo. Inimigo Dele. Você deve estar de um lado ou do outro, agora que escutou o Evangelho, pois Jesus disse: “Quem não é comigo, é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha.” Você está contra Ele, e está espalhando. Suponha que outros sigam seu exemplo. “Bem,” dirás, “não há nada mau no meu exemplo, exceto que não sou cristão.” Precisamente por isso, já que sob alguns aspectos, este seu exemplo o converte em um agente com mais poder para o mal.
Eu não creio que o exemplo de um bêbado reconhecido possa influenciar aos jovens para que se entreguem à bebedeira; ao contrário, muitos são advertidos pelo deplorável espetáculo, e fogem e se entregam a uma total abstinência pelas dúvidas. Com frequência recebo jovens de ambos os sexos como membros desta igreja que são totalmente abstêmios, devido a que a bebedeira do pai fez com que os filhos fossem tão desgraçados, e seu lar tão pobre, que passaram a abominar esse vício maldito. Vejam, então, como um mau exemplo, se praticado excessivamente, pode perder seu poder maligno.
Seu caso é diferente; seu exemplo é, em alguns sentidos, admirável, e logo joga ao lado do diabo. Quanto melhor for, mais dano estará causando ao colocar-se ao lado do mal. Na medida em que é um ser moral, excelente e amigável, é precisamente o homem cuja influência Cristo deve ter a Seu lado, e se você é a causa para que ajam contra Ele, o fato é ainda mais deplorável. Se o peso de seu caráter motiva os homens a ignorar as exigências do Filho de Deus, que é isto senão tramar espiritualmente a morte de Jesus?
Por último, e, oh, que o Espírito de Deus abençoe este amargo remédio quando seja aplicado ao coração, para que sintas as dores da penitência no dia de hoje: está o pecado da HIPOCRISIA BASEADA NA JUSTIÇA PROPRIA. Pilatos cometeu plenamente esse pecado. Tomou água e lavou as mãos, dizendo: “Estou inocente do sangue desse justo; considerai isto.” Que contradição! Ele é inocente, mas lhes dá a permissão para ser culpados. Eles não podiam assassinar ao Senhor sem sua autorização; ele outorga a permissão necessária, e contudo, diz: “Inocente sou.” Acaso não vejo a um indivíduo da mesma laia por ali? Esse indivíduo diz: “eu não desprezo a Cristo, nem falo palavra alguma contra Ele. Sou perfeitamente inocente de qualquer má vontade em relação a Ele. Claro que se outros se opõem a Ele, podem fazê-lo, pois estamos em um país livre: que cada um faça o que quiser, mas eu estou perfeitamente livre de culpa.”
Um homem não age dessa maneira quando vê que alguém está sendo assassinado. Não fica olhando nem afirma que preferiria não interferir. Diz que não podes evitar as opiniões de outros. Por acaso não possui sua própria opinião sobre Jesus? Dizes: “não; não penso nunca nEle? Por acaso isso não é desprezo? Prefere não ter nenhuma opinião sobre Aquele que afirma ser seu Deus? Sobre aquele que tem que ser seu Salvador, e se não o é, perecerás para sempre? Não pode desviar-se dessa maneira. Agora que a rebelião está se armando, precisa tomar partido: tem que ser leal ou converter-te em traidor. O estandarte está desfraldado, e cada qual tem que tomar partido. Sua negligência em relação a Jesus contradiz sua posição neutra. Você pretende não meter-se com Ele, mas isso acaba sendo fatal. Um homem está preso naquele aposento alto daquela casa em chamas, e você pode salvá-lo. Mas você recusa-se a envolver-se na questão, pois para você é algo indiferente, e assim, deixa tudo nas mãos dos bombeiros e de seus ajudantes. Enquanto isso, o homem perece porque recusa-se a ajudá-lo. Eu digo que não tem desculpa: o sangue desse homem jaz à tua porta. Era seu dever tê-lo resgatado. Assim, o Senhor Jesus Cristo vem aqui entre os homens e é perseguido. Você fala tranquilamente: “sem dúvida é lamentável, mas não posso evitá-lo.” Perfeito; mas por sua falta de ação, está se colocando ao lado de Seus inimigos.
Você diz que é tão justo que não necessita de um Salvador? Isso, na verdade, é esbofetear a face de Jesus. Ele vem para ser um Salvador, e você diz a Ele que é supérfluo; que você é tão bom que podes defender-se sozinho, sem necessidade de ser lavado com Seu sangue. Isto é cuspir em Seu rosto, é dizer a Ele que foi um louco ao morrer por ti. Por que haveria de derramar Seu sangue se é um inocente sem necessidade disso? De fato, acusas a Deus de insensatez por ter provido uma grandiosa propiciação quando as pessoas boas, como tu és, não necessita nada parecido. Não creio que alguém possa insultar O Filho do Deus Altíssimo, de maneira mais grosseira, na verdade, é crucificá-lo! O homem com justiça própria que diz: “eu estou limpo,” retira a glória do sacrifício de Cristo, retira o propósito de Sua vida, a dignidade de Sua pessoa, a sabedoria de Sua obra inteira. O próprio coração de Deus está posto no propósito da morte de Cristo, e apesar disto, o homem com justiça própria considera isto uma insensatez.
Vamos, amados leitores, não há espaço para que nenhum de nós acuse a seu semelhante: vamos todos aos pés de Jesus com humildes confissões, a Jesus que ressuscitou dos mortos, e digamos a Ele em coro, cheios de tristeza—
“Estas dores pertencem a mim,
Sou eu que devo sofrer por minha perversidade,
Com os pés e as mãos amarrados com fortes correntes,
Teus açoites, teus grilhões, todo o resto
Que suportaste, minha alma deve sofrer,
Pois eu sim mereci estes tormentos.
Contudo, por minha causa Tu levaste
Sobre Ti, em amor, todas as cargas
Que esmagavam meu espírito contra o chão:
Sim; foste feito maldição por mim,
Para que eu possa ser abençoado através de Ti:
Minha saúde se encontra em Tuas feridas.”
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