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Até que a morte os separe
Crônica do livro ´´Apetite Famélico ``, Ed. Totalidade
Alexandru Solomon

Resumo:
Espero que um dia encontre uma amiga que seja sin­cera, autêntica, verdadeira e, acima de tudo, sua amiga como fui. ACABOU!

São Paulo, 4 de março de 1998.

Prezada senhorita Elvira,
Foi realmente um prazer ter podido conhecer você. Atrevo-me a escrever, na esperança de não ser consi­derado inoportuno. O fato de o Jorge ter-nos apre­sentado, na festa da Lúcia, foi uma iniciativa sim­plesmente brilhante. As poucas palavras que troca­mos, me deram a certeza de ter estado na pre­sença de alguém muito especial. O fato de você morar em São José dos Campos me entristeceu, não por não gostar da cidade, mas sim por tornar mais difíceis os nossos contatos. Claro, espero que você pense igual.
Por ora é só.

Um grande abraço,
Cláudio
P. S. Gostaria tanto de poder entregar-lhe pessoal­mente esta carta.


São José dos Campos, 7 de março de 1998.

Prezado Cláudio,
Escrevo num domingo chuvoso, que foi ale­grado por sua carta. Realmente, foram palavras bem gentis. Terei grande satisfação em trocar cartinhas com você. Não sei muito bem o que escrever, mas repito, fiquei contente com a sua gentileza.

Um abraço joseense,
Elvira

São Paulo, 10 de março de 1998.

Prezada Elvira,
Apesar de curtinha, sua mensagem me deu muita alegria. Estive pensando na possibilidade de corres­ponder-nos pela Internet... Assim, o fator distância passará a pesar muito menos. Você está conectada na Internet?
Por enquanto, manter este contato já é suma­mente gratificante para mim.
Não tive oportunidade de falar muito a meu res­peito, mas saiba que sou solteiro. Apesar de não pare­cer, já tenho 29 anos, trabalho num bom em­prego e acho que está chegando o momento de pensar em compromissos mais sérios. Fale-me um pouco de você, se não for muita impertinência minha solicitar-lhe tal coisa.
Aguardo a sua resposta e, olha, com muita ansie­dade.

Um abraço e até breve, espero.
Cláudio

São José dos Campos, 14 de março de 1998.

Prezado Cláudio,
Escrevo novamente num domingo, mas espero que vá me perdoar. Não foi preguiça. É que mamãe teve que se submeter a uma pequena cirurgia e, lógico, eu a acompanhei ao hospital. Está tudo bem agora. Mas nem sei como me atrevo a escrever, durante a espera, enquanto torcia pelo sucesso da operação, meu pen­samento voou para São Paulo.
É tudo por hoje.

Até breve,
Elvira

São Paulo, 17 de março de 1998.

Prezada Elvira,
Ainda bem que não tive de passar pela sua angús­tia, mas você bem que poderia ter me dito algo a res­peito dessa cirurgia. Saiba que teria estado junto. Pelo menos em pensamento.
Não me respondeu a respeito da Internet, mas en­tendo, esteve tão preocupada que até é insensibili­dade minha insistir nesse tipo de pergunta. Adorei saber que, por segundos que fosse, seu pensamento voou para São Paulo. Espero não ter sido em direção ao Detran. Brincadeirinha...
Sinto agora necessidade de falar mais com você. Parece que já nos conhecemos faz tempo, mas, na verdade, nada sabemos um do outro. Creio que, justa­mente por saber tão pouco a seu respeito, fico cada vez mais ansioso por notícias suas.
Talvez para você isto não seja tão importante, mas breve começaremos a entender melhor os nossos comportamentos. Será?

Um abraço,
Cláudio

São José dos Campos, 19 de março de 1998.

Oi, Carlinha,
Dê uma olhada nestas cartas que estou lhe man­dando. Nem preciso lhe dizer que, se comentar algo com quem quer que seja, o Fábio vai acabar desco­brindo e aí vai dar rolo.
Eu sei que você é de confiança. Que acha desse cara? Olha, a cara dele é bem melhor do que aquilo que ele escreve.

Beijinhos,
Elvira


São José dos Campos, 19 de março de 1998.

Cláudio,
Estou me acostumando (mal) com as suas cartas. Para ser franca, gosto de lê-las. Tanto é que você po­deria até escrever um pouco mais. Eu sou bem pre­guiçosa para escrever, mas como disse, adoro ler. Es­creva mais.
Vê se demora menos, viu?

Elvira


Taubaté, 21 de março de 1998.

Oi, Elita,
Você e as suas confusões. Pena que já não mora­mos na mesma cidade, aí é que poderíamos fazer umas boas fofocas. Dizer o que a respeito desse Cláu­dio??? Tem um cheirinho de naftalina, mas, quem sabe, espanta essas traças que giram em torno de você. Sabe que acho o Fábio meio intragável. Qual­quer mudança seria para melhor. Fale-me do Zeca. Já voltou pra Marilu e a besta aqui sonhando na janela? Olha, pela primeira vez sinto uma pontinha de inveja de você.
Beijões,
Carla

Taubaté, 21 de março de 1998.

Prezado Senhor Cláudio,
Provavelmente, vai achar muita audácia de minha parte escrever-lhe, sem ao menos termos sido apre­sentados. Elvira me falou a seu respeito e me disse que estão trocando cartas toda hora. Foi assim que obtive seu endereço.
Pode me achar linguaruda, fofoqueira ou até pior, mas acho que devo dizer-lhe para tomar cuidado com Elvira. Apesar de nos conhecermos há muito tempo, ou exatamente por causa disso, sempre fiz restrições ao comportamento dela.
Por favor, entenda, não é má menina. Apenas não gostaria de ficar calada, vendo-a iludindo mais um. Acho que melhor teria sido se eu não me introme­tesse, mas agora que já pulei na piscina, o jeito é ba­ter pernas para não me afogar. Não me queira mal, por favor.

Um abração amigo,
Carla
P. S. Esqueci-me de mencionar, ela é quase noiva. Achei que devia lhe dizer isso e não sabia como.


São Paulo, 24 de março de 1998.

Olá, Elvira,
De fato, quando falou numa certa preguiça sua para escrever, percebo que não estava mentindo. Gostaria de saber mais coisas a seu respeito. Acabo de saber que você é quase noiva. Por que me escon­der? Fiquei magoado.

Um abraço triste,
Cláudio


São Paulo, 24 de março de 1998.

Senhorita Carla,
Não considero fofoca falar a verdade. Pelo contrá­rio, imagino que pode não ter sido fácil contar-me tudo. Apreciei muito seu gesto. Quem sabe, um dia lhe agrade­cerei pessoalmente.
Não sei o que sabe a meu respeito, mas gostaria de lhe dizer que sou uma pessoa franca e, por isso mesmo, as suas revelações, que para outros poderiam soar como traição, para mim representaram apenas a demonstração do seu apreço pela verdade.

Um grande abraço,
Cláudio

São José dos Campos, 28 de março de 1998.

Cláudio,
Sinceramente, não entendi o que você quis dizer. Esse termo de quase noiva é muito engraçado. Ora, eu tive vários namorados e imagino que você também deva ter tido várias namoradas. A sua cobrança só não me deixou mais chateada, pois demonstrou, por vias tortas, o seu interesse por mim. Desta forma, fico indiretamente contente por não me sentir numa via de mão única. Será que consegui ser clara? Quanto à Internet, estou conectada, só que, por enquanto, a conexão é horrível e tenho medo de que os meus e-mails possam ser lidos por terceiros.
Um abração,
Elvira


São Paulo, 2 de abril de 1998.

Prezada Elvira,
Acho que, mais do que nunca, seria hora de nos encontrarmos. Com certeza temos muitas coisas a nos dizer. Por carta será sempre muito difícil. Tem um amigo meu que adora repetir, a toda hora, que as fa­lhas da comunicação escrita podem derrubar os rela­cionamentos mais fortes. Não gostaria de correr este tipo de risco e pôr a perder um vínculo gostoso.
Gostaria de saber o que pensa a respeito.

Um abraço,
Cláudio


São Paulo, 2 de abril de 1998.

Prezada senhorita Carla,
Acho que mais do que nunca seria hora de nos en­contrarmos. Com certeza temos muitas coisas a nos dizer. Por carta será sempre muito difícil. Tem um amigo meu que adora repetir a toda hora que as fa­lhas da comunicação escrita podem derrubar os rela­cionamentos mais fortes. Não gostaria de correr esse tipo de risco e pôr a perder um vínculo gostoso.
Gostaria de saber o que pensa a respeito.

Um abraço,
Cláudio
P. S. Você era a ruivinha que ganhou o concurso de tango na festa da Lúcia o mês passado?

Taubaté, 4 de abril de 1998.

Elita,
Não sei como esse Cláudio me achou, talvez alguém lá no casamento da Lu tenha dado meu endereço, mas, olha, ele quer marcar um encontro comigo. Acho que você deveria saber disso. Olha que estou te avi­sando como amiga que sou. Para lhe provar a minha boa fé, estou lhe enviando a carta dele.

Beijinhos,
Carla

Taubaté, 4 de abril de 1998.

Cláudio,
Levei um susto, mas foi um susto gostoso. Vamos marcar sim.

Beijinho,
Carla

São José dos Campos, 6 de abril de 1998.

Cláudio,
Você não presta. Creio que não devamos nos ver. Convide a Carla e sejam felizes. Como foi que eu soube? Ela mesma me contou, melhor ainda, me mandou a sua carta...

Elvira


São José dos Campos, 6 de abril de 1998.

Carla,
A carta que ele lhe mandou, é a cópia da carta que me enviou. Ou será o contrário? Veja você mesma!!!

Elvira


Taubaté, 9 de abril de 1998.

Cláudio,
Você não tem caráter. Quer dançar em duas festas ao mesmo tempo? Pois comigo dançou.
A Elita me mostrou sua carta, na qual marcou um encontro com ela. Mas que falta de imaginação a sua. Repetiu palavra por palavra a mesma coisa para as duas.

Carla


São Paulo, 11 de abril de 1998.

Elvira,
Eu apenas quis conhecer a Carla, essa boa amiga sua, que me avisou que você era quase noiva. Mas acho que, depois do que me escreveu, é melhor pa­rarmos por aqui. Não sabia que você divulgava o con­teúdo das cartas que recebia. Que caráter!!!
Para não ficar devendo nada, eis aqui a carta na qual ela me avisou que tipo de pessoa você é. Acho que ela tem razão.

Cláudio

São Paulo, 11 de abril de 1998.
Carla,
Você fez fofoca, mostrou a carta que lhe enviei para a sua amiga, da qual falou horrores. Nada mais temos a nos dizer.

Cláudio


Taubaté, 15 de abril de 1998.

Carla,
Você uma víbora, fique longe de mim.

Elvira

São José dos Campos, 17 de abril de 1998.

Elita,
Você não passa de uma eternamente frustrada com a ventura das outras. Nem quero mais saber de você. Espero que um dia encontre uma amiga que seja sin­cera, autêntica, verdadeira e, acima de tudo, sua amiga como fui. ACABOU!

Carla
P. S. Como gostaria de lhe entregar pessoalmente esta carta!


Biografia:
Alexandru Solomon, empresário, escritor. Formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar`, ´Um Triângulo de Bermudas`, ´O Desmonte de Vênus` (Ed. Totalidade), ´Bucareste`, ´Plataforma G` e ´A luta continua` (Ed. Letraviva). Livrarias: Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Cultura (www.livrariacultura.com.br), Loyola (www.livrarialoyola.com.br), Letraviva (www.letraviva.com.br). | E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br
http://blogdoalexandrusolomon.blog.terra.com.br

Este texto é administrado por: Celso Fernandes
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