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  Texto selecionado
A caveira e a rosa
João Felinto Neto

Resumo:
A literatura poética enfatiza emotivamente uma história, põe estrelas e soluços de maneira peculiar a ela, tornando o céu, à noite, mais bonito e as lágrimas mais comoventes. Dessa forma, eu trato minha narrativa, e procuro desmistificar a morte usando seu próprio símbolo, a caveira e traduzo a vicissitude da vida, no amor, através de uma rosa. Não importam o bem e o mal; as emoções sejam quais forem, devem ser vividas. Devido à incógnita do pós-morte não nos dá certezas, é que devemos viver a dúvida. Não sejamos hipócritas para alcançarmos o céu, sejamos verdadeiros para vivermos na terra. Eis a proposta de A caveira e a rosa.

A um guia religioso,
Inquire um bom homem:
- Por que justo
Os bons e amados,
A morte consome?
Eis que o guia,
Ocultando os chavelhos e o rabo, Assim responde:
- Para as coisas de Deus,
Não existe explicação;
Também não,
Para as coisas do Diabo.




I

Num império de luxo e riqueza,
Escondia-se pobreza
E perversão.
Eis que um nobre ladrão
Tornou-se presa
De sua própria ambição.

A rainha,
Sua grande paixão.
Sua filha seria então
Princesa
Na inocência de um Rei
Que era vilão.

No império,
Era farta a devoção.
A igreja,
Ou seja,
O vil clero,
Não tão sério,
Enganava com o credo
Em sua religião.


Todavia,
O povo não conseguia
Reverter esta triste condição.
Aceitava de bom grado,
Ser escravo
Da mais triste escravidão.

A coroa deixava seu recado.
Acatado
Pelo bispo que ria
Do seu padre ali ajoelhado
Que ainda pedia:
- Deixe o dízimo de lado.
Era um gesto engraçado,
O que o bispo fazia.

Não havia justiça;
Nem de Deus, nem do Diabo.
Pois o povo, coitado,
Com o rei não podia.

A igreja sabia.
Porém, era bem paga.
E por cada desgraça
Que a nobreza causava,
Era dada
Anistia.



II

Como as faces de uma moeda,
Havia também alegria.
O lugar irradiava harmonia.
Doce terra,
Nascia no campo a erva
Onde o gado comia.

As casinhas eram coloridas,
Ao redor do castelo
(O poder do império).
Todavia,
O que dava vida
Era a simplicidade.
A vila em si, comprimia
Sempre a sujeição.

A colina,
De onde se vinha
Do antigo cemitério,
Não havia mistério.
A vila, vizinha,
Era sossego e tédio.


A estrada
Por onde passavam
Os poucos visitantes,
Ia dar para o mar,
O mais belo horizonte
Ao se olhar.

A igreja,
Uma enorme projeção de fé.
Construída
Ao longo da vida
De um povo que quer
Uma saída,
Uma salvação.

A visão
De alguém que voasse
Por sobre o lugar,
Era o mais belo lar
Pra se viver.

Contudo,
Na vida, tudo
Pode acontecer.



III

Um senhor
Dedicou sua vida ao rei,
Que honrava uma única lei,
A de reconhecer um valor.
Ao filho daquele, tornou
Cavaleiro.
O senhor satisfeito
Se ajoelhou.

A princesa se apaixonou
Pelo belo rapaz,
Que amava demais
Uma outra donzela,
Filha do jardineiro.
Ele foi o primeiro,
Ela foi a centésima.

Um filho de um nobre covarde,
Por sua parte,
Ama a jovem princesa,
Que foi sua primeira,
Ele, apenas descarte.


A contenda ali principia.
Um,
A princesa queria.
O outro, se ardia
Em sua paixão.
Desde então,
Razão versus coração,
Nenhum ponto se ligava.

A jovem que amava o jardim,
Sabia qual era o fim
De seu pretendente.
A princesa,
A esposa demente.
Sendo ela,
A amante ardente.

Já tentara fazê-lo desistir.
Todavia,
Ele a persuadia
Em consentir.

A princesa de nada sabia.
Seu amado
Era apaixonado
Por alguém que lhe correspondia.

Os dois cavaleiros
Cortejavam a princesa.
Seu olhar ladeado de tristeza;
Só a um
Pertencia o coração,
O que apenas queria o império,
Pois amava a dama
Sem quinhão.

Eis que a dama em questão,
Era donzela.
Moça bela
E do mais fino recato.
Pelo apaixonado,
Tinha forte paixão.

Também fora educada
Dentro da religião.
Todavia, o que mais prezava
Era o belo jardim
E a rosa mais cara,
De um vermelho carmim.

Sendo assim,
Eis que um dia acontece.
A questão, enfim, merece
Uma resolução acertada.




IV

Ambos tornam-se amigos.
Mas no amor é proibido
Dividir.
Eis o caso ali,
Em um mundo isolado,
Dois varões, um legado,
Ambos querem para si.

Vivem a discutir
Por uma fútil razão.
A verdadeira questão,
A princesa e o reinado.
Para um,
O amor.
Para o outro,
O valor do espólio herdado.

Já dois homens formados.
Um
De queixo raspado.
O outro,
Barba e bigode,
O mais nobre,
Tinha o sangue fidalgo.
Com uma cabeleira enorme,
O mais forte,
Que tinha a cara lisa
Quanto o bolso
(Eis o maior desgosto
Em sua vida),

Era um conquistador
De mulheres e fronteiras.
E de boas maneiras,
Não deixava transpor
Sua origem.

Sua abissal coragem,
O levava a paragem
Que quisesse ir.
Todavia,
Gostava dali.
E seria ali seu reinado.

O de barba e bigode
Que era o nobre,
Mais franzino
E mais fino,
Na conquista era pobre.


O amor
Assolou o seu peito,
E sem jeito,
Todo se entregou,
Desde o primeiro encontro.

A princesa, no entanto,
O esnobou,
Repensou, ponderou,
Finalmente, o usou
Por prazer
E também provocou,
O que havia de ser,
O seu par.

Contudo, amar
Não depende de escolha,
É à toa,
Como um barco no mar,
À deriva,
Segue sem rumo a proa,
Onde somos a popa,
Não se pode evitar.
Eis que pode afundar
Ou navegar para sempre.


A princesa sabia
Que o nobre a queria.
Todavia, com o outro,
O amor era forte
Como nenhum lorde
Sabia fazer.
Parecia morrer,
Quando enfim, ele subia
Para lhe dar prazer.

Ela sempre esperou pelo dia.
Quem seria
O noivo escolhido?
Um eterno amante
Ou um nobre marido?

Nenhum deles,
Dela abdicaria.
Uma luta seria,
O desfecho do caso.
No entanto,
Era um simples cenário.
Que vencesse o melhor.

Nunca houvera morte.
Não por sorte,
Era apenas um jogo de pontos.
V

Nesse típico reinado,
Seleção era aceita.
Na disputa do amor,
Uma luta era eleita.
Eis que foi a espada,
Arma selecionada.
Que o melhor saia vencedor.

O dia foi escolhido,
A hora foi marcada.
Antes do acontecido,
Houve uma jornada;
Onde plebeus e nobres
Lutariam no norte
Em defesa da pátria.

Entre flechas e o fio da cimitarra,
Muito sangue jorrara
No chão.
Não havia razão.
Cada boca clamava:
- Sem perdão!


Entre mortos e feridos,
Vencedores e vencidos,
Comemoram a vitória.
Para glória
De um rei não merecido.

Eis que os dois,
Cada vez ficaram mais amigos
E ficaram comovidos
Com tamanha recepção.
No palácio, foi a comemoração.
A princesa,
Entre os dois admirados,
Iluminava o cenário
Com sua exultação.

- Anunciarei amanhã a minha escolha.
Dessa forma seria à toa
A disputa, o resultado.
Pois seria anunciado
Em segredo, ao eleito.
E este lutaria já sabido
Quem seria o aclamado.
Nessa noite,
Ambos embriagados,
O nobre se sente abatido.




VI

A princesa é desperta
Por uma breve conversa
Do seu preferido;
Na qual diz ter nascido
Para outra donzela.

Assim, ela
Volta e chora baixinho.
Seu coração sozinho.
Recomeça a pensar.
Não sabia que era tão perversa.
Porém, começa
A se reavaliar.

Quando tarde da noite,
Sai em busca do quarto
Do nobre embriagado,
Ela já está certa.
A princesa então, séria,
Fala ao nobre, calado,
E diz a sua escolha:
- Mate o adversário
E terás o reinado
E a mim, como esposa.
Contaremos à dama
Que o plebeu ama,
Que ele será assassinado,
No dia marcado.
Ela irá chamar sua atenção.
Com um lenço na mão,
Eu darei o aceno.
Ninguém ficará sabendo
Que foi uma armação.

Uma astuta raposa,
Com tudo armado.
E no dia azado,
O jogo começa.

Era um dia de festa.
Tudo era festejado,
A vitória,
O noivado,
A serena conversa.

O sol brilha
De maneira irreal.
O mais belo sol matinal
Que alguém vira.
Vê-se o verde das árvores
Como nunca na vida.
Sente-se o vento soprar
Em harmonia
Com a brisa
Que vem lá do mar.

Quem diria,
Que por trás das cortinas,
Uma trama havia?
O mais sórdido pacto,
Um funesto recado
Que a morte trazia.

Todos foram chamados.
Eis que o jogo se inicia.
O combate é montado.
Em sua montaria,
O plebeu é louvado
E o nobre aplaudido.
A princesa lhe lança um sorriso,
Para o outro,
Um olhar de sarcasmo.

Este desconfiado,
Não consegue entender
O que acontecia.
A princesa
Sempre lhe parecia
Querer.
Quem iria entender
As mulheres?

Os combatentes se cumprimentam.
As trombetas dão início ao combate.
De ambas as partes,
São os golpes.
Não há fraco nem forte.
Ambos se experimentam.

Eram homens treinados,
Sempre do mesmo lado
Combateram.
Eles sempre ganharam
E jamais ao contrário,
Perderam.

Eis que o nobre
Mantém-se calado,
Não parece zangado,
Pois tem uma missão.
O plebeu
Gosta de uma conversa.
Com o jogo,
Pulsa seu coração.




VII

A destreza e a pressa,
O mantém ocupado.
Todavia, um chamado
Tira sua atenção,
A dama com a rosa na mão.

Não escuta nenhuma palavra,
Mas lê em seus lábios,
Toda aquela aflição.

Com o gládio na mão,
É então trespassado.
Olha o sangue jorrado,
Um aceno,
Um lenço,
Vê qual era a razão.
Fora então combinado,
Era tarde o recado,
Tomba,
Não vai ao chão.

Tenta em vão,
Suster-se no cavalo.
O animal ensinado,
Tenta ainda especar
O seu dono abatido
Que num triste gemido,
Tenta um nome gritar.

Correm para ajudar,
Ante o pasmo amigo
Que sem ser percebido,
Fez tudo aparentar
Um acidente ao acaso.
Apenas um fato trágico,
Sem ninguém para culpar.

Nada mais poderia ser feito.
A espada
Atravessara seu peito
Onde o sangue jorrava,
Tal um leito
De um rio em cascata.

Como a vida parecia ingrata.
Uma tragédia
Em tão triste ato.
Onde o acaso seria o culpado.
Eis o fim
Da grandiosa festa.

Eis que a tarde
Termina sem pressa,
E à noite,
As tochas se ardem.
O açoite
Do vento, então, bate
Nos que sobem a colina.

Atravessam a estranha neblina
Onde os portões se abrem.
Uma cova é marcada com tinta.
Orações numa língua extinta,
Feita pelo velho padre.

Todos voltam para as suas casas.
Uma noite iluminada por brasas
Em diversas fogueiras.
Como é bela, a vila acesa,
Apesar da tristeza
Que arde.

O costume é que o dia seguinte
Era o apropriado.
Pois daria a Deus e ao Diabo,
Tempo para apropriação
Do corpo ali enterrado
Dentro de um seguro caixão.




VIII

Tranqüila madrugada,
Abalada pelo grito de uma deusa,
Uma dama abandonada
Pela morte do amado
Que lhe deixa.
Entre tantas,
Uma queixa:
A de não ter lhe escutado.
A ambição por um reinado
Impôs-lhe esta desfeita.

Ela aceita,
Nada pode ser mudado,
Certa do assassinato,
Da justiça jamais feita.

Era a eleita
De um amor tão venerado.
Mas, o peso do pecado
Nos sujeita.
Foi assim com seu amado,
Disso, já tinha certeza.


Seria santificado
Pela igreja,
Por seu fim ter sido trágico.

Surgem os primeiros raios
Na manhã que inicia.
Segue o som que agora ouvia,
O que vem do Campanário.

Ao adentrar a igreja,
Olha o corpo do amado.
Segue pro confessionário.
Revela ao cura,
Que então jura:
-Ele será consolado
Nas alturas.

Segue novamente, a turba.
Desta vez, com o caixão.
Em cada mão uma vela,
Em cada boca uma reza,
Uma oração.

Adentra o cemitério.
O povo sério,
Teme qual é o mistério
Do pós-morte.
Qual a sorte
Que a vítima teria?
Qual caminho
Seguiria, esse forte?

O coveiro,
Que usava um ponteiro,
Pegou a cova marcada
De madrugada
E a cavou.

Seus pés inchados
E as unhas mal aparadas,
Davam-lhe a aparência
De um triste lenhador.

O sol faz sombra,
Pelas cruzes dispersadas.
Abandonada,
Alheia a sua descrença,
A dama olha,
Ainda em lágrimas,
A rosa que na mão
Sustenta.



A terra em pás,
Arremessada.
A cova amarga
Quase se fecha.
Beijos e lágrimas derramadas.
A rosa vermelha,
Arremessa.

A cova que enfim se fecha,
Tem uma lápide erigida.
É simplesmente uma pedra.
Porém, polida.

A bela dama, todo dia,
Visitava o jazigo.
Como era doloroso o seu castigo
Por ter sido ele a vítima.

A princesa
Tem seu ódio afinado
Pela ternura e o cuidado
Com que a cova era mantida.

Uma saída
Era afastar do amado,
A bela dama,
Que insistia.
Eis que assim foi proibida
A visita ao cemitério.
Um despautério,
Mas a norma foi cumprida.

O verão se inicia,
As covas são mal cuidadas,
O coveiro não podia,
Seu tempo não permitia
Aguá-las.

Nenhuma rosa nascia.
O chão seco se rachava.
Numa vala,
Um cadáver apodrecia.

Porém, uma chuva inesperada,
Dura mais de sete dias.
E na manhã que se inicia,
A notícia é espalhada.
Uma rosa, enfim, brotara.
Mas, nada mais havia.
Mesmo com a terra ainda molhada,
Nenhum ramo se encontrava,
Nada mais ali se via.



IX

A rosa brota
Numa noite orvalhada.
Em si formada
Como fora enterrada
Com aquele que partia.
Para tristeza
Daquela que lhe odiava.
Para alegria
Daquela que lhe sorria.

O seu vermelho,
Um vermelho carmesim
Tal qual um lábio
Retocado ao espelho,
Num tom espesso.
A rainha de um jardim.

As suas pétalas
Pareciam mãos sobrepostas
Escondendo algum segredo.
Se essas mãos tivessem dedos,
Como vértebras expostas,
Dariam medo.

Eis o susto do coveiro
Ao ver a rosa
Da filha do jardineiro.
A mesma que ele cobrira
Com pás de barro vermelho,
Posto o chão do cemitério,
Ser de argila.

A rosa é vista
Como símbolo de um milagre.
Eis que o padre
Diz que a vítima
É um santo.
A rosa é mais do que encanto,
Pura magia.

E por causa da rosa,
A cova se torna
Um lugar de peregrinação.
O culpado que toca a rosa,
Sente o alívio do perdão.

Ao cego,
Restitui a visão.
O tartamudo
Sai fazendo sermão.
O aleijado,
Anda rindo, encantado
Com tamanha emoção.

Entretanto,
Um sinal parecia,
Para aquela que havia
Caído em pranto.
O espanto,
É que a rosa escolhida
Estava cheia de vida
E de encanto.

A princesa odiava
Por ter sido obrigada
A liberar o cemitério.
- Que vão para o inferno,
Repetia zangada.
Porém, não aceitava.
E decerto,
Novamente tramava
Algo maléfico.

O nobre,
Príncipe por direito,
Continuava sujeito
À sua eterna princesa,
Sempre a mesma,
O mantinha envolvido
Com a sua esperteza.

Quando noite,
A rosa brilha no escuro.
Por trás do muro,
Os fiéis cantam louvores
Ao rei, às flores,
Ao escuro.

Toda noite,
O portão era fechado.
Os fiéis ficavam
Do outro lado,
Esperando amanhecer.

Chove até o sol nascer.
O povo assustado,
Não sabia o que fazer.
A rosa havia sumido.
Mesmo estando o povo unido,
Nada podia fazer.

-É ver pra crer,
Dizia um dos curados.
-Estamos amaldiçoados
Posto isso acontecer.



X

Aliás, à noite,
A rosa fora arrancada
Por uma cimitarra,
A mesma que antes
O ferira.
Noite sombria,
O inimigo sussurrava.
E a chuva apagava
As pegadas que fazia.

Sai a galope
Em direção ao castelo.
Um amarelo,
Brilha na escuridão.
Vaso dourado,
Apinhado   
Até a borda,
Pela luz que vem da rosa,
Iluminando o escuro chão.

Eis o clarão
Insistente mais que a lua,
Que pela rua,
Entre raio e trovão,
Encanta àquela
Que passeia seminua,
À espera, no portão.

Em sua mão,
O anel de uma rainha.
Sede canina
Ao salivar sua presa.
Eis a princesa,
Uma perversa doninha,
Um noturno furão.

Recebe o vaso
E o guarda no quarto ao lado.
Então se entrega
Com toda devassidão
Ao seu marido pelego
Que enfrentou o próprio medo
Em nome dessa paixão.

Na manhã em que se segue,
O povo chora a rosa.
Quem seria tão ruim?
Nenhum jardim,
A manteria tão viçosa.




XI

Um jazigo violado,
Uma lápide no chão,
Uma aflição
Aos olhos de quem ama.
Quem deflora uma cova santa,
Não merece ter perdão.

A dama chora,
Pensa ter sido um ladrão.
Ladrão de rosa,
A rosa do coração.

Para o povo,
Um santo foi maculado.
Tão vil pecado,
É certa a condenação.
Maldita mão,
Daquele que foi culpado.
Tão vil pecado,
Não merece redenção.

Eis que o povo revoltado,
Cospe o chão santificado
Pela igreja.
Amaldiçoa o culpado,
Pede ao santo roubado,
Que vingança seja feita.

No entanto, a tarde chega
Como coiote apressado.
O povo triste e cansado,
Vai à igreja.
Cemitério abandonado,
Resta a deusa,
Dona da rosa vermelha
E do coração finado.

Ela enaltece seu amado
Pela glória do perdão.
Por engano, foi ele santificado.
Seja o povo perdoado
Por tamanha confusão.

A rosa vermelha
Foi uma chama acesa
Na escuridão,
Dando clareza,
Ante a sua tristeza,
Que ainda havia paixão.



XII

Escurece,
A dama segue para casa.
Numa prece,
Pede a Deus compaixão.
Nas profundezas do chão,
Uma alma cava
Com desespero, com raiva,
Sem compaixão.

A rosa exala
O perfume de sua Diva.
Rosa cativa,
Um presente de suas mãos.
Sua devoção,
O manteve enclausurado
Entre ossos calcinados
E carne em putrefação.

A rosa então,
Tornou-se um elo permanente
Que ainda o prende
Nas grades dessa prisão.
Seu coração
Por ódio petrificado.
O seu legado,
Fúria e condenação.

Eis a razão
Que procura sair da terra.
Arranca erva,
Despedaça o caixão.
Entre vermes, come areia.
O barulho se assemelha
A uma aranha que caminha pelo chão.

Nesse momento,
O coveiro ao longe fala.
Aproxima-se da campa encantada.
Então, se cala
Ante aquela visão.

Uma mão ressurge no sepulcro
E no chão fazendo sulco,
A uma ossada, arrasta.
Eis que a outra traz uma durindana.
Da cintura para baixo, aterrada,
A caveira finca a espada
E com as duas mãos
Imprime sua força.
Tal vulcão que jorra larva,
A caveira está solta.




XIII

Surge a caveira,
Dentre a terra escavada.
Uma espada,
Ostenta sua mão direita.
Face desfeita,
Pelos ossos que lhe falta.
O vento abraça
Sua pele de areia.

Estagnado, de olhos arregalados,
O coveiro treme as pernas.
Vítima certa
De um golpe desferido.
O chanfalho num zunido,
O acerta,
Este é decapitado.

O seu manto é rasgado.
Branco,
De sangue é manchado.
Com tarja negra, era usado
Por respeito aos finados.


Uma bandeira,
No cemitério é hasteada.
De cor vermelha,
Pelo sangue derramado.
Com tarja negra,
Pelo luto aos finados.
Tremula ao vento.

A caveira então monta
Uma besta escaveirada.
Em disparada,
Lança o chanfalho no portão.
O cemitério como boca escancarada
Que pede um pouco de pão.

Na escuridão,
A nevoa oculta sua imagem.
Uma miragem, aquela triste visão.
A lua esconde-se nas nuvens,
Apavorada,
Sua luz
É oculta por tamanha maldição.

A caveira procura
Pela rosa arrancada
Pela mais terrível espada,
A cimitarra da traição.
Mas, todo aquele
Que ao seu mal se assemelha,
Não lhe é presa.
Pois serve ao ódio, à dor,
À vingança e ao horror.

O que a tornou
Um ser maldito
Foi não temer o castigo
E pedir ao proscrito
Pra ser vingado.

O mal por ele invocado,
Foi surpreendido
Pelo perdão comovido
De uma deusa.
Sua alma, assim, foi presa
Na caveira,
Pelo amor posto na rosa.

Entre Deus e o Diabo
Teve o ódio enaltecido.
O seu amor foi vencido
E sua liberdade, aceita.

Sua prisão fora desfeita,
Quando arrancaram a rosa.
Contudo, a exigência feita,
Era trazê-la de volta
Com almas por Deus eleitas.

Volta a lua a iluminar
O caminho da caveira.
Sua alma queima em brasa.
Procura o mar.
Sente o verme a escavar
Na pouca areia
Que o vento quis deixar.

Vêem-se as luzes da vila
À distância.
Para aqueles que são bons,
A esperança
Tende a acabar.

O mau cheiro cobre o ar
Tal qual carniça.
Como velhas dobradiças
É o barulho da besta a cavalgar.

Na calma desse lugar,
Ninguém esperaria
Que uma caveira viria, almas pescar.




XIV

Vê-se o espectro cadavérico
Iluminado pela lua,
Cavalgando pela rua
Em sua besta.
Tal qual tochas acesas,
São seus olhos.
Vêem-se vermes em seus ossos.
A mais horrenda caveira.

Pela cavidade óssea
Do que fora um focinho,
Vê-se o hálito da besta
Que ofega
Tal qual um redemoinho
Que ao telhado carrega.
Uma fera
Desprovida de carinho.

Apeia-se a caveira
E caminha
Onde se escuta a turba lamentar
Pelo santo ofendido.
A caveira num estampido,
Faz o chanfalho rasgar.
Na igreja,
O seu nome é exaltado.
A caveira
Destrói o relicário.
Um fanático,
Então, lhe apedreja.
Num instante,
O mesmo é decepado.
Cai no altar, sua cabeça.

A caveira
Segue pro confessionário
Onde o padre amedrontado
Se esconde.
Num só golpe,
Ante um olhar de surpresa,
Os seus ossos
São banhados de sangue.

Entre outras cabeças,
Monta a besta.
Vez por outra desvia o caminho.
Segue desde o cemitério
Em direção ao castelo.
Como um cão que algo fareja,
Um devorador de presa,
Sem matilha e sozinho.
Desvia novamente seu caminho,
Segue em direção ao mar.
Como alguém a lhe chamar,
Escuta as ondas.
Todavia, às suas costas,
Sente a rosa
Se aconchegar.

Continua a caminhar
Pela areia.
A caveira, no entanto, é percebida
Por um bêbado
Que já esqueceu da vida.
Entretanto, jamais de uma bebida
Rejeitar.

Põe-se à garrafa tragar
E a fitar o espectro magro.
Em seus olhos ressacados,
Tenta enfim, deslumbrar,
Uma figura com vida.
Pois devido à bebida,
Poderia se enganar.



XV

A caveira caminha pela praia,
Desvairada,
Em si retrata
A tristeza e a solidão.
Enquanto o bêbado
Desgasta-se em sua garrafa
E chama a sua atenção:

- Diga irmão,
Sua face está magra.
Está na cara,
O motivo é o coração.
Tome um trago.
Pois a vida é mais amarga
Que qualquer desilusão.

Eis que a bebida
Molha os ossos calcinados.
Alucinado,
O bêbado perde a direção.
Na mão da caveira
O copo é despedaçado
Tal inseto que é pisado
Em uma desatenção.
Volta à vila,
À rua em que vivia,
À mesma praça em que sorria,
Quando criança.
Não era sua lembrança,
Mas a de um casal que ali havia.

Em meio à praça,
A caveira
À besta pára.
Dela se apeia.
Sua pele de areia,
O vento lava.

Em um banco, apavorado,
Um casal idoso chora.
A caveira
Foi então o filho amado
De outrora.

Eis que a praça
É de pedra rejuntada
Com argamassa
E polida com carvão.
Os ossos no atrito das passadas,
Dão a impressão errada
Do barulho do trovão.
Ante o casal,
A espada é levantada.
Com a força impregnada,
Duas cabeças
São roladas
Sem nenhuma compaixão.

Uma mão
Ainda toca sua ossada.
Porém, tem a pele queimada
Tal se queima em lampião.

A caveira,
Sem nenhuma emoção,
Monta a besta escaveirada
E procura a estrada
Na discreta escuridão.

Em uma mão,
Mantém sempre sua espada.
A outra atraca
O pescoço do animal,
Na escuridão.



XVI

Pedregulhos e poeira na estrada,
Uma ossada perambula noite inteira.
Sai o sol, quando desce a ladeira
De acesso ao palácio.
Vê-se ao longe,
Ainda na besta montado,
O espectro da caveira.

Subitamente, as portas das casas
São fechadas.
Toda a gente, amedrontada,
Esconde a cara.
O mau cheiro
Espalha-se como o medo.

Eis que um mensageiro
Segue em disparada.
Todavia, tem a cabeça arrancada
Pelo chanfalho da caveira.

Na distância,
A poeira é percebida.
Uma sentinela avisa
Que um cavaleiro se aproxima.
Bem que a prática nos ensina,
E da muralha,
Apesar da densa poeira:
- Aproxima-se do castelo,
Um espectro.
E parece uma caveira!
Enfim, a sentinela fala.

A atalaia, no entanto,
É precavida.
Com sua trombeta, avisa
Uma legião formada.

O exército se organiza,
A cavalo e com espada
Sai em uma cavalgada
Para por em risco a vida.

A legião desconhecia
O que iria enfrentar.
Porém, ao se aproximar,
Não queria acreditar,
O que cada olho via.

A caveira sobre a besta,
No movimento rangia.
Sua espada parecia
Uma vespa,
Quando o ar golpeava.

Dá-se o encontro premeditado.
Homens e cavalos assustados
Enfrentam a caveira.
E em meio à poeira
São ceifados
Como milho na colheita.

Talvez, tenha sido asneira.
A caveira
Não podia ser tocada.
A espada na areia
Se enterrava.
Quando um osso ela atingia,
Se quebrava.

Tantos homens acéfalos,
Entre cabeças amputadas.
Quantos séculos
A carnificina seria lembrada.

Poças de sangue
No solo se formavam,
Onde as patas dos cavalos
Se banhavam.
A caveira,
Entre os poucos sobrevivos,
Em seus golpes era certeira.
Então numa só carreira,
A legião foge assombrada.

Na descida da falda,
A caveira sente o perfume exalado.
Na janela do palácio,
À luz avista.
É um brilho
Que a ela hipnotiza,
Tal a mariposa viva
Que à luz se embriaga.

E no fio da espada,
A caveira passa a mão.
Um ranger de doer o coração
Quando o osso toca
O gume que escapa.

A corrente
Que ao enorme portão atraca,
É cortada
Pela espada incandescente.


Nessa hora,
Mesmo o súdito mais descrente,
Ajoelha-se e pede graça.

Quando se apeia
Da besta,
O movimento é macabro.
Seu chanfalho, tal machado,
Corta o portão de madeira.

A caveira
Quando adentra o pátio,
Olha pro alto
E caminha sem barreira.

Que figura triste e feia,
Deixa qualquer um
Assombrado.
A mais hedionda caveira
Sobe para o telhado.

O rei
Com a facção que o rodeia,
Foge para um reservado.
Entre nobres aduladores,
Estremece de terrores
Ante o pavor da caveira.



XVII

Eis que a rosa
Brilha no quarto ao lado,
Onde um vaso dourado
A sustenta.

A princesa nota a incandescência.
Porém, sua consciência
Não tem peso
Nem pecado.

Firme como um golpe de machado
Quando a árvore decepa,
É a decisão daquela
Que mantém aprisionado
O coração da caveira
Em um vaso sobre a mesa
Na rosa simbolizado.

Vê-se agora o espectro iluminado.
Com o espírito envenenado
Tal o ferrão de uma vespa.
- Queira Deus meu ódio cresça.
Diz a perversa princesa
Ao espelho então fitado.
Quebra, a caveira, o telhado.
E adentra o palácio.
Nos corredores,
Anda tal num labirinto
De horrores,
Andaria um menino.

Com seu chanfalho
Devassa os aposentos.
Em pouco tempo,
Encontra os olhos da princesa.
Não vê tristeza,
Só vê ódio e tormento.

A princesa joga o lenço
Do aceno
Que lhe vitimara.
A caveira esboça apenas um sorriso.
Dá as costas
E adentra o outro aposento
Onde está a rosa.

A princesa, feito louca,
Chama aquele que a serve fielmente.
O nobre,
Dono do golpe
Que o ferira mortalmente.
A caveira
Olha a rosa longamente.
Nessa hora,
Até parece a si voltar.
Os seus olhos se apagam tristemente.
Mas, a chama de sempre
Teima em voltar.

Nesse momento,
Pega a rosa e põe na boca.
Nesse tempo,
Alguém intervém na porta.
Com a rosa presa à boca,
Segue em frente,
Não se importa.

Eis então,
Que o valente
Se acovarda.
A caveira,
Pega o mesmo corredor.
Como se sentisse dor,
Ela então, pára.
Dá uma última olhada
No que restou.
Duas almas condenadas
Por rancor.




XVIII

Em passos lerdos,
A caveira segue em frente.
O som de correntes,
Chama sua atenção.
Levanta a mão
Num golpe, ao chanfalho solta.
Derruba a porta
Que dá para a prisão.

O calabouço
Tem um odor impregnado.
Desce a caveira,
Cada degrau encharcado
Pela perene infiltração.
Chega ao salão
Onde estão todas as celas.
Os prisioneiros
Temem aquela visão.

Com o chanfalho
Rompe as grades
Pela ferrugem, retorcidas.
Onde o piso
De madeira enegrecida,
Recebe os passos
Macabros.

Ante os culpados,
Dá as costas,
Segue em frente.

Os inocentes
Que estavam aprisionados,
Tem os regaços cortados
Como numa guilhotina.

A caveira
Se dirige para cima,
Onde nenhuma esgrima
Tem coragem de enfrentá-la.

Uma figura macabra
Que caminha
Em corredores vazios.
Homens bravios
Tornam-se damas finas.

Tristes retinas,
Pela caveira, fitadas.
Foram queimadas,
Galhos secos na caatinga.




XIX

Mente assassina
Que ainda observava.
A princesa revoltada,
Olha a caveira, de cima.

A caveira
Toca o chão ensangüentado.
Não isolado
Pelos corpos espalhados
Tal as pedras num lajedo.
Só morte e medo,
Trouxe o gume do chanfalho.

Com a rosa presa à boca,
Monta a besta escaveirada.
Segue louca,
Em disparada,
Pega a estrada novamente.

Vento brando
Quando pela vila passa
Rumo ao campo-santo.
Sua ossada
Parece lavada em pranto.
Toda a gente
Fica boba e calada.
A caveira, no entanto,
Nas proximidades, marcha.

Quando um cheiro de jasmim
Invade o campo,
Está contígua ao jardim.
Vê a dama, um encanto.
Finalmente, o sofrimento
Tende chegar ao fim.

A figura
Não parece mais tão lôbrega.
A besta meio trôpega,
Continua.

Ante uma desventura,
Então, se exalta.
Porém, mantém a calma,
Assim atua.

Tal uma cobra se insinua
Ante a presa,
Se comporta a caveira,
Ao ver a sua.



XX

Pára,
Olha a dama friamente,
Passeando em seu jardim.
O amor de antigamente
Tem seu fim.

Eis que a dama
Sente o coração em brasa.
Vê enfim,
Perto de casa,
A caveira com a rosa presa à boca.
Como louca,
Corre para abraçá-la.

Em sua mente,
Era o amor que enfim, voltava.
Como se tivesse asas,
Sobrevoava o jardim.
Os seus pés o chão tocava.
Um sorriso se formava,
Os dentes cor de marfim.

Todavia,
O que jamais ela esperava,
Um chanfalho é levantado
E num golpe abalizado,
Sua cabeça é decepada,
Morre assim.

A caveira,
Que mantém na boca, a rosa,
Corre alucinada
Em busca de sua cova.
A necrópole escancarada,
A tem de volta,
Em sua besta escaveirada.

Por encanto,
Sua besta é desmembrada.
Antes, salta
Pro solo do campo-santo.

Tira a rosa
De sua boca deformada,
Põe na cova
Maculada
E caminha para a lápide mexida.

Ergue a pedra polida
E põe de volta.
Enterra-se com o chanfalho
Em seu mundo solitário.
Brilha a rosa,
Enquanto os ossos na cova
Desmembram-se enfim.

Não sabemos se eterno.
Nas profundas do inferno,
A caveira tem seu fim.




Biografia:
No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios. Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho. Em 1986 ingressa no serviço público, como técnico de biodiagnóstico do Hospital Regional Tancredo Neves, atual Tarcísio Maia. Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991. Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento.
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Outros títulos do mesmo autor

Poesias Alguns degraus João Felinto Neto
Poesias Sob meus calcanhares João Felinto Neto
Poesias Cabaz João Felinto Neto
Poesias Cálice João Felinto Neto
Poesias Sombras & espelhos João Felinto Neto

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