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ZUMBI : 1695 - DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
1695 - DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Gilson Borges Corrêa

Resumo:
O homem atual absorveu as experiências das gerações anteriores? Ou embora tendo como base o amadurecimento das relações humanas, o despertar de novas maneiras de ver o mundo, o homem contemporâneo permanece nas trevas do preconceito?

“Zumbi dos Palmares, delatado por Antonio Soares, é surpreendido pelo cap. Furtado de Mendonça em seu reduto (talvez a serra 2 Irmãos). Apunhalado, resiste, mas é morto com 20 guerreiros. Tem a cabeça cortada, salgada e levada, com o pênis dentro da boca, ao governador Melo e Castro. No 3º centenário de sua morte, emergirá como o grande heróis da luta pela liberdade no Brasil. A data é o dia Nacional da Consciência Negra”. Fonte: www.vermelho.org.br.

Nos dias de hoje, questões são elaboradas e discutidas sob os mais diversos aspectos, sobre a intricada situação do negro no Brasil. Muitos há que acreditam que os preconceitos étnicos já debandaram e que os envolvidos nas questões raciais, nada mais fazem do que subjugar a inteligência das pessoas, quando afirmam sentirem-se prejudicados pelo preconceito. Acham que não existe preconceito e se os há, ocorrem de maneira dispersa, atingindo apenas alguns menos qualificados no cenário intelectual, ou seja, os operários, as pessoas que trabalham apenas com as atividades físicas ou que sobrevivem sob o domínio de drogas e miséria generalizada. Para estes, o preconceito até é suave, pois estes seres representam exatamente aquilo que a sociedade considera perverso. Como se perversidade fosse privilégio dos homens negros, dos pobres, dos desprovidos de bens materiais e intelectuais. Estes que assim pensam, na verdade, impingem o desqualificativo de indivíduos de segunda classe, que embora não admitam publicamente, são convictos desta “verdade”e a revelam em seus pensamentos e atitudes.
Entretanto, o que se percebe é que o homem desta geração não evoluiu como se esperava, pelo menos, a partir dos grandes movimentos dos anos 60, quando se lutava pela liberdade, pelo direito de ser como se é e de se respeitar o outro, independente de raça, credo, orientação sexual, classe social ou qualquer outra considerada “diferença” do status quo estabelecido. Pensávamos que o homem mudara, que o homem aceitara os novos ares, que se transformara num ser múltiplo, cultural, evoluido, marcado por sentimentos , que desencadeassem em atitudes de acordo com o seu estar no mundo. Desta forma, fugiria do senso comum, que padroniza todos os gostos, todos os sabores, todos os nuances, todas os matizes e transforma a vida num cinza sem graça e insosso.   
Na época de 60, eu ainda não me conectara ao mundo novo, porque ainda era uma criança. No final dos 70 e em plena ditadura, já adolescente, entendi a duras penas, que o homem estava aprisionado num sistema de medo e escapismo da realidade. Naquele momento, era preciso reinventar a vida, para não morrer de inanição e tédio. Muitos optaram pelas drogas. Outros, como eu (nesta época, eu tinha 12 pra 17 anos, isso, no final dos 70, então peguei um período de transição e o que me cabia era lutar a meu modo, ou o que considerava luta), pelo conhecimento, pela leitura, pela religião, pela música de protesto, pela escrita, pelo engajamento político através de grupos de jovens, lendo tudo que aparecia sobre ciência política e filosofia, para tentar me ajustar naquele mundo que desimbestara a consumir os encontros, a separar as conversas e alienar os jovens. Houve outros, mais velhos que se engajaram nas guerrilhas, nas lutas contra a ditadura e estes foram corajosos e verdadeiros amantes da Nação.
Parece-me entretanto, que esta luta foi em vão em muitos aspectos. Não me refiro à democracia estabelecida, nos dias de hoje. Esta foi fruto, sem qualquer contestação dos inúmeros movimentos sociais e políticos. Refiro-me ao legado do novo modo de pensar, das novas diretrizes nos relacionamentos humanos, que em nada se assemelhavam às atitudes patriarcais e autoritárias da época, ao contrário, lutavam contra tudo que era proibido. Houve execessos, claro, como em qualquer vanguarda, tanto na sociedade alternativa, quanto nos movimentos de amor livre e drogas. Na verdade, tudo que se pensava de um novo mundo, partilhado com todos e talvez até meio idealizado, não se concretizou. Ao contrario, a ignorância parece ser o ingrediente mais utilizado nas relações humanas nos dias de hoje.
Bruno Rico, em seu blog Sentimento crítico, relata em completo desalento a reação da platéia de um show no Rio, na Lapa, no qual Seu Jorge cantava e dançava com uma perfomance alegre no palco, e por isso era muito aplaudido, até o momento em entre uma sequência romântica e outra dançante, ele trouxe uma quadro politizado, com a música Zé do Caroço, seguida da declamação de “Negro drama, dos Racionais MC’s. Um poema que fala dos sofrimentos do homem negro, da miséria humana que o abate e o quanto precisa ser forte e verdadeiro para usufruir a dignidade, para revelar-se como um cidadão. O protesto para o público, no entanto tornou-se motivo para vaias. Muitas vaias, deixando o artista desanimado e sem o mesmo entusiasmo de como começara o show. Até mesmo quando apresentou uma cantora nova, como convidada, cantando jazz, o público novamente retribuiu com muitas vaias. Então, não é somente a intolerância racial, trata-se também da ignorância cultural, artística e ideológica. O público preferia uma coisa mais mastigável, fácil de assimilar, com o interesse apenas em dançar, sem importar-se com as problemáticas dos negros e pobres.   Neste caso, diversão para eles, significa apenas aproveitar o nível mais baixo de musicalidade ou ritmo, mesmo que a letra repita indefinidamente três ou quatro sílabas.
Voltando ao nosso assunto, neste mês da consciência negra, observamos que toda a história de luta, de aprendizagem, de busca de liberdade das gerações anteriores não trouxe os objetivos almejados. Nem vem ao caso, aqui, tentar elucidar os motivos, inclusive, porque é imprescindível grandes pesquisas sociológicas para identificar estes retrocessos. Talvez a violência, o esfacelamento do núcleo familiar, o uso intensivo da tecnologia em proveito apenas da divulgação individual, através das redes sociais, na tentativa de se inventar um personagem perfeito, onde as mazelas se escondem atrás dos perfis imaginários, a hipocrisia dos relacionamentos, o uso abusivo e inadequado das tecnologias, nao sei. É necessário um verdadeiro tratado sociológico e antropológico para chegar a alguma conclusão. Mas o que se tem claramente estabelecido é, que o homem persiste na linha da ignorância cega e individualizada, e aqui, mais uma vez parafraseando o texto de Bruno Rico, uma ignorância que encerra os homens em seus condomínios, que não tem paciência em ouvir os protestos de um artista, sobre sua condição social ou o discurso sobre os problemas de seu pais. Segundo Bruno Rico, “ A ignorância sempre foi, e sempre será um dos maiores problemas do brasileiro, e engana-se quem pensa que ignorância tem a ver com pobreza ou grau de instrução, tem muita gente com a conta bancária lotada de cifras, com diploma não sei de onde, que é totalmente ignorante em diversos aspectos”.
Em 1695, Zumbi dos Palmares foi apunhalado e morto. Além disso, foi vilipendiado, como ser humano, sem o direito de um julgamento digno. Se fosse nos dias de hoje, certamente, os instrumentos de justiça seriam outros, mas as atitudes das pessoas não seriam as mesmas: preconceituosas, intolerantes, hipócritas, imbecis? Um nível de extrema involução a que o brasileiro médio chegou. Resta-nos esperar, que as coisas mudem, que os registros sejam mais limpos e que a história seja contada noutros moldes, menos reacionários e mais libertários. Que o dia nacional da consciência negra se multiplique em muitos dias, e que se promovam também outras consciências, que o homem habite outros sentimentos tanto nas relações humanas, quanto para as interações com a arte, com a cultura, com as religiões ou a falta delas, com o livre pensar, com as orientações sexuais, com as ideologias, com a convivência sem divisões. Que o homem tenha consciência! Que evolua!


Biografia:
Bibliotecário e escritor. Literatura é respirar com sofreguidão a vida, nutrindo-a de sentido.
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