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05 - Dominando seu ser
Cezar Andrade Marques de Azevedo

Resumo:
Refazendo a jornada da vida

“Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a encontram.” (Mt 7:13,14)

O sábio olhou em sua volta procurando uma mesa para sentar-se. Sentia fome e a praça de alimentação se mostrava bastante convidativa. De longe avistou o simples dividindo a mesa com seu amigo e mais duas garotas.

- Este é meu amigo. Cara, esta é Marta, esta é Rose, falou João, orgulhoso da beleza das garotas, como se fosse de sua propriedade. – Oi! Respondeu o simples, sentindo que fazia algo sumamente errado. Findas as apresentações iniciais, logo estava posto a mesa um trambolho que parecia a torre Eiffel, mas poderia se chamar mana-choop, já que servia choop, uma alusão ao maná que caia do céu. É certo que o sábio Salomão já recomendara não ser bom a bebida forte, pois no fim ela morderá como a cobra (Pv 23:32).

- E este anel? Perguntou Rose a queima roupa. O simples gaguejou e respondeu meio a contragosto – me separei a pouco de minha mulher, nem me atinei para tirar a aliança. Estava aberto o leque para toda sorte de engano. É interessante como tudo começara: primeiro o simples tinha a firme convicção que tudo era aprazível e lícito, nada podia se perder nesta vida. Em sua simplória concepção fora completamente liberto do pecado, inclusive para voltar a pecar. A aliança em sua mão era uma advertência que cabia-lhe ser fiel à sua esposa, mas a proximidade das minas, o cheiro embriagante do perfume delas fez-lhe rapidamente esquecer seu compromisso. Todavia a mesma aliança lhe obrigava a mentir, a ocultar seu verdadeiro estado civil.

Uma coisa é certa, na advertência de Tiago sobre a contagem regressiva para a ruptura, para a queda, a tentação gera estes dois componentes complementares: a atração pelo objeto proibido e o engano feito a si mesmo para tornar lícito o que não lhe é de direito.

O engano próprio tem sido uma das grandes mazelas da moderna mentalidade cristã. Este é um tempo que ninguém quer mais quer ser doutrinado. Alguém pode perguntar que doutrina não é bom e, na verdade, o que se chama doutrina nada mais é do que mandamentos de homens aprendidos de cor (Is 29:13) que nada mais produzem senão uma indisposição para com o verdadeiro evangelho de Jesus Cristo.

A sã doutrina é simples de ser entendida, mas somente experimentada aos que verdadeiramente passaram pela experiência de regeneração, do novo nascimento, de mudança radical de natureza. Isto porque o evangelho de Jesus Cristo liberta o homem do pecado (Jo 8:32). Assim, quem verdadeiramente experimentou a salvação não poderia voltar-se ao pecado, visto estar morto para ele. Por outro lado, se o individuo volta ao pecado, se tem prazer em pecar, ainda é escravo dele, portanto não foi liberto de nada (Jo 8:34).

De longe observava o sábio à animação do papo na mesa do simples, refletindo sobre seus próprios passos, não mais olhando aquela cena com critiquice. Refreando seu próprio instinto animal, voltou-se para o cardápio, imaginando como não teria sido se tivesse tido o prazer de sentar-se ao pé do monte, mesmo com fome, para ouvir Jesus Cristo ministrando à multidão (Mc 6:34). – É certo que o pão se multiplicou, também é certo que tenho como pagar pelo sanduba, pedir um milagre nestas circunstâncias é tentar Deus, concluiu sua reflexão.

- Estrupício, você aqui? Que bom encontrar você? Sentando-se na mesa do sábio o chato de galocha da turma. – Era tudo que eu não queria, pensou e, com um sorriso amarelo, disse – que alegria ver você Rogério . O sábio lembrou-se do dia que conheceu Rogério. Ele fora para a escola calçando um chinelo, de short e camiseta bem ralé. Rogério no alto de sua escala social olhou admirado para o sábio e deu-lhe um apelido que lhe perseguiu por toda a escola: Estrupício. Mais tarde soubera no dicionário o significado – coisa esquisita, complicada, fora do comum, estrovenga. O sábio odiava este apelido.

Rogério escolheu o mais caro sanduíche do menu e passou para o sábio comprar, já que ia buscar o seu próprio. – Estrupício, compra o meu junto com o seu e eu cuido da mesa para nós dois, disse com seu sorriso cínico. O sangue do sábio ferveu, quando lhe veio a boca uma resposta a altura, lembrou-se do homem sofrido e desprezado. Naquele instante respirou fundo, subjugou seus instintos selvagens, reduziu à submissão seu corpo (I Co 9:27) e ternamente disse – Com todo prazer Rogério , mesmo porque quero lhe compartilhar algo que mudou minha vida – saindo em seguida, deixando Rogério surpreso com sua resposta.

A temperança é uma qualidade tão rara quanto o ouro, tão preciosa quanto a pérola, tão difícil quanto a conquista de uma seqüência de títulos esportivos. Isto porque tudo neste mundo milita para liberar os apetites e as paixões do corpo. O cigarro, por exemplo, foi por anos vendido como sinônimo de status social; adquirir um carro é quase como possuir uma beldade; ascender na carreira tem sido feito pisando em gente; enfim, o semelhante é visto como um traste, se este se constitui num obstáculo para o sucesso. Ser temperante é dominar o corpo, subjugar a vontade e impedir que estes excessos possam ferir o outro.

Para ter domínio próprio, conforme ensino de Pedro (II Pd 1:6) exige conhecer-se diante da palavra de Deus, discernir a natureza de suas atitudes. Quem não é capaz de dominar-se é semelhante ao que aprendem sempre, contudo nunca chegam ao conhecimento da verdade (II Tm 3:7). Estes param a beira do caminho, se deixando seduzir e atrair por tudo quanto o mundo oferece (Tg 1:14).

O sábio refletia nestas verdades enquanto se dirigia ao caixa. Alegrava-se com a misericórdia de Deus para consigo. Se fosse nos anos escolares, nem seu próprio lanche poderia pagar, agora mesmo tendo sido humilhado pelo apelido e forçado a comprar o sanduíche do Rogério , ainda assim podia sorrir e saber-se abençoado por ter como pagar por seu amigo.

Ao chegar ao caixa, percebeu que a fila era quilométrica e, para sua surpresa, na frente dele estava o simples, cabisbaixo, aguardando sua vez. O mover daquela fila daria no que falar.


Biografia:
O autor é casado com Karin, professora mestre em Língua Portuguesa e tem dois filhos: Adan e André. Sua formação é em Administração de Empresas, Teologia e Ciências Contábeis, com mestrado em Administração de Empresas pela PUC.PR. Atualmente é Secretario Municipal de Finanças de Campo Novo do Parecis.MT. Seu site pessoal é www.cezar.azevedo.nom.br
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