Naquela noite quente de fevereiro, um casal caminhava à beira da praia. Ele havia acabado de pedi-la em namoro, e os dois seguiam felizes da vida. Eu seguia logo atrás, vinha caminhando por trás deles por um longo período, desde que tinha deixado meu hotel. Ouvira toda a conversa, e confesso que senti uma pitada de inveja do tal homem. Sua namorada era bonita, cabelos louros lisos, uma bunda fenomenal que se ajustava na calça justíssima de ginástica, uma blusinha branca que realçava seus ombros, e umas pernas bem torneadas, daquelas de academia. O cara já não era de se impressionar, não era nenhum galã, muito menos atlético. Diria até que tínhamos o físico parecido, ambos eram baixinhos, levemente barrigudos e com pernas grossas. De repente, o homem vira e eles vão até um carro. Um belo carro importado, um Audi A4. Ele abre a porta pra ela, e ela entra. Ele entra em seguida e eles seguem em frente. Continuo a minha caminhada.
Lembrei-me do conselho que o gerente do hotel havia me dado: Salvador é perigosa demais à noite. Ainda mais para um turista. Volte cedo e garanta sua carteira, o mesmo me advertira. Não dei importância e segui caminhando. Alguns moleques de rua olhavam-me e conversavam entre si. Senti que era mesmo a hora de voltar para o hotel, pensei. Pensei também que aquilo era o resultado do belo ensino público que o nosso país proporcionava. Não que todas as escolas públicas, estaduais e municipais fossem uma merda, mas a maioria com certeza era.
Entrei no meu quarto de hotel e abri a garrafa de uísque que havia comprado no mercado. Era um uísque barato, mas eficaz. Bebia-o, enquanto tentava escrever algo para o concurso de poesia que desejava participar a séculos. Eu era um homem que exercia uma profissão que não gostava, porque fazia isso? Queria mesmo ser um grande escritor famoso, como o grande Machado de Assis, o notável Caio Fernando Abreu, o magnífico Fernando Sabino e tantos outros. Queria talvez, ser tão grande quanto Hemingway e Ezra Pound, louco e sábio como Hunter S. Thompson e saber descrever tão bem o amor, assim como Charles Bukowski fazia.
Estava em Salvador para uma reunião de negócios, eu era um grande empresário do ramo comercial, mas tudo aquilo ali era algo que não me dava prazer, mas muito dinheiro. Tentara publicar alguns contos e poesias, mas todas as tentativas foram frustrantes. Meu último poema até chegou a ser publicado num livro, mas o livro não vendeu mais de 500 exemplares. Dei o livro para quase todos da minha família, e eles riram de mim quando eu disse que queria me transformar em escritor. Minha vó disse que eu iria morrer de fome.
Comecei novamente com um novo conto, desta vez sobre o amor. Mas não conseguia continuá-lo, porque não tinha nenhuma inspiração. Nunca amara ninguém. O conto começava assim:
“Então Ulisses desceu as escadas de sua mansão gigante, extremamente bem vestido, trajando o novo terno que seu alfaiate fizera. Iria se encontrar com a paixão de sua vida, mas todos ali sabiam que não passava de mais um truque de Ulisses para sair por aí, sem destino. Afinal, ele não conseguia amar ninguém, e tentava mostrar que realmente era de carne e osso e se apaixonara. Ulisses tinha 60 anos, dinheiro suficiente para alimentar 3 famílias inteiras...”
Então, apaguei o que havia escrito e resolvi começar outro conto.
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