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O verdureiro
Rúbia Mendes Laurelli

Houve um dia em que um senhor que vendia verduras passou na minha casa, e isso foi muito útil. Foi o que aconteceu. Quase todas as manhãs aquele senhor de cabelinhos brancos passava na minha casa para oferecer frutas, verduras e legumes limpos e frescos. Tudo baratinho, sem agrotóxicos. Com o tempo percebi que ele não estava lá só para vender. Quando eu estava em casa e ouvia ele chamar a minha mãe, eu então ficava atenta. Ela o atendia sempre sorridente. Eu corria na janela, sem deixar que eles me vissem e ficava observando a situação. Foram ficando mais íntimos, começaram a falar mais, começaram a dar risadas e gargalhadas altas. E eu só observando. Minha mãe começou a cozinhar mais feliz, já não pedia pra mim nem para minha irmã que fizesse o almoço. Não precisávamos nem ajudá-la, ela não fazia mais questão. Cozinhava com o rádio ligado e alto, acompanhando as músicas. Confesso, eu sabia o que estava acontecendo e não contei à ninguém. Eles não puderam evitar e eu muito menos porque eles não imaginavam que eu estava sempre ali vendo tudo isso.Tenho para mim que eles não estavam nem cientes do sentimento que os envolvia, e do quanto era intenso. E essa cena se repetiu por alguns meses até que ele passou a ir em casa com menos frequência. Se antes ele ia todos os dias agora ele ia três, ou duas vezes por semana. Logo passou a ir uma vez por semana e por um mês ele não apareceu. Me cunfundi. Ontem quando cheguei em casa para o almoço vi o carro do meu pai e o carrinho do senhor de cabelinhos brancos. Mesmo que ele tivesse passado a frequentar menos a minha casa eu sabia que no horário do almoço não era exatamente a hora que ele costumava passar, até porque ele vendia coisas para fazer o almoço, e o almoço ja estaria pronto naquela hora. Alguma coisa tinha acontecido, estava acontecendo e eu estava com medo de entrar em casa. Entrei. Estavam os três na sala. Meu pai parecia uma estátua. O senhor estava com a cabeça baixa e por estar dentro de casa dessa vez ele segurou seu boné na mão, demonstrando respeito. Ele usava boné porque andava no sol, e o sol judiava. Minha mãe estava branca, parecia que ia desmaiar. Ele então passou por mim sem me olhar, pegou o carrinho e seguiu seu rumo. Empurrando com uma certa dificuldade aquele carrinho que ja estava vazio, foi indo tão devagar que parecia não querer ir embora nunca mais. O que eu mais temia aconteceu: Afeto. Minha mãe abraçou meu pai fortemente e começou a chorar. Meu pai tentou acalmá-la mas ela estava incontrolavelmente triste. Eu cheguei no fim da conversa, não sabia o que aquilo representava. Eis que minha irmã me chamou no quarto e me falou: “Ele veio agradecer porque está indo embora, não vai mais vender verduras. Disse que ultimamente sentiu umas dores fortes no peito, e tonturas. O médico pediu a ele que parasse de trabalhar, até porque ele já viveu oitenta primaveras e esse serviço é muito puxado para um senhor com a saúde fragil… A mãe ficou com pena…” Fui pro meu quarto e refleti por alguns minutos, logo compreendi. Minha irmã não entendeu o ocorrido. Minha mãe não ficou com pena daquele senhor, ela chorou porque seu amigo já é um idoso e está doente. Eu disse amigo. É, amigo. Minha mãe que na maioria das vezes atravessa a rua pra não comprimentar as pessoas que ela conhece, dessa vez, percebeu-se surpreendida por um sentimento de uma compaixão imensa e uma sintonia inexplicável, a amizade. Aquele senhor não ia mais voltar. Acho que ela enxergou nele o meu avô, talvez isso explique o porquê do desespero de não vê-lo mais. Creio que ela sempre negou aproximação com as pessoas por isso, por medo de perdê-las e foi exatamente isso que ela sentiu naquele momento em que o vendedor de verduras anunciou que não voltaria mais. Ela se viu perdendo. Minha mãe não é o tipo de pessoa que pede telefone, pega o endereço e faz visitas por isso ela estava chorando. Tinha acabado de se despedir, provavelmente para sempre, daquele senhor que ela tanto gostava, aquele senhor esforçado, simples e sábio que ia todas as manhãs vender verduras e dar alegrias. E foi isso que eu temi o tempo todo, esse sofrimento, essa separação. Mas não evitei nem impedi, porque ela sentiu em alguns meses o que eu já havia sentido por muitos anos, o prazer de se ter uma amizade peculiar. Quando fui sair para o serviço, enquanto ela tomava o café da manhã eu repeti a ela uma frase que até então ela não entendia: ‘Muitas pessoas vão morrer sem entender o que é, muitas já morreram e não tiveram essa virtude’. Hoje mais calma ela sorriu e disse: ‘Filha você tem razão…’

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