À poetisa Márcia Ramos
CARA DE UM (quase) focinho do outro. As aparências são sinônimas. Antônimo, neles, é o ato de conversar. Seu Tintim é uma matraca. Já Seu Tonho é boca de siri, reservado.
Encontraram-se na pracinha onde o bicheiro e espalhador de fatos, o Jacaré, faz ponto. Como o Jacaré não deu as caras o moço se sentou no mesmo banco que Seu Tintim e Seu Tonho.
Assim, ele assuntou a conversa:
— Ocê, que conhece de bicho, quem sabe, ocê sabe desse, que vou te contar? (Seu Tintim disse a Seu Tonho).
— Uai! Quem sabe, eu sei?
Aí, pausa. Dois elementos passaram correndo à frente deles. E atrás dos elementos, o boc-boc-boc dos coturnos. E, Seu Tintim, oh, fincou olhar, nisso. Porém, sem entender patavina voltou a falar:
— Então, eu sentei do lado da bica pra pitar e vi o bichinho, num pé de amora. Primeira vez que vi. E, que bichinho jeitoso!
Aí, pausa. É que se deu um bafafá do outro lado da rua. Disseram que uma velhinha desmaiou, depois de ser assaltada. E, Seu Tintim, oh, fincou olhar, nisso. Porém, sem entender patavina voltou a falar:
— Eu, oiando pra ele; ele, oiando pra mim. Então, peguei a gravar o jeitinho dele... As corzinhas dele... Coisa, e tal.
Aí, pausa. Um carro furou o sinal vermelho e... Bommp! O que furou o sinal saiu mancando; o outro ficou preso no carro. E, Seu Tintim, oh, fincou olhar, nisso. Porém, sem entender patavina voltou a falar:
— O tamainho dele é quase palmo. É pardo, e tem um colar branco na nuca. O bico é marelo, assim, mêi laranja. E fica tempão, bservando... Daí, num piscar, voou retinho. Até falei, sem querer: “Ê menino... Fica, sô!”. Mas ele voltou e cantou uma cantiga fina, e baixa... Bichinho é esse?
Aí, pausa. Um casal parou à frente deles. O homem, rude, falava alto. Ela, coitada, só fazia pedir “Faz assim comigo não, meu bem...” Ele berrou “Vá pro inferno”, e se foi. E ela o seguiu de cabeça baixa.
Quem fincou olhar nessa bagunça, foi Seu Tonho. E, abismado, e sem entender patavina, coçou a testa e voltou-se para Seu Tintim:
— Uai, pelo jeito, esse passarinho é o João Bobo... O João, às vezes sai, assim, sozinho, pra caçar coisinhas pra Joana. E uma coisa bonita neles é o jeitinho de dormir... Eles pegam no sono, em galho. Encostadinhos, um no outro. Penso que eles acham que o amor é o pão de cada dia...
Seu Tintim olhava o chão, abatido pela rudeza daquele homem para com a mulher. Aí, sua velhinha apareceu. Tão meiga, ou, de um jeitinho tão de santa, disse ter resolvido suas coisas, e que poderiam ir embora. Então, deram-se o braço, e se foram.
Seu Tonho ainda ficou sentado à sombra da figueira. Porém não demorou a sair. “Isso é gente da banda de lá; da roça”, disse o sorveteiro ao moço. “Eles vêm à cidade, mas num tiquinho, oh, (estalou o dedo) caçam o rumo de casa”.
|