A internet é impiedosa. Nesse espaço, circulam correntes, muitas delas divorciadas da realidade, textos apócrifos, além de mentiras várias e golpes baixos diversos. À sombra de um anonimato conveniente, nascem relatos fantásticos que infestam o cotidiano dos internautas. Filtrá-los é que são elas.
Sempre houve boatos, mesmo antes do advento da internet, basta lembrar as ”evidências” apresentadas como prova do falecimento de Paul McCartney, para dar um exemplo bem antigo e relativamente famoso. A velocidade de difusão das falsas notícias aumentou exponencialmente com o avanço da tecnologia. Já estamos longe da ária da calúnia de Don Basílio, mas pouco mudou.
Durante a campanha eleitoral, sobe a temperatura e aumentam as “maldades’.
Aos candidatos são atribuídos praticamente todos os males, excetuando-se talvez a culpa pela eclosão da epidemia de gripe espanhola. Da parte dos candidatos, as “baixarias” são atribuídas sempre ao adversário. Não a algum militante ligado à campanha dele, e sim, diretamente ao candidato. Para não ficar devendo, as campanhas veiculadas pela televisão disputam arduamente a primazia na difusão de tolices. Além de vergastar os oponentes com acusações de impossível comprovação, procede-se também ao elogio delirante das virtudes dos preferidos.
Como, a essa altura dos acontecimentos, já fiz minha escolha, é o caso de analisar o que “eles” estão dizendo. Vale a pena lembrar que no caso dos programas de TV, a culpa pelas aberrações já não pode ser jogada no colo da torcida contrária, portanto, é o caso de apontar um dedo acusador na direção de uma pessoa física, a qual, supõe-se, esteja por dentro do preparo da dose diária de veneno ou inverdades.
Num programa recente da candidata Dilma surgiram falas espontâneas de fãs, comparando a candidata à Joana d´Arc e a Madre Tereza de Calcutá. Menos, por favor! A não ser que o autor da comparação, conhecendo a história da donzela de Orléans, famosa por ter ouvido as vozes do arcanjo Miguel e de santa Catarina, tenha decidido fazer uma analogia com o “ponto eletrônico”, usado por Dilma, conforme apareceu em diversas “maldades” da internet. Que haja por parte de um fã essa empolgação toda, não há o que objetar, mas colocar esse disparate no ar encerra um exagero bem próximo da má-fé.
Melhor deixar Joana d`Arc e Agnes Gonxha Bojaxhiu em paz.
Um outro achado da campanha da Dilma consiste em referir-se, com indignação variável à “turma do contra”. Nisso, ganha a valiosa companhia do chefe de estado que usa os mesmos termos, ou seria ela que copia o chefe?
Pergunta: essa “turma” é contra o quê, exatamente? Contra a corrupção, aparelhamento do estado, contra os delírios terceiro-mundistas do Itamaraty? Se for isso, não há problema, mas afirmar que essa ”turma” é contra o progresso e o bem-estar geral é apenas uma forma de terrorismo intelectual.- (a expressão pertence ao escritor francês Jean Sevillia).
Finalmente, as pièces de résistance: as acusações de “querem privatizar tudo”. Ocorre que a privatização, ou a desestatização, como prefere o professor Kanitz não é necessariamente um crime de lesa-pátria, praticado por neoliberais traidores do povo. Trata-se de uma venda, não necessariamente ruinosa de uma empresa estatal a capitais privados. Miserere nobis! O que muda depois de uma privatização, supondo que a venda não seja por preço vil (outra fábula acusatória muito difundida por aqui)?
Antes, “o povo” (por intermédio do governo e de sua ágil máquina administrativa) recebia dividendos advindos do lucro das empresas somados à pletora de impostos relativos a esses lucros. Depois, “ o povo” receberá somente os impostos através do governo e das ações distributivistas ou não. Em tese, a venda se deu pelo valor do fluxo total de dividendos trazidos a valor presente. Não havendo erros nas diversas tecnicalidades envolvidas, nada de ruim aconteceu, salvo um processo de “limpeza” no organograma da empresa “abandonada”, no qual estavam empoleirados burocratas de mérito discutível, com honrosas exceções.(mas as honrosas exceções têm uma chance enorme de continuar na nova empresa, sem que a continuidade seja fruto de troca de favores). Por outro lado o governo conserva a chamada golden share, cuja função é de impedir, por exemplo, que a Vale se transforme numa rede de fast food, tipo Burger King. O argumento segundo o qual “foi tudo entregue de graça” poderá ser usado depois de análise, não a partir de “achômetros”. Falar na proposta de fatiar a Petrobrás pode mexer com o imaginário - pobre Petro, deitada numa mesa cirúrgica e retalhada por vendilhões estripadores”! Por sorte e alívio geral, nenhum dos candidatos fala em privatizar essa empresa. Resumindo: os favoráveis à privatização não são necessariamente inimigos do povo e reciprocamente, os contrários a esse processo não são donos da verdade.
Um outro refrão entoado ad nauseam, se refere à tal turma do contra como sendo a representante da época de trevas da qual emergimos por obra e graça do metalúrgico sem diploma. E dá-lhe comparações. Ninguém nega os avanços conseguidos pelo governo Lula. Ocorre que não faz sentido comparar o Brasil após 8 anos de Plano Real com o Brasil após dezesseis anos de Plano Real, embalando a torcida com o mantra do "nunca antes". Comparar um menino de 8 anos com um adolescente de 16 anos não tem a menor relevância. Seria lamentável constatar daqui a quatro anos que os indicadores sociais não mudaram para melhor. Urge abandonar a alusão insensata da “herança maldita”, outro refrão dos herdeiros ingratos.
O que faltou até agora na campanha foram propostas concretas. Promessas não são propostas. Falta expor aos eleitores a tal visão estratégica que tantos votos rendeu à Marina Silva.
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