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UMA TRAGÉDIA FAMILIAR
Geraldo Affonso Pimentel Pereira de Araujo

UMA TRAGÉDIA FAMILIAR
Creio que todas as pessoas ligadas por laços de parentesco possuem seus segredos, seus mistérios, seus acontecimentos alegres ou tristes que permanecem através dos anos cristalizados numa espécie de memória coletiva familiar. Vou relatar um desses acontecimentos, aliás, dos mais trágicos, que envolveu alguns de meus ascendentes e familiares e que, embora tenha ocorrido há quase um século, vez por outra é resgatado nos escaninhos de nossa memória.
Era um dia do mês de dezembro de 1912 e o Doutor Antonio Pimentel Júnior, meu avô, estava há poucos meses à frente da prefeitura da cidade de Lambari, naqueles tempos remotos denominada Águas Virtuosas. Fora nomeado por Júlio Bueno Brandão, então Governador de Minas, tio de sua esposa, minha saudosa avó Maria Ignácia.
Francisco Ribeiro da Fonseca, meu bisavô, um dos cidadãos mais eminentes de Ouro Fino na época, sogro de meu avô, juntamente com sua esposa Júlia, minha bisavó, foi passar uns tempos na referida cidade, procurando a cura em suas águas virtuosas para uma estranha e renitente enfermidade. No entanto, ao revés da cura, seu estado de saúde complicava-se dia-a-dia e, na data e hora do acontecimento trágico que vou relatar, meu bisavô passava mal e um médico fora chamado às pressas para atendê-lo.
De repente, as pessoas que se encontravam no quarto do enfermo ouviram um estrondo dentro da casa, semelhante a um disparo de arma de fogo e correram em direção à sala. O quadro que se apresentou foi terrível. José, uma criança de apenas oito anos, filho de meus avós, jazia com a cabeça caída sobre a mesa, com as folhas do caderno em que desenhava salpicada de vermelho e de seu ouvido, que parecia uma flor, segundo o relato de sua mãe, minha avó Maria Ignácia, esguichava grande quantidade de sangue. Junto a José, um outro menino de apenas dez anos, com uma das mãos tentava aplacar o líquido rubro e com a outra empunhava um revólver. O médico que estava na casa e que chegou imediatamente, abraçou minha avó, apenas para dizer que nada mais podia ser feito.
Meu bisavô, Francisco Ribeiro da Fonseca, morreu alguns dias depois do acontecimento. O menino que fizera o disparo, um vizinho e filho do delegado de polícia, alegou que apenas queria brincar e pensava que a arma que encontrara embaixo de um colchão num dos quartos da casa estava descarregada. Minha avó, após este acontecimento, nunca mais tirou o luto e envelheceu aos trinta e cinco anos. E o pequeno José, que morreu sem saber o porquê, foi enterrado em Lambari e, posteriormente, seus restos mortais junto com os de seu avô Francisco Ribeiro da Fonseca foram trasladados para o cemitério de Ouro Fino.
Bem, leitores, ao narrar essa tragédia, aproveito também para formular a seguinte consideração: se não houvesse a tal arma em casa eu não estaria escrevendo sobre este tema e, sem dúvida, meu tio José teria tido uma vida, talvez longa e feliz, e minha querida e sempre lembrada avó também não teria envelhecido tão cedo.


Biografia:
Geraldo Affonso é professor,radialista, advogado e membro da Academia Ouro-finense de Letras e Artes. Apresenta aos sábados, a partir de meio-dia e meia na Rádio Difusora Ouro Fino um programa de entrevistas, voltado, principalmente, para a cultura, que pode ser ouvido pela Internet no site www.difusoraourofino.com.br
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