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Um olhar atento para Capitu
Uma análise sobre Dom Casmurro
Fabiano Fernandes Garcez

Dom Casmurro não é um livro, mas muitos, nos leva a inúmeras e diferentes leituras.
     
     O livro é um julgamento, a ré, Capitu, Bentinho, o promotor.
          Augusto Meyer

É uma história banal

     Bentinho, filho de um já falecido fazendeiro e deputado, se vê na possibilidade de ter de cumprir a promessa que sua mãe, D. Glória, fizera quando de seu nascimento: Torná-lo padre.
     O menino percebe que isso o separaria de sua “primeira amiga” a menina Capitu, filha de um funcionário público, o Pádua, seu vizinho. Após longa sucessão de artimanhas para libertá-lo da promessa, Bentinho e Capitu casam-se, mas não permanecem unidos por muito tempo.
     O ciúme leva-os a separação. O casal finge uma viagem à Europa e lá ficam Capitu e seu filho Ezequiel, porém este regressa já moço, para uma breve visita ao pai, já velho, que o recebe friamente. Pouco tempo depois, o rapaz parte para o estrangeiro para os estudos e lá acaba morrendo.

A estruturação da obra:

O romance pode ser dividido em duas partes

     1º Parte (Capítulo 3 ao 97)
     
     O texto segue o padrão romântico de superação dos obstáculos da união conjugal.
     Sem ordem temporal rígida e com interrupções digressivas, começa com o problema central: A promessa da mãe em fazê-lo padre.
     
     2º parte (Capítulo 98 ao 146)
     
     O casamento, o nascimento do filho e as suspeitas sobre a infidelidade de Capitu e a morte de Escobar.
      É a desmontagem da primeira parte, nas medidas em que psicologicamente pessimista que aos poucos toma por inteiro o narrador, obscurece completamente a inocência da juventude.

     Aqui devia ser o meio do livro, mas a inexperiência fez-me ir atrás da pena, e chego quase ao fim do papel, com o melhor da narração por dizer. Agora não há mais que levá-la a grandes pernadas, capítulo sobre capítulo, pousa emenda, pouca reflexão, tudo em resumo. Já esta página vale por meses, outras valerão por anos, e assim chegaremos ao fim.
Cap. XCVII


     O romance assume um caráter metalingüístico, após sua conclusão, então toda a primeira parte torna-se outra. Percebe-se que a construção intencional de Capitu é uma armadilha. Algumas características dela apresentadas nesta primeira parte sustentam a tese seria capaz de trair.

A narração

     Não é a história contada que faz de D. Casmurro um grande livro da literatura mundial. O modo de contar é o mais importante.
     O narrador em primeira pessoa conta a sua versão da história, atribuindo valores e significados a tudo e a todos e o leitor deve perceber isso se quer compreender o texto.
          

     Um mundo que se mostra por dentro e se esconde por fora.
Carlos Franco

     Em Machado o fato em si não tem a importância menor. O que interessa é a reflexão que esse fato provoca.

     Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto.
Machado de Assis

     A percepção do real dá importância significativa ao foco narrativo, assumindo o que se conta à condição psicológica de quem conta

     Características marcantes da narração:

     Conversa com o leitor, bem humorada, geralmente;

     O narrador se expõe, para deixar bem claro que o fato narrado é ficção, não se esconde para dar a impressão de que narra um fato real;

     Ironia;

     Estudo da Alma feminina.


     Em Machado o homem aparece como um ser corrompido e sem saída diante das forças de seu destino. Compara a vida a um espetáculo tedioso.

     O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contra-regra, isto é, designa a entrada dos personagens em cena, dá-lhes as cartas e outros objetos, e executa dentro os sinais correspondentes ao diálogo, uma trovoada, um carro, um tiro.
Cap. LXXIII

     
O indivíduo se defronta com o que socialmente se espera dele.
     
     Bento Santiago é atrelado às convicções machistas e preconceituosas, um típico homem de seu tempo.


     Tudo isto me era agora apresentado pela boca de José Dias, que me denunciara a mim mesmo, e a quem eu perdoava tudo, o mal que dissera o mal que fizera, e o que pudesse vir de um e de outro.
Cap. XII

     Digressão Machadiana

     Técnica utilizada que interrompe o fluxo narrativo e desloca o assunto de que se trata para atenuar, pelo humor implícito, a importância e a gravidade da narração, mas também lembra-nos de que tudo o que se narra é fruto das recordações e está sujeito ao fluxo de consciente do narrador.

     A técnica Machadiana consiste em:
Sugerir as coisas mais tremendas da maneira mais cândida. Em estabelecer um contraste entre a normalidade social dos fatos e sua anormalidade essencial. Em sugerir, sob a aparência do contrário, que o ato excepcional é normal, e anormal seria o ato corriqueiro.
                                        Antonio Candido

     
     Fiquei tão alegre com esta idéia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindos. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito. É o que vais entender, lendo.
Cap. II

     
O narrador central é modificado pelo tempo

     Percebemos a modificação do personagem através de nome:

     Bentinho, Bento Santiago e Dom Casmurro

     O nome do personagem retrate como ele é visto, é sua caracterização psicológica e social.

     Como o narrador é um personagem toda a narrativa está condicionada a sua visão dos fatos. Dom Casmurro volta seu olhar para Bentinho e Bento Santiago.

Os olhos com que me disse isto eram embuçados, como espreitando um gesto de recusa ou de espera. Contava com a minha debilidade ou com a própria incerteza em que eu podia estar da paternidade do outro, mas falhou tudo. Acaso haveria em mim um homem novo, um que aparecia agora, desde que impressões novas e fortes o descobriam? Nesse caso era um homem apenas encoberto.
Cap. CXL

     O livro inicia-se pelos capítulos Do título e Do livro que situam o leitor sobre o ponto de vista que estará em toda a narrativa.

     Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. Jurisprudência. Filosofia e política acudiram-me, mas não me acudiram as forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma "História dos Subúrbios" menos seca que as memórias do Padre Luís Gonçalves dos Santos relativas à cidade; era obra modesta, mas exigia documentos e datas como preliminares, tudo árido e longo. Foi então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos, pegasse da pena e contassem alguns. Talvez a narração me desse a ilusão, e as sombras viessem
perpassar ligeiras, como ao poeta, não o do trem, mas o do Fausto: Aí vindes outra vez, inquietas sombras?...
Cap. II

     O romance é parte de alguém que a certa altura da vida, limitou se ao direcionar toda sua energia vital em seu mundo interno.
     O fato de reproduzir na velhice a casa de sua infância serve para caracterizar o personagem narrador.

     (..)      se o rosto é igual, a fisionomia é diferente.
Cap. II


     Ora, há só um modo de escrever a própria essência, é contá-la toda, o bem e o mal. Tal faço eu, à medida que me vai lembrando e convidando à construção ou reconstrução de mim mesmo. Por exemplo, agora que contei um pecado, diria com muito gosto alguma bela ação contemporânea, se me lembrasse, mas não me lembra; fica transferida a melhor oportunidade.
Cap. LXVIII


Caracterizando Capitu


     Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor, não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos.
Cap. XIII
     
     Capitu se mostra uma mulher fora de seu tempo, é uma mulher moderna em pleno século 19.


     Esta imagem é porventura melhor que a outra, mas a ótima delas é nenhuma.
     Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem. Se ainda o não disse, aí fica. Se disse, fica também. Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força de repetição.
     Era também mais curiosa. As curiosidades de Capitu dão para um Capítulo. Eram de vária espécie, explicáveis e inexplicáveis, assim úteis como inúteis, umas graves, outras frívolas; gostava de saber tudo. No colégio onde, desde os sete anos, aprendera a ler, escrever e contar, francês, doutrina e obras de agulha, não aprendeu, por exemplo, a fazer renda- por isso mesmo, quis que prima Justina lhe ensinasse. Se não estudou latim com o Padre Cabral foi porque o padre, depois de lhe propor gracejando, acabou dizendo que latim não era língua de meninas.
Cap. XXXI
     
     Na 1º parte a linha narrativa pinta Capitu como uma jovem racional, ativa e calculista que facilmente sai de situações complicadas e é obstinada. Ela tem apenas 14 anos, mas já tem larga experiência. Tinha o trabalho de pensar por Bentinho, ele a obedecia e era manipulado de forma pacífica.

     Todas as minhas invejas foram com ela. Como era possível que Capitu se governasse tão facilmente e eu não?
Cap. LXXXIII
     
— E você, Capitu, interrompeu minha mãe voltando-se para a filha do Pádua que estava na sala, com ela, — Você não acha que o nosso Bentinho dará um bom padre?
— Acho que sim, senhora, respondeu Capitu cheia de convicção.
Não gostei da convicção. Assim lhe disse, na manhã seguinte, no quintal dela, recordando as palavras da véspera, e lançando-lhe em rosto, pela primeira vez, a alegria que ela mostrara desde a minha entrada no seminário, quando eu vivia curtido de saudades. Capitu fez-se muito séria, e perguntou-me como é que queria que se portasse, uma vez que suspeitavam de nós; também tivera noites desconsoladas, e os dias, em casa dela, foram tão tristes como os meus; podia indagá-lo do pai e da mãe. A mãe chegou a dizer-lhe, por palavras encobertas, que não pensasse mais em mim.
Cap. LXV
     O narrador faz um retrato psicológico de si mesmo: vacilante, emotivo, passivo, imaginativo e fraco.
     
As suspeitas

     A tendência imaginativa é fundamental para a possibilidade de engano do narrador.

     A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo
Cap. XL
     
     As suspeitas começam a surgir por causa, novamente, de José Dias, porém lá Bentinho não alimenta esse ciúme.

      —Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...
Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo. Há alguma exageração nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de partes excessivas e partes diminutas, que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se entendermos que a audiência aqui não é das orelhas, senão da memória, chegaremos à exata verdade.
Cap. LXII

     Bentinho sente-se atraído por Sancha e vê a possibilidade de Capitu sentir o mesmo por Escobar .



Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os olhos de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e intimativos, diziam outra cousa, e não tardou que se afastassem da janela, onde eu fiquei olhando para o mar, pensativo. A noite era clara.
Dali mesmo busquei os olhos de Sancha, ao pé do piano; encontrei-os em caminho. Pararam os quatro e ficaram diante uns dos outros, uns esperando que os outros passassem, mas nenhum passavam. Tal se dá na rua entre dous teimosos. A cautela desligou-nos eu tornei a voltar-me para fora. E assim posto entrei a cavar na memória se alguma vez olhara para ela com a mesma expressão, e fiquei incerto. Tive uma certeza só, é que um dia pensei nela, como se pensa na bela desconhecida que passa; mas então dar-se-ia que ela adivinhando... Talvez o simples pensamento me transluzisse cá fora, e ela me fugisse outrora irritada ou acanhada, e agora por um movimento invencível... Invencível; esta palavra foi como uma bênção de padre à missa, que a gente recebe e repete em si mesma.
Cap. CXVIII

Olhos de Ressaca
     
     Toda a caracterização de Capitu parece fazer parte de um projeto narrativo proposital e interligado.

     Reforça-se pela construção de Capitu por José Dias —“olhos de cigana oblíqua e dissimulada” —, que será reafirmado mais tarde pelo próprio Bento fazendo referências do caráter enigmático e sedutor dos olhos de Capitu: olhos de ressaca.
     

Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.
Cap. XXXII

De repente, cessando a reflexão, fitou em mim os olhos de ressaca, e perguntou-me se tinha medo.
— Medo?
— Sim, pergunto se você tem medo.
— Medo de quê?
— Medo de apanhar, de ser preso, de brigar, de andar, de trabalhar...
Cap. XLIII


Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da Praia da
Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: "Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti". Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.
Cap. CXLVIII

O ciúme doentinho

     O romance centra-se em perceber os processos de construção da suspeita de Bento.

Onde há fumaça há fogo
     
     (...)      o fato é que, dentro do universo machadiano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a conseqüência é exatamente a mesma nos dois casos.
Antonio Candido


     Um dos costumes da minha vida foi sempre concordar com a opinião provável do meu interlocutor, desde que a matéria não me agrava, aborrece ou impõe. Antes de examinar se efetivamente Capitu era parecida com o retrato, fui respondendo que sim. Então ele disse que era o retrato da mulher dele, e que as pessoas que a conheceram diziam a mesma cousa. Também achava que as feições eram semelhantes, a testa principalmente e os olhos. Quanto ao gênio, era um, pareciam irmãs.
     — Finalmente, até a amizade que ela tem a Sanchinha — a mãe não era mais amiga dela... Na vida há dessas semelhanças assim esquisitas.
Cap. LXXXIII

     Capitu estava melhor e até boa. Confessou-me que apenas tivera uma dor de cabeça de nada, mas agravara o padecimento para que eu fosse divertir-me. Não falava alegre, o que me fez desconfiar que mentia, para me não meter medo, mas jurou que era a verdade pura. Escobar sorriu e disse:
     —A cunhadinha está tão doente como você ou eu. Vamos aos embargos.
Cap. CXIII

Quis observar-lhe que tal razão explicava a interrupção das visitas, e não a frieza quando íamos nós a Mata-cavalos; mas não estendi tão longe a intimidade do agregado. José Dias pediu para ver o nosso "profetazinho" (assim chamava a Ezequiel) e fez-lhe as festas do costume. Desta vez falou ao
modo bíblico (estivera na véspera a folhear o livro de Ezequiel, como soube depois) e perguntava-lhe:
"Como vai isso, filho do homem?" "Dize-me, filho do homem, onde estão os teus brinquedos?"
"Queres comer doce, filho do homem?"
— Que filho do homem é esse? perguntou-lhe Capitu agastada.
— São os modos de dizer da Bíblia.
— Pois eu não gosto deles, replicou ela com aspereza.
— Tem razão, Capitu, concordou o agregado. Você não imagina como a Bíblia é cheia de expressões cruas e grosseiras. Eu falava assim para variar... Tu como vais, meu anjo? Meu anjo, como é que eu ando na rua?
Cap. CXVI

— Mas tem muita graça; a mim, quando ele copia os meus gestos, parece-me que sou eu mesmo, pequenino. Outro dia chegou a fazer um gesto de D. Glória, tão bem que ela lhe deu um beijo em paga. Vamos, como é que eu ando?
— Não, Ezequiel, disse eu, mamãe não quer.
Eu mesmo achava feio tal sestro. Alguns dos gestos já lhe iam ficando mais repetidos, como os das mãos e pés de Escobar, ultimamente, até apanhara o modo de voltar a cabeça deste, quando falava, e o de deixá-la cair, quando ria. Capitu ralhava. Mas o menino era travesso, como o diabo; apenas começamos a falar de outra cousa, saltou ao meio da sala, dizendo a José Dias:
— O senhor anda assim.
Não podemos deixar de rir, eu mais que ninguém. A primeira pessoa que fechou a cara, que o repreendeu e chamou a si foi Capitu.
— Não quero isso, ouviu?
Cap. CXVI

Otelo
     O narrador afirma que nunca leu nem viu Otelo, porém a peça de Shakespeare foi assunto do cap. LXXII – Uma ponta de Iago.
     Um lenço foi suficiente para que Otelo tenha certeza do crime de Desdemona, um olhar foi que trouxe a Bento a certeza. Porém mesmo sabendo que Desdemona é inocente Bento não sente pena por ela.
     E não podemos esquecer que:

A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo. Creio haver lido em Tácito que as éguas iberas concebiam pelo vento, se não foi nele, foi noutro autor antigo, que entendeu guardar essa crendice nos seus livros. Neste particular, a minha imaginação era uma grande égua ibera; a menor brisa lhe dava um potro, que saía logo cavalo de Alexandre; mas deixemos metáforas atrevidas e impróprias dos meus quinze anos. Digamos o caso simplesmente. A fantasia daquela hora foi confessar a minha mãe os meus amores para lhe dizer que não tinha vocação eclesiástica.
Cap. XL

Referências bibliográficas:
CANDIDO, Antonio. O Discurso e a Cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993.
CARVALHO, Luiz Fernando (org). Capitu: minissérie de Luiz Fernando Carvalho a partir da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008.
COSTA LIMA, Luiz. Pensando nos trópicos. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria (1899). Dom Casmurro. Fixação de texto e notas de Manoel Mourivaldo Santiago Almeida; prefácio de John Gledson. São Paulo: Globo, 2008.
____ (1899). Dom Casmurro. Biografia de M. Cavalcanti Proença; estudo introdutório e notas de Afrânio Coutinho; introdução de Ivan Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Ediouro, sd.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Scipione,1994.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 12. ed. São Paulo: Ática, 1981.
ASSIS, Machado. Dom Casmurro. Klick Editora para o jornal O Estado de São Paulo,


Biografia:
Fabiano Fernandes Garcez nasceu em 3 de abril de 1976, na cidade de São Paulo (SP). Formou-se em Letras, é professor de língua portuguesa, literatura e redação, participou das antologias: São Paulo Quatrocentona e Poemas que latem ao coração, é autor dos livros: Poesia se é que há e Diálogos que ainda restam.
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