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MEU FILHO, MEU PAI
Hélio Sena

“UM DIA, QUANDO EU CRESCER, DEUS ME LIVRE DE SER ESCRITOR!”
Esta frase foi pronunciada por meu pirralho, certa vez. Ele entrara tão de mansinho em meu escritório que só notei sua presença quando ele falou do meu lado.
“O QUE ACONTECEU, MEU FILHO?”
“POR QUE VOCÊ NÃO QUER SER ESCRITOR QUANDO CRESCER?”
Não... Eu não perguntei nada disso...
O que eu disse foi:
– Renato...? Você me assustou, garoto!
E como eu estava ocupadíssimo com um relatório da empresa, completei:
– Depois conversamos, está bem?
Ele resmungou qualquer coisa, e – visivelmente chateado – desapareceu das minhas vistas por algumas horas; decerto fora para o quarto jogar video game.
Mais tarde, na cama (minha esposa dormia profundamente, e eu acabara de ler a introdução de um desses livrinhos de auto-ajuda), pensei na frase que Renato havia dito. O que ele queria dizer com aquilo?
No dia seguinte, durante o jantar, soltei de repente:
– Um dia, quando eu crescer, Deus me livre de ser escritor!
A reação do Renato foi instantânea.
Minha mulher, curiosa, foi logo querendo saber de tudo, tu-di-nho!
– Pergunte ao rapazinho aí – falei, sorrindo.
Renato então contou. Contou da professora. Do livro chato que ela mandara ler para a prova do bimestre.
– E ela deixou bem claro que quem não ler pega zero!
Dizendo isso, levantou-se da mesa e saiu da sala. Voltou logo em seguida, livro debaixo do braço; estendeu-me o cujo:
– Veja, pai, veja!
Peguei o livro e o folheei atentamente. Não, não era chato coisa nenhuma. Chata era aquela professora, que não se dera conta de que um livro daquele não era tipo assim “leia e pronto”. Mesmo não sendo muito fã de literatura, eu conhecia o livro, sabia que não era de leitura fácil – e meu filho tinha apenas dez anos, ora bolas!    
– É chato, não é, pai? – de pé, Renato aguardava uma confirmação...
Sem saber como responder, pedi à minha mulher que me passasse a travessa do arroz. Pus no meu prato, devolvi a travessa e comi uma colherada.
Rosana estranhou:
– Você não vai falar nada, Rui? O menino está esperando!
Renato continuava de pé, me olhando feito uma estátua.
Pigarreei.
E li, bem alto, o título do livro e o nome do autor.
E divaguei:
– Já ouvi falar desse cara... Que tal, Renato, se a gente lesse o livro juntos?E ele, perplexo:
– Mas como, pai, se você nunca tem tempo?!
– Arranjo um tempinho pra você, eu prometo... Combinado?
– Combinado!
Sim, sim, lemos o livro. Noite após noite. A história todinha, do começo ao fim. (É verdade que às vezes – discretamente – eu pulava um pedacinho, resumia uma descrição...) Mas, enfim: tínhamos cruzado, sãos e salvos, a linha de chegada – e era isso o que importava, de verdade.
Depois da última palavra, me voltei para o meu filho e falei:
– E então, o que achou?
A resposta foi um sorriso luminoso e único.
Senti um entalo na garganta, logo dissipado num abraço forte e caloroso.
– Meu filho...
– Meu pai...
Minha mulher, que a tudo assistira, encheu os olhos de lágrimas. Parecia até que estava vendo aquela nova novela, a talzinha das seis.


Biografia:
Professor e escritor. E-mail: ruffustargum@gmail.com
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