A pós-modernidade pode ser encarada como a inquietude do homem que descobriu o novo e após uma série de transformações, pessoais ou não, está em busca de uma constante novidade, algo que lhe agrade neste ou naquele momento. Um bom exemplo a ser colocado é a busca do auto-conhecimento, da satisfação do eu, ou, de um oásis momentâneo, no qual possa saciar suas necessidades.
Durante o desenrolar deste artigo, serão citados dois poetas e a ligação de suas poéticas à pós-modernidade. Os autores estão diretamente ligados, apesar de um escrever poesia (Álvaro de Campos) e outro prosa (Bernardo Soares). Ambos estão bem relacionados no que tratam, de forma implícita ou explícita, de questões relacionadas ao sujeito pós-moderno, sujeito este que pode estar localizado em um determinado local e tempo ou desconfigurar-se em meio às transformações decorrentes da pós-modernidade. Mas há uma inquietude que os une, que os fazem refletir sobre suas existências, e assim, estarem em constantes mudanças podendo ser claras em suas obras ou estarem sendo trabalhadas de forma inconsciente, embutidas em pensamentos. Sendo que a escrita torna-se uma forma de colocar isto para fora, para que o leitor possa ler e interpretar ao bel prazer.
O fato de o sujeito ter em seu “eu” uma inquietude constante, torna possível uma interpretação de um ser característico da pós-modernidade: o sujeito inacabado. O termo inacabado está ligado às interrogações presentes em seus pensamentos, questionamentos que o acompanham como indivíduo que está sempre em um “além pensar”: ter sempre uma indagação a ser feita devido às freqüentes mudanças presentes em se meio. Lembrando que tais mudanças citadas nem sempre estão explícitas, e, muitas vezes, acontecem no subconsciente do próprio indivíduo.
O sujeito inacabado presente no semi-heterônimo de Fernando Pessoa (Bernardo Soares) remete ao ser que faz parte de determinada sociedade e que a partir do momento em que se tem uma desfragmentação de seu modo de pensar torna-se muitas vezes desconectado daquela realidade que o cerca. O capitalismo é o principal sistema responsável por tal embate, e a sociedade burguesa um grande aliado deste vazio que incomoda o homem pós-moderno.
No que se trata de questões referentes à cidade e seu espaço concreto e/ou abstrato, pode-se dizer que Fernando Pessoa, em forma de seu semi-heterônimo Bernardo Soares, consegue ultrapassar barreiras relacionadas ao tempo, e de forma sincrônica vê-se diretamente ligado a outras épocas – o poeta consegue ir além de sua margem temporal. O que sustenta tal colocação é o fato de ser possível tanto em épocas anteriores ás obras pessonianas quanto na atualidade em que vivemos podermos detectar inquietações referentes aos sujeitos que nelas se encontram.
A subjetividade e a realidade estão lado-a-lado com as indagações do guarda-livros (Bernardo Soares). Segundo Alexandre Montaury, Soares, apesar de estar inserido naquele espaço concreto, busca ler a cidade com dose significativa de subjetividade. O que ocorre de forma oposta quando falamos de Álvaro de Campos, que faz alusão à cidade de forma mais objetiva que subjetiva, porém a subjetividade relança Campos para a cidade na qual o mesmo não consegue se reencontrar. Isto faz com que o poeta experimente uma certa desconfiguração do local onde vive e como conseqüência remete seus escritos a uma reflexão a cerca da situação e do sujeito que nele está inserido.
Campos, um engenheiro urbano, entrelaçado ás usinas, é peça característica do meio metropolitano. Já Soares, de primeiro momento não parece ser tão característico quanto o primeiro. O Fato de Campos observar a cidade de forma diferenciada de Soares pode estar relacionado à suas posições ou funções em se tratando do meio em que viviam. Mas o que aproxima ambos é o fato de terem uma inquietude perante a determinadas situações que podem partir do âmbito externo como interno – concreto e/o subjetivo. Tal inquietude pode ser considerada, no caso dos autores, situações pós-modernas.
Se analisarmos as posições de ambos, poderemos chegar a uma conclusão: tanto Campos quanto Soares, estão situados em um meio que de forma direta ou indireta, explícita ou implicitamente interfere em sua vidas. A partir do momento em que os autores, por meio de suas obras, demonstram uma insatisfação interior, deixam, de forma consciente ou inconsciente, provas claras de uma não configuração das convicções do sujeito. O que remete à linha da pós-modernidade, no que se refere ao sujeito inacabado, aquele que não vai estar plenamente satisfeito com a situação ao seu redor, pois se vier a ter a satisfação plena deixará de ter a principal característica abordada até então neste artigo – o sujeito inacabado e seu posicionamento diante do mundo.
Diante de tais colocações, é de extrema importância reforçar a idéia de que Soares e Campos estão relacionados à cidade, e, portanto, são peças de um cenário que vive em constante mudança, pós-moderno no que se refere à alternância de sentidos e significados presentes em tal espaço. Um ponto também importante a ser discutido, em relação a Soares, é o fato de o escritor não dominar suas emoções e seus sentimentos. Pode ser definido como uma forma de não adaptação à realidade, de uma reação adversa ao cotidiano vivido.
É importante ressaltar o fato como a cidade aparece nas obras de ambos os autores. Se em Bernardo Soares tais aspectos surgem por meio da intimidade, do relacionamento afetivo, subjetivo, em Álvaro de Campos a cidade aparece desconfigurada no tempo. A cidade surge, porém revela-se com determinado ar de nostalgia.
É no cotidiano que Fernando Pessoa, por meio de seu heterônimo e semi-heterônimo, revela a cidade e suas constantes transformações. Fatos que sustentabilizam a presença da pós-modernidade em seus textos. A cidade é sinônimo de pós-modernidade, suas mudanças são decorrentes das mudanças das pessoas que nelas vivem, e, assim, de forma multifacetada compõe um todo que não se configura.
É por estes e outros motivos que se torna necessária a pesquisa a cerca deste grande escritor e suas obras. Tem-se um trabalho que possibilita uma ponte entre o heterônimo de Fernando Pessoa (Álvaro de campos) e seu semi-heterônimo (Bernardo Soares), viabilizando um estudo sincrônico que enriquece e motiva a discussão sobre os personagens e temas tratados em suas poéticas.
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