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Xadrez por Telefone
Jacqueline Salgado

_ Posso jogar com as brancas?
     _Como quiser.
     _Há dois anos que não jogo com as brancas, acho que vou ter dificuldades.
     _Deixa de supertições, você nunca tem dificuldades. Nunca entendi essa sua obsessão pelas peças pretas, você joga bem e pronto!
     _Obrigado, mas confesso que estou receoso. A questão sempre foi contra-atacar, não começar! P4R.
     _P4R também.
     _Você acha que o Goulart vai demitir o Peixotinho? C3BR.
     _Por enquanto são só boatos, talvez ele esteja realmente zangado com o episodio da gravata. C3BD.
     _Gambito Escocês hoje novamente. P4D.
     _Espertinho! Quer uma partida mais cômoda, né? Me dá esse peão aí. PxP.
     _Estamos indo rápido hoje.
     _É. Também, com o preço das tarifas telefônicas ninguém é louco nem apaixonado suficiente por este jogo para gastar horas pensando uma jogada.
     _Sem falar que assim, por telefone, estamos exercitando muito mais as nossas táticas. B4BD.
     _Você está armando alguma. Mais um sacrifício de peão pela frente.
     _Claro, deste modo vou acelerar o desenvolvimento de minhas peças, essa é a finalidade do gambito escocês, meu caro!
     _B5C. Xeque.
     _Não se anime. P3B.
     _Bom lance! PxP. Menos um peãozinho pra você.
     _PxP. Menos um pra você também.
     _Não entendo esses enxadristas caladões que passam uma partida inteira sem dar uma palavra.
_Também não tenho saco, por isso mesmo só jogo com você, que fala mais do que joga!
     _Não exagere! B4T. Nosso jogo evolui maravilhosamente bem.
     _Deve ser porque fazemos isso há anos, B3T, desde os tempos da faculdade, lembra?
     _E como não! Os idiotas da Escola de Medicina sempre nos desafiavam, mas nunca venceram uma só partidinha.
     _Médico não tem vocação para o xadrez. Mas bem que você perdeu pro calouro de direito no torneio de 72, né?
     _Já disse que naquele dia estava com crise de labirintite. Mal conseguia ver o tabuleiro, muito menos as peças.P3D.
     _Tinha também aquela moça que fazia estatística, como era mesmo o nome dela?
     _Virgínia.
     _Isso, Virgínia. Era boa jogadora. Perdi uma partida meio sem graça pra ela, também estava meio indisposto. P5R.
     _Era uma das poucas pessoas que não faziam aquela cara de intelectual apático desplugado do mundo enquanto jogava. Bom lance de novo.
     _E agora? Pega meu peão!
     _PxP. Você e seus sacrifícios de peão, não estou gostando nada dessa história.
     _D3C. Você vai ou não vai assistir Norma comigo?
     _Não sei ainda. C3T. Estou um pouco cansado dos italianos, principalmente Bellini, que é um chato.
     _Drama musical pra ele deve ser fazer chorar ou causar arrepios de horror. Vou fazer um pequeno roque agora.
     _Até que enfim conseguiu rocar. P3B. Bellini leva muito a sério a expressão dramática.
     _É, e deixa um pouco de lado a orquestração. T1D.
     _Aquela velha história da orquestra subordinada à voz, Wagner usou muito esse recurso!
     _Mas Wagner não é chato. Você vai ou não?
_Ah, vamos, né? Melhor ópera italiana do século XIX do que a banda do meu filho ensaiando blues em casa. B2D.
     _B6R.
     _Por falar no meu filho, ando meio preocupado. Ele acabou de chegar com uma camisa preta que tem uma estampa do Fürer e uma expressão em alemão: Das Huhn. Será que está envolvido com neonazistas?
     _Creio que não, Das Huhn quer dizer A Galinha!
     _ Ah, bom! C1CD.
     _Minha torre acaba de derrotar seu bispo. TxB.
     _Tudo bem. Meu cavalo pega a sua torre. CxT.
     _Xeque. B7B.
     _ . . .
     _Xeque, você ouviu?
     _ . . .
     _Alô? Alô? Será que caiu?
     _Oi! Tô aqui! Foi só um mal contato. Onde estávamos mesmo?
     _Xeque! B7B. Achei que tinha caído a linha ou então que tinha desligado com medo da inevitável derrota!
     _Me pôs em xeque, né? Meu cavalo vai pegar seu bispo.
     _Não faz mal! Acabou o jogo pra você.
     _Tô vendo. Não tenho muito o que fazer.
     _D6R. Xeque.
     _D2R. Que droga!
     _Mate.
     _Nunca mais deixo você jogar com as brancas.


Biografia:
(Viçosa/MG, 1975) Graduada em Belas Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG (2000), pós-graduada em História (2003). Jacqueline Lopes Salgado Soares, (Jacqueline Salgado) é escritora e artista plástica mineira conhecida pelos textos curtos e relatos autobiográficos, onde narra sua infância através de crônicas, contos e poemas. Autora dos livros infantis "A Menina, a Pedra e o Ribeirão" e "Presente de Aniversário", ambos pela editora UFV (Universidade Federal de Viçosa/2010)narram fatos reais de sua vida. Vive em Belo Horizonte, MG, desde agosto de 2008, onde matém uma biblioteca própria e coordena grupos de estudos litarários. Para contato visitem: www.agavetinha.blogspot.com
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