Meu nome, eu prefiro não lembrar. Minha raça: Shuazer.
Mamãe estava orgulhosa da ninhada, porem aceitava o fato de nos perder para donos distintos, que em breve nos levaria para bem longe. Ouvi dizer, que há alguns anos, um de meus irmãos fora viver tão longe, tão longe que o levaram de avião. Que medo!
Passaram-se alguns meses de nossos nascimentos e logo começaram a separação dos filhotinhos. Mamãe deixava transparecer com cada ida dos filhos um olhar triste. Ela lambia, e dava um adeus.
Foi então que me levaram. Nas primeiras noites longe de minha família, esgoelava, parecia que me espancavam, embora a dor fosse bem pior: Saudades.
Com as patinhas abaixo do meu queixo, procurava com olhar perdido o encontro entre eu e meus brincalhões irmãos. Nada. Mamãe e eu nunca mais iríamos nos ver.
A garotinha, filha do casal que me adotou tornou-se minha amiga. Brincávamos todos os dias. Corria atrás dela. Fazíamos uns barulhos ensurdecedores. Ela me acariciava e eu retribuía com balanços de rabo e com lambidas em suas mãozinhas delicadíssimas.
Ela sorria alto, eu mais do que imediatamente corria atrás de seu áudio, queria brincar. Nunca ousei rosnar para ela bravamente, senão aquele rosnado de brincadeirinha de quando ela furtava por pura implicância meu brinquedo favorito. Como ela era minha amiga!
Meses se passaram, e eu naquele apartamento apertado. Por puro instinto, quando chegava à fome, meu estomago pedia reforço, eu latia. Latia muito. Quando, subitamente, passei a apanhar. A mãe da garotinha passou a me bater por tudo. Não me alimentava por puro desprezo.
As agressões vinham de manhã, à tarde, até a noite. “O que fiz para merecer?”, me perguntava. Passei a suportar a fome, para não mais apanhar. Ela me batia, até pelo cocô feito por mim. Ela gritava. Levantava-me alto e jogava-me lá de cima. Meu grito fragilizado não a despertou do mal que estava ela me causando. Oh, como doía!
Minha amiguinha era, agora, proibida de brincar comigo. Isso mais me doía, sabe? Ela assistia desesperada ao meu sofrimento. “Pare, mamãe, pare, por favor!”.
Eu gemia de dor. Senti calafrios durante a noite toda. Eu, com fome, abandonada, solidária ao choro de minha amiga, chorei abafadamente. Noutro dia, meus sofrimentos se repetiam. A mulher me jogou para cima. Ela me arrastou com o pé e colocou sob mim o balde. Não vi mais nada.
Hoje, estou em centenas de milhares de telas de televisão, computadores, tabletes, e até celulares. Não mais isolada. Percebi a dor dos bombeiros que tentaram sem sucesso voltar-me a respirar. Os gritos desoladores da moça me franziram a testa, e deixou despencar as lagrimas, alagando meu focinho.
Aqui, donde estou, acompanham-me a égua, que me contou ter sofrido maus tratos, e foi arrastada num caminhão até despir-se de todo o couro. Estou também com um gato, enterrado vivo. Acabei de falar com um basset que foi vitima de estrangulamento. Enfim, todos os momentos chegam bichinhos que tiveram o mesmo destino que eu.
A justiça aí na terra parece-me está sendo feita, mas via do que a menininha, minha amiga assistira, apenas. Está bem, ao menos, esse foi o caminho para que as pessoas passassem a nos – animais maltratados – enxergar. E espero que saibam: Aquele chute, aquele grito, aquela vassourada, aquele puxão de rabo dói. Oh, como dói!
NOTA: Tentei ilustrar a história de um cãozinho que chocou e emocionou o Brasil e outros países que noticiaram a covardia de uma enfermeira goiana, que espancou ate a morte o animal.
|