O ódio é mais que um sentimento, é a expressão última do pecado capital da ira. Para alguns é um modo de vida, uma ação cotidiana naturalizada e revestida de moral. Quando o historiador, filósofo e palestrante conceituado Leandro Karnal decide tratar do ódio em seu livro Todos contra todos – o ódio nosso de cada dia, nascido de uma entrevista a Editora Leya, temos uma nova perspectiva para entender a humanidade.
De acordo o autor, a sociedade é mais hobbseana do que rousseauneana. Para aquele, a humanidade vivia em caos e para evitar a autodestruição, surgiu o Estado e a coerção para frear os ânimos egoístas. Já para Rousseau, considerado o “Cisne Negro” do Iluminismo, a sociedade corrompia o homem, logo, o homem era bom a priori, mas são as relações sociais que deturpam o seu ser.
Tomando como base o Brasil, e seu ambiente de contrastes demarcados desde as últimas eleições em 2014, o autor tenta desmistificar a contradição do homem cordial brasileiro. Esse homem cordial não é um homem bom, mas sim um homem passional. É movido pelo puro sentimentalismo agressivo, isso pode produzir todo o tipo de ação, desde ações de puro amor até violência selvagem.
Se Eric Hobsbawm chamou o século XX de a Era dos Extremos, podemos deduzir de Leandro Karnal que adentramos a Era do Extermínio. Não existe mais luta por ideais ou ideologias, o objetivo agora é colocar o seu narciso num pedestal e fazer com que todos o adorem como um deus, mesmo sendo um simulacro do humano inatingível. Há ausência de diálogo demarca o fim de qualquer evolução social ou pessoal.
O ufanismo e o regresso ao passado são uma construção histórica para descaracterizar o presente, logo, o avanço do nosso país é sempre ao lugar anterior. O que me leva a acreditar que ou o brasileiro não está preparado para o progresso social ou estamos vivendo uma sociedade muito conservadora. Fazer do passado a “era de ouro” é o mesmo que dizer que o tempo presente é o lugar do atraso, quando é o contrário.
Leandro Karnal também trata da inveja. O pecado envergonhado, pois ninguém admite que o tem, é um dos mais cometidos por uma sociedade que busca execrar o outo pelo seu sucesso (financeiro, amoroso, intelectual etc.). As relações se dão sempre num nível de pré-julgamento, onde o conteúdo é trocado pela forma. Há um esvaziamento da crítica, ou melhor, nos tornamos acríticos.
Por muitos exemplos dados no livro, o modelo que nossa sociedade segue é o europeu. Tentamos a todo tempo reforçar uma identidade totalmente artificial, que mais segrega do que integra. O cruzamento do racismo e da desigualdade social permitiu que não houvesse a necessidade de guetos institucionais, eles se tornam estruturais em nossa sociedade movida a ódio.
O trânsito mata, a escola mata, o hospital mata, a polícia mata, a política mata, todos matam! A ausência de catástrofes naturais parece diluir o ódio cotidiano. Se não morremos de furacão ou tsunami, não somos violentos, agressivos e mesquinhos. As guerras civis trazidas em conceitos assépticos de revoltas e conjurações no período imperial é um bom exemplo disso. A nossa história nacional reforça essa posição.
A internet acabou acirrando ainda mais os ânimos de pessoas retrogradas, que aqui daremos o nome adequado de idiota. Esse ser, o idiota, vê o mundo do tamanho de suas convicções, baseadas em preconceitos e pré-conceitos. Destila ódio nas redes sociais, camuflados por telas digitais e IPs. Esse é o cidadão que apenas incita a violência entre as pessoas e nunca uma crítica da realidade.
O autor estabelece duas formas de diminuir o ódio: a coerção (pela lei) e o consenso (pela educação e conhecimento), quando maior o consenso, menor o uso de instrumentos jurídicos legais. Menor o gasto com segurança pública e com políticas públicas. Leandro Karnal não estabelece fórmulas complexas, mas aponta a família e a escola como bases para uma mudança profunda na nossa sociedade odiosa.
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