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“OLHARES SOBRE O TEMPO”
I
O céu comumente cinza nesses dias de inverno se vestiu de tons intensos de gris. A sensação era, naquela manhã chuvosa, de um mundo transformado em cinzas, erguido das cinzas. Pessoas, casas, flores, árvores, pássaros, o cheiro que se erguia no ar, o vento, tinham sido invadidos por uma aparência cinzenta.
Sentada em frente a janela de sempre, suas retinas foram atingidas pelo cenário imutável: a praça cheirando a decrepitude mostrava em cada brinquedo, banco, planta, gente, as marcas de um tempo devorador, avassalador, transformador, que se fazia sentir em todos os seus poros.
Nunca conseguiu entender o que a fez enganar-se por tanto tempo. Nos últimos anos havia pintado em pano, indescritivelmente branco, desenhos de uma beleza infinda, com tintas de cores intensas.
O tempo, sempre ele, gota a gota, escoando interminável, tingiu desigualmente o tecido tornando-o amarelado. As tintas, sempre luminosas e coloridas, foram ressecando. O brilho irradiante abriu espaço ao fosco. Este, amigo íntimo do tempo, dominou-o apagando-o.
II
Nessa manhã chuvosa, o céu havia se enfeitado todo de cinza, um vento suave se fazia sentir, tocava delicadamente cada pétala de rosa, cada folha. Assoviava nos ouvido das crianças. Levantava, zombateiro, as saias das meninas. Espalhava as roupas pelo quintal . Depois sorria vendo o resultado de suas estripulias.
Nesse dia, cheirando a terra molhada. Dia de música das gotas da chuva burilando pelo ar e tocando o chão. Dia de guarda-chuvas, sombrinha, chapéu ou qualquer um desses nomes. De casacos e botas. Portas e janelas serradas. Sua vontade era de ser novamente criança e simplesmente deixar a chuva tocar sua pele, encharcar sua roupa e se libertar.
Ouvir novamente a voz de sua mãe, zangada, obrigando-a a voltar à casa para que não ficasse resfriada, fosse atingida por um raio ou pegasse pneumonia. Novamente ter a vida toda pela frente. Poder olhar e sorrir como outrora, sem nuvens ou grandes tormentas capazes de transformar e deixar profundas raízes que o tempo, nem mesmo ele, é capaz de apagar.
Mas era preciso se apressar pois o relógio da sala havia soado, era o tempo lhe avisando não só que estava atrasada, mas também que havia devorado vorazmente mais uma hora do seu dia, da sua vida, da sua juventude.
III
Manhã chuvosa e acinzentada, sonolência de xícaras e bules. O relógio da cabeceira monotonamente escoava lentamente as horas com olhos serrados de sonhos.
Passos lentos a levaram a sala envolvida em uma atmosfera de tempo suspenso no ar, como se na cena final a frase essencial teimasse em parar no ar, ininteligível aos ouvidos dos espectadores, paralisados frente ao indefinido.
Afastou as cortinas da janela da sala fitando a rua e seus transeuntes habituais àquela hora da manhã. Guarda-chuvas, cores variadas, ofereciam um belo espetáculo aos seus olhos.
A chuva fina desenhava poças no chão, caia delicadamente sobre os telhados das casas, encharcando suas paredes, transformando suas cores, pintando com seu pincel mágico, cada mínimo detalhe da paisagem ao seu redor suavemente, delicadamente.
As horas caminhavam tranquilamente. A sua sensação era de dejavù. Inúmeras vezes, diante daquela mesma janela, sentira esse cansaço do tempo, teimando em demorar-se, em atrasar-se, sem qualquer sinal de pressa. Envolvendo-a em sua preguiça sem culpa, em seu venerável ócio.
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